“Ou a gente acaba com a polarização ou a polarização vai acabar com o país. Me preocupa muito porque não é uma coisa só do nosso país, é um fenômeno global, mas aqui a coisa está mais aguda. Não é a massa que está polarizada, mas tem um pessoal fanático. E todo fanatismo, no meu entender, é burro”, disparou.
“É a pessoa que tem necessidade de acreditar em algo e vive em função dessa crença. Ela não tem nenhum pensamento baseado em evidência, é simplesmente a necessidade de crer. E isso está muito presente naquelas pessoas que estão meio perdidas na vida e precisam se agarrar em alguma coisa, em alguma crença. Existe hoje um número X – e graças a Deus ainda é uma minoria – que está com este comportamento. E nada vai parar essas pessoas. Totalmente condenável”.
‘Massa é alienante e se comporta como gado’
Segundo ela, os fanáticos sempre existiram, mas se organizaram a partir da facilidade das redes sociais. “A rede social mostra o fanatismo de forma mais ampla e mais estimulada, que facilita a organização. Antes tinha que ir ao shopping, à praça, para encontrar as pessoas e conversar. Hoje, consegue falar com 1.000 pessoas ou mais. A massa é alienante e se comporta de forma, é feito gado. É o efeito manada e todo efeito manada é alienante”.
Ana Beatriz falou sobre o poder da internet na massificação da opinião. “Aquilo é governado por algoritmos. Não é programado, ao contrário, é uma bolha. Vamos supor que você goste de tênis, eu também. Aí só vai aparecer quem gosta de tênis. Eu deixo de ter contato com outras tribos e passo a ter contato apenas com uma bolha. Aí vem o fanatismo. Você vive daquela verdade. O fanático só vive aquela realidade”.
Ela destaca que as redes sociais são programadas por uma inteligência artificial. “Esse alguém programa com a intenção clara de ver o perfil do consumidor que você é. E vai criando um universo onde tende a ficar radical porque você só vê e só debate aquilo”.
“O fanático é aquele que tem necessidade de crer. Uma pessoa que tem muita necessidade de crer precisa daquilo para existir. E a princípio tem um vácuo. Se você não se prende a coisas nem pessoas, você tem metas e está evoluindo como ser humano. No momento que tenho necessidade de me fazer importante porque estou ligado a alguém ou porque tenho coisas tem alguma coisa errada. Isso é um movimento de massa, as pessoas não têm noção de para onde estão indo. Então se agarram a símbolos, a pessoas”.
‘Quase um delírio’: existe cura para o fanatismo político?
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“Quem tem essa percepção não é fanático. É um cara sem qualquer noção, sem civilidade. Esse cara nunca vai admitir, ele acredita naquilo. Esse caimento de ficha é alguém que está aberto, que sente que agora tocou em alguma coisa sublime, o respeito pelas instituições, pelas pessoas. Esse que não é fanático basta o caimento de ficha. O fanático nunca vai admitir isso”.
“Se uma pessoa viu que chegou nesse ponto e diz: “Quero muito sair, mas ficam muitos pensamentos intrusivos na minha cabeça, que não posso sair, que isso que vai resolver a questão”. Aí a pessoa chegou num nível de ansiedade que chegou a pensamentos obsessivos, aí sim podemos medicar”.
“Hoje o spa que mais cresce no mundo inteiro é o detox digital. Se paga caro para ficar sem celular, caçar para comer, cagar no mato e levar vida mais selvagem. Qualquer coisa para te tirar do mecanismo que está, leva no mínimo 15 dias, abstinência. Não tem como, é isso para qualquer vício”.
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‘Pequenas concessões’ + algoritmos da internet
Na opinião da psiquiatra, os crimes cometidos em Brasília são resultado de “pequenas concessões” feitas ao longo dos anos. “Quebrar uma vidraça não é nada, destruir patrimônio público não é nada, lixeiras que sejam. Roubar cabo de internet, roubar semáforo não é nada. Isso vem no crescendo de tolerar o intolerável. Existe o certo e o errado, dentro de uma concepção social. Pode todo mundo estar fazendo errado, mas não deixa de estar errado. Então é um acúmulo que vinha ocorrendo”.
“As pessoas estão reaprendendo a se relacionar. Marcam encontro, começam a namorar, e terminam, tudo pela internet. Fico preocupada porque essa polarização está muito ruim. Com a pandemia, isso foi elevado à décima potência”, pondera.
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Sem se referir a Bolsonaro, Ana Beatriz também deu como exemplo o conceito distorcido de herói adotado atualmente, criticando os reality shows.
“Qual é o conceito de herói? A Jornada do Herói é aquele que foi contra tudo e todos, contra a lógica, e no final triunfa o bem. Tem reality shows que falam ‘meus heróis’, mas heróis de que? Um herói te inspira, te dá a sensação de que é possível trilhar e chegar a um bom lugar. Isso é a trajetória do herói, que inspira os outros. O que a gente vê sendo chamado de herói não tem esse conceito”.
A psiquiatra também falou sobre os conflitos familiares causados por causa de política.
“Estamos vivendo um tempo novo, às vezes discute com pessoas por nada. Eu me recuso a falar com pessoas por causa de política. Os políticos passam e passarão. Tenho paciente que deixou de falar com pai de 83 anos, Não dá pra deixar de falar com pai e mãe por causa de política.. As pessoas estão brigando de deixar de falar. Grupos de whatsapp de família viraram uma batalha!”.
[…] ‘Todo fanatismo é burro’, disse a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, sobre os golpistas qu…O também psiquiatra Fabiano Horimoto viu de perto os efeitos do radicalismo político no Brasil quando, ainda em 2022, sua esposa sofreu agressões de um apoiador radical do então presidente da República Jair Bolsonaro. Após o incidente, o médico publicou um vídeo em seus canais pessoais que rendeu um milhão de visualizações em 30 dias e histórias de pessoas que passaram por situações semelhantes. […]