Com a tendência de proteger cada vez mais a mulher de cirurgias mutilantes, o tratamento e remoção de tumores para câncer de mama acaba ficando em segundo plano. Pesquisa publicada por médicos do Hospital Sírio-Libanês no periódico médico International Journal of Radiation Oncology, e subsequentes comentários e editoriais na revista, estão trazendo à tona uma importante discussão sobre esse tema.
Questiona-se o quanto a mastectomia, de fato, remove todo o tecido glandular da mama, ou se os protocolos de cirurgias para a conservação e, portanto, menos invasivas, associados à radioterapia estão sendo mais eficientes. “Existe um padrão oncológico de como realizar a mastectomia, com o que precisa ser retirado com base na anatomia do órgão”, explica o professor José Luiz B. Bevilacqua, mastologista e cirurgião oncológico do Sírio-Libanês.
Geralmente, a mastectomia remove todo o tecido glandular da mama. O procedimento tem um ponto específico em que deve começar e terminar a remoção do tecido e qual será a espessura de pele que deverá permanecer após a cirurgia. Antigamente, retirava-se muita pele. Hoje, existe uma preocupação muito maior na reconstrução e, talvez aí é que comece o dilema apresentado pelo estudo. “A mastectomia foi cada vez mais poupando a pele, com o médico assumindo um compromisso maior com a estética frente à cirurgia oncológica”, diz Dr. Bevilacqua.
Com base nessa preocupação, o estudo avaliou, por meio de ressonância magnética, pacientes operadas em diversos centros e que haviam sido submetidas à mastectomia e procedimento cirúrgico
Nas pacientes submetidas à mastectomia profilática foi identificado tecido mamário residual em 58%; já naquelas submetidas à mastectomia terapêutica, em 21%. Quando se levou em conta o tipo de procedimento, as cirurgias nas quais houve preservação do mamilo tiveram 78% de tecido mamário residual. Ao se excluir a região do mamilo (onde sabidamente sobra tecido glandular), ainda assim, 52% das mulheres submetidas a este tipo de cirurgia tinham tecido glandular em outras regiões além do mamilo.
Esse tecido não deveria mais existir. Fica uma falsa impressão de que a paciente não tem mais tecido glandular na mama. Além do mais, qualquer tecido mamário residual é uma potencial fonte para recidiva ou surgimento de novos cânceres, especialmente se não for realizada radioterapia complementar”, explica Dr. Bevilacqua.
Enquanto o estudo não se propôs a definir se havia uma maior chance de recidiva em pacientes que apresentavam maior resíduo de tecido, a questão estipulada pela pesquisa foi justamente mostrar que há um desvio no resultado esperado de um tratamento como a mastectomia. Justamente pelo procedimento retirar todo o tecido, não se realiza radioterapia após a cirurgia. Já em casos de procedimento para conservação da mama, como há tecido remanescente, realiza-se o complemento terapêutico da radioterapia.
Por esse motivo, o editorial da revista International Journal of Radiation Oncology traz essa problemática à tona em seu título: “Mastectomia pode ser uma abordagem oncológica inferior comparada à cirurgia para a conservação da mama”.
No Brasil, a reconstrução da mama é com frequência feita pelo mesmo cirurgião que realiza a retirada do tumor. “O fato de o mesmo profissional realizar a remoção e a reconstrução pode ser um conflito de compromisso, pois ele já realiza a retirada do tumor pensando na cirurgia posterior”, opina Dr. Bevilacqua.
A discussão em questão oferece uma série de medidas que podem ser tomadas para que essa realidade não resulte num aumento no número de pacientes que apresentem o retorno do câncer de mama. Uma delas seria justamente ter médicos diferentes para a remoção e reconstrução. Ele ainda acrescenta: “é possível, sim, atingir resultados estéticos excelentes agregando a cirurgia com padrão oncológico necessário a uma equipe de cirurgiões plásticos habilitada, de maneira separada, para se fazer a reconstrução”.
Outro ponto de atenção devem ser os controles oncológicos em pacientes pós-cirurgias. O que se observa hoje é que, por conta desse controle maior, as pacientes que se submeteram à cirurgia para a conservação da mama estão tendo resultados melhores. É necessário se fazer um controle melhor das pacientes submetidas à mastectomia.
O radioterapeuta também precisa ter toda a informação de tecido residual para definir a melhor conduta terapêutica, com aplicação e doses dessa terapia após a cirurgia, mesmo no caso de mastectomia. O tecido residual pós-cirurgia deve ser um fator importante para a determinação da conduta terapêutica. Para tanto, a ressonância magnética para avaliação do tecido glandular residual deve ser incorporada, sempre que possível, aos controles oncológicos.