‘Travessia’, a novela das 21 horas da Rede Globo, escrita pela autora Glória Perez, traz o personagem Theo (Ricardo Silva), um adolescente viciado em games. O menino passa o dia conectado no computador e tem um comportamento agressivo quando é afastado do equipamento.
Muita gente não sabe, mas o vício em games é considerado doença. A dependência tecnológica, uma condição ou transtorno psicológico que se manifesta pela dificuldade, por parte de um indivíduo de se desconectar de aparelhos, é chamada de Gaming Disorder.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu formalmente, no início de 2022, o vício em videogames e jogos eletrônicos como uma doença. Com a nova revisão, o transtorno mental recebeu o nome de “distúrbio de games” (gaming disorder) e passou a fazer parte da Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-11).
É bem verdade que, entre jogadores, pais, responsáveis e comunidade médica, há divergências sobre a real existência do vício em jogos eletrônicos, mas a nova designação da OMS pode beneficiar famílias que sintam necessidade de buscar ajuda.
Segundo a entidade, o diagnóstico não é simples e precisa ser baseado em uma série de sintomas que incluem a falta de controle sobre o impulso de jogar videogame, a tendência em priorizar o jogo em detrimento de outras obrigações e um envolvimento contínuo e intensificado, apesar das consequências negativas, que consome muitas horas do dia (leia a íntegra na Agência Einstein).
Quando um simples lazer se transforma em problema sério?
Mas o que vem a ser essa doença e como saber quando um simples lazer se transforma em um problema que deve ser levado a sério? Para a psicanalista Andrea Ladislau, a intensidade, frequência e duração do tempo de utilização dos games são fatores determinantes para fechar um diagnóstico.
“O indivíduo se sente incapaz de controlar ou de colocar um limite no tempo em que realiza a atividade. Além disso, o jogo passa a ser sua prioridade em detrimento dos interesses vitais, como: comer, dormir, descansar, higiene, socializar, trabalho, estudo, dentre outras rotinas cotidianas”, explica.
Segundo ela, é muito comum perceber que, à medida que o vício se torna incontrolável, a pessoa começa a ter uma escalada de tempo crescente para os jogos. Ainda não há uma causa específica e determinada, podendo ser um somatório de fatores.
“Claro que, a questão se torna muito subjetiva, pois pode ser por fuga da realidade, carência afetiva, necessidade de se desafiar a todo instante, procrastinação, baixa autoestima, dificuldades de autocontrole, impulsividade, deficiência comunicativa, déficit do manejo emocional, timidez em excesso, depressão, ansiedade, prejuízos cognitivos, dificuldade no gerenciamento das emoções, entre outros”, enumera a especialista.
Mas, assim como todo tipo de vício (drogas, alcoolismo, tabagismos, sexo, compras…) existe o fator recompensa cerebral. “Um mecanismo biológico que provoca motivações para permanecer no vício”, explica a psicanalista. Isso acontece, porque ao jogar, o neurotransmissor dopamina é liberado, provocando prazer imediato, favorecendo a permanência na atividade.
“O vício provoca abstinência quando o indivíduo é impossibilitado de continuar no game. Provocando a manifestação de sintomas como a agressividade, a ansiedade ou irritabilidade”, esclarece a psicanalista.
E qual seria o melhor tratamento para o gaming disorder?
Segundo ela, Theo sofre emocionalmente com o vício em games, adoecendo a si e também sua família que está aprendendo a lidar com o problema. Mas tanto para o personagem da novela de Gloria Perez quanto para qualquer outro indivíduo, a cura desta condição de sofrimento é possível.
“Busque ajuda de um profissional de saúde mental, que poderá através de técnicas e instrumentos específicos, realizar uma avaliação neuropsicológica e psicológica para a constatação do prejuízo social em razão do abuso ou dependência de games e, desta forma, fechar um diagnóstico e definir a melhor conduta”.
Normalmente, o mais comum é aliar um tratamento para transtornos de impulso. Ou seja, tanto crianças, quanto adultos podem apresentar sinais de recuperação. Basta que o contato com os jogos seja monitorado.
“Isso não significa impedir a pessoa de jogar, mas determinar regras e definir horários, tomando o cuidado para que a exposição ao game não ultrapasse o total de uma hora por dia”, explica Andrea.
Segundo ela, a eficácia se dá de forma gradual, uma vez que a intensidade da prática de jogos for diminuindo, sem dor emocional identificada. “A terapia, o autocuidado, o desenvolvimento pessoal, a clareza de informação e o acolhimento de uma rede de apoio, são muito eficazes no combate ao vício”, finaliza.