Com a tendência de proteger cada vez mais a mulher de cirurgias mutilantes, o tratamento e remoção de tumores para câncer de mama acaba ficando em segundo plano. Pesquisa publicada por médicos do Hospital Sírio-Libanês no periódico médico International Journal of Radiation Oncology, e subsequentes comentários e editoriais na revista, estão trazendo à tona uma importante discussão sobre esse tema.

Questiona-se o quanto a mastectomia, de fato, remove todo o tecido glandular da mama, ou se os protocolos de cirurgias para a conservação e, portanto, menos invasivas, associados à radioterapia estão sendo mais eficientes.  “Existe um padrão oncológico de como realizar a mastectomia, com o que precisa ser retirado com base na anatomia do órgão”, explica o professor José Luiz B. Bevilacqua, mastologista e cirurgião oncológico do Sírio-Libanês.

Geralmente, a mastectomia remove todo o tecido glandular da mama. O procedimento tem um ponto específico em que deve começar e terminar a remoção do tecido e qual será a espessura de pele que deverá permanecer após a cirurgia. Antigamente, retirava-se muita pele. Hoje, existe uma preocupação muito maior na reconstrução e, talvez aí é que comece o dilema apresentado pelo estudo. “A mastectomia foi cada vez mais poupando a pele, com o médico assumindo um compromisso maior com a estética frente à cirurgia oncológica”, diz Dr. Bevilacqua.

Com base nessa preocupação, o estudo avaliou, por meio de ressonância magnética, pacientes operadas em diversos centros e que haviam sido submetidas à mastectomia e procedimento cirúrgico reconstrutor da mama tanto terapêutico, para tratamento, quanto profilático, para prevenir. Foram analisados sequencialmente 367 casos (501 mamas). No total, resíduo de tecido mamário foi observado em cerca de 41 % dos casos.

Nas pacientes submetidas à mastectomia profilática foi identificado tecido mamário residual em 58%; já naquelas submetidas à mastectomia terapêutica, em 21%. Quando se levou em conta o tipo de procedimento, as cirurgias nas quais houve preservação do mamilo tiveram 78% de tecido mamário residual. Ao se excluir a região do mamilo (onde sabidamente sobra tecido glandular), ainda assim, 52% das mulheres submetidas a este tipo de cirurgia tinham tecido glandular em outras regiões além do mamilo.

Esse tecido não deveria mais existir. Fica uma falsa impressão de que a paciente não tem mais tecido glandular na mama. Além do mais, qualquer tecido mamário residual é uma potencial fonte para recidiva ou surgimento de novos cânceres, especialmente se não for realizada radioterapia complementar”, explica Dr. Bevilacqua.

Enquanto o estudo não se propôs a definir se havia uma maior chance de recidiva em pacientes que apresentavam maior resíduo de tecido, a questão estipulada pela pesquisa foi justamente mostrar que há um desvio no resultado esperado de um tratamento como a mastectomia. Justamente pelo procedimento retirar todo o tecido, não se realiza radioterapia após a cirurgia. Já em casos de procedimento para conservação da mama, como há tecido remanescente, realiza-se o complemento terapêutico da radioterapia.

Por esse motivo, o editorial da revista International Journal of Radiation Oncology traz essa problemática à tona em seu título: “Mastectomia pode ser uma abordagem oncológica inferior comparada à cirurgia para a conservação da mama”.  

No Brasil, a reconstrução da mama é com frequência feita pelo mesmo cirurgião que realiza a retirada do tumor. “O fato de o mesmo profissional realizar a remoção e a reconstrução pode ser um conflito de compromisso, pois ele já realiza a retirada do tumor pensando na cirurgia posterior”, opina Dr. Bevilacqua.

A discussão em questão oferece uma série de medidas que podem ser tomadas para que essa realidade não resulte num aumento no número de pacientes que apresentem o retorno do câncer de mama. Uma delas seria justamente ter médicos diferentes para a remoção e reconstrução. Ele ainda acrescenta: “é possível, sim, atingir resultados estéticos excelentes agregando a cirurgia com padrão oncológico necessário a uma equipe de cirurgiões plásticos habilitada, de maneira separada, para se fazer a reconstrução”.

 Outro ponto de atenção devem ser os controles oncológicos em pacientes pós-cirurgias. O que se observa hoje é que, por conta desse controle maior, as pacientes que se submeteram à cirurgia para a conservação da mama estão tendo resultados melhores. É necessário se fazer um controle melhor das pacientes submetidas à mastectomia.

O radioterapeuta também precisa ter toda a informação de tecido residual para definir a melhor conduta terapêutica, com aplicação e doses dessa terapia após a cirurgia, mesmo no caso de mastectomia. O tecido residual pós-cirurgia deve ser um fator importante para a determinação da conduta terapêutica. Para tanto, a ressonância magnética para avaliação do tecido glandular residual deve ser incorporada, sempre que possível, aos controles oncológicos.

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