No intervalo do jogo, no grupo de amigos ou nas redes sociais: os “bets” se infiltraram na rotina de milhões de brasileiros, principalmente jovens, promovendo a ilusão de ganho fácil, excitação constante e um perigo real à saúde mental. O crescimento desenfreado das casas de apostas esportivas online – muitas vezes com patrocínios de celebridades e times de futebol – tem levantado alertas de profissionais da saúde sobre os efeitos psicológicos da prática compulsiva.

Só neste ano cerca 23 milhões de brasileiros já realizaram pelo menos uma aposta em plataformas online, conhecidas como “bets”, e aumenta a preocupação por comportamentos compulsivos.  Para enfrentar o problema, o governo federal anunciou nesta semana um plano de ação para proteger a saúde mental de apostadores. Estão previstas sete medidas que se baseiam nas conclusões do Grupo de Trabalho de Saúde Mental e de Prevenção e Redução de Danos do Jogo Problemático:

  • Elaboração de um modelo de autoteste da saúde padronizado;
  • Criação de plataforma de autoexclusão de todas as bets;
  • Qualificação de profissionais da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) sobre atendimento a apostadores;
  • Estabelecimento de diretrizes mínimas de atendimento ao apostador no SUS;
  • Elaboração de materiais educativos voltados a atletas sobre integridade esportiva e prevenção à manipulação de resultados;
  • Criação de um Comitê Permanente de Prevenção e Redução de Danos Relacionados a Aposta de Quota Fixa e Cuidados em Saúde Mental;
  • Campanhas de comunicação institucional sobre prevenção e redução de danos.

O grupo que preparou o documento é formado por representantes de diversas pastas ministeriais, entre elas: Saúde, Esporte e Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). A coordenação é da Secretaria de Prêmios e Apostas, do Ministério da Fazenda.

O compromisso desses órgãos é o de avançar nas políticas públicas que enfrentem “externalidades negativas do mercado de apostas”, especialmente no que se refere à saúde mental, ao superendividamento e à proteção social.

Em termos gerais, o plano contempla “ações de prevenção, redução de danos e assistência a pessoas em situação de comportamento de jogo problemático persistente e recorrente, no contexto da exploração comercial das apostas de quota fixa”.

Plataforma de autoexclusão

Entre as ações previstas estão a elaboração de um modelo de autoteste da saúde padronizado – para ajudar os apostadores a refletirem sobre seus hábitos de jogo e sobre como esses jogos os afetam emocionalmente. Outra medida é a criação de uma plataforma de autoexclusão que, de forma centralizada, permite ao apostador sair de todos sites de apostas autorizados.

Essa plataforma de autoexclusão é, de acordo com o plano, uma “medida voluntária que permite a qualquer cidadão restringir o próprio acesso a todas plataformas de apostas autorizadas, as Bets”. Ela, portanto, permite, de forma gratuita e pública que a pessoa solicite o bloqueio de acesso, estimulando o autocuidado e protegendo pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade.

Atualmente, as bets autorizadas já são obrigadas a oferecer aos apostadores mecanismos de autoexclusão dos seus respectivos sites e aplicativos. A novidade oferecida pela plataforma permitirá ao apostador solicitar o bloqueio, de uma vez só, do seu acesso a todas as contas que tenha em sites de apostas, assim como deixar seu CPF indisponível para novos cadastros e para o recebimento de publicidades de bets”, justifica o Ministério da Fazenda.

O plano prevê também ações voltadas à qualificação de profissionais da rede de atenção psicossocial do Sistema Único de Saúde (SUS) para acolhimento e cuidado de pessoas com problemas relacionados a apostas; e o estabelecimento de diretrizes mínimas de atendimento ao apostador.

Para tanto, o governo disponibilizará a 20 mil profissionais da Rede de Atenção Psicossocial do SUS um curso autoinstrucional de 45 horas sobre o tema; e a uniformidade das orientações a profissionais de saúde e demais atendentes das plataformas de apostas.

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Publicações e campanhas

Ainda entre as ações, está a elaboração de materiais educativos sobre integridade esportiva e prevenção à manipulação de resultados em apostas esportivas. Essas publicações serão especialmente voltadas a atletas.

Prevê também campanhas de comunicação institucional e a criação de um comitê permanente de prevenção e redução de danos relacionados a apostas de quota fixa e cuidados em saúde mental.

Secretário de Prêmios e Apostas do MF, Regis Dudena explica que essas ações se completam mutualmente no sentido de proteger apostadores e a economia popular.

Seja na relação direta com o mercado, como ferramentas para políticas públicas multissetoriais, seja em políticas de saúde, como o autoteste e a plataforma centralizada de autoexclusão, seja na relação e cuidado com o esporte ou na própria comunicação institucional do Estado com os cidadãos”, disse o secretário.

Vício silencioso nas apostas online, psicóloga explica

A psicóloga Tatiana Serra, especialista em comportamento e dependência, destaca que o vício em apostas pode se instalar de forma silenciosa, muitas vezes sendo confundido com um simples “hobby” ou passatempo. “O comportamento de apostar libera dopamina, o mesmo neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa. Isso gera um ciclo vicioso: a pessoa sente euforia quando ganha e frustração ao perder, o que a impulsiona a tentar de novo. Aos poucos, perde o controle e a prática passa a dominar sua vida emocional, social e financeira”, explica.

Segundo Tatiana, os sintomas do vício em apostas são semelhantes aos de outras dependências comportamentais, como o vício em jogos ou compras. “Ansiedade, irritabilidade, isolamento, alterações de sono, prejuízos nas relações interpessoais e endividamento são alguns dos sinais de alerta. E o agravante é que muitos não percebem que estão adoecendo”, pontua.

A psicóloga ressalta ainda que o tratamento para esse tipo de compulsão requer abordagem especializada, e o apoio da família é fundamental. “É preciso desmistificar a ideia de que apostar é sempre inofensivo. Em muitos casos, é uma fuga emocional, um pedido de ajuda não verbalizado”, conclui.

Da Agência Brasil

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