Estudo conduzido por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Universidade Federal do Rio Grande (FURG) revela que os riscos dos cigarros eletrônicos são ainda maiores do que se imagina. A primeira análise abrangente realizada no país sobre a toxicidade de líquidos dos dispositivos para fumar disponíveis no mercado ilegal brasileiro mostra evidências inéditas sobre a toxicidade, reforçando a urgência de ações coordenadas entre profissionais de saúde, educadores, famílias e gestores públicos.
A pesquisa avaliou líquidos comercializados no Brasil — incluindo produtos nacionais e itens contrabandeados do Paraguai, China, Estados Unidos e Europa — e constatou que todos já apresentam toxicidade antes mesmo de serem aquecidos, etapa necessária para gerar o aerossol inalado pelos usuários. Foram observados diminuição da viabilidade celular, estresse oxidativo, perda de integridade de membrana e morte celular, especialmente em formulações que continham aditivos e nicotina oxidada.
Para os pesquisadores, os dados reforçam que há um conjunto de riscos ainda pouco discutidos no Brasil e os resultados trazem um alerta importante, como explicou a professora Adriana Gioda, coordenadora do Laboratório de Química Atmosférica (LQA) e do estudo.
O que encontramos indica que o problema é ainda maior do que se imaginava. Esses líquidos, mesmo antes de passar pelo aquecimento, já provocam efeitos tóxicos significativos nas células. Isso desmonta a ideia de que os vapes seriam uma alternativa mais segura ao cigarro convencional. Estamos diante de riscos emergentes que precisam ser conhecidos pela população e enfrentados com políticas públicas mais firmes”,
Esses resultados estão de acordo com o reportado internacionalmente, sobre os efeitos do uso de vape a saúde (processo inflamatório, problemas respiratórios ou circulatórios). Os problemas a curto prazo já são observados na população e reportado por profissionais de saúde enquanto os efeitos a longo prazo ainda não são conhecidos mundialmente, devido ao pouco tempo de observação.
A toxicidade observada está ligada à combinação de solventes, aromatizantes e modificações químicas da nicotina. A população está sendo exposta a misturas sem qualquer controle ou transparência. O cenário exige ciência, fiscalização e informação de qualidade”, afirma Carlos Leonny, responsável pelos estudos experimentais no departamento de Química da PUC-Rio.
O “Toxicological evaluation of vape liquids circulating in Brazil: Evidence of emerging hazards” envolveu também a professora do LQA da PUC-Rio, Anna de Falco e as pesquisadoras Eduarda Santa-Helena e Carolina Rosa Gioda, da FURG, e foi publicado na conceituada revista Toxicology (FI 4,6).
Resultados reforçam proibição de vapes no Brasil
Para os autores, os resultados reforçam a necessidade de avaliações toxicológicas mais amplas, políticas públicas atualizadas combate e ações de comunicação voltadas à prevenção, especialmente entre adolescentes e jovens adultos — principal grupo de risco no país.
A venda de cigarros eletrônicos é proibida no Brasil desde 2009, com restrições reforçadas em 2024 pela Resolução nº 855 da Anvisa. Apesar disso, o consumo — especialmente entre jovens — continua em alta, impulsionado pela entrada de produtos que não passam por qualquer controle sanitário.
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, o uso de cigarro eletrônico entre adultos brasileiros atingiu 2,6% em 2024, o maior índice desde o início da série histórica em 2019 e uma alta de 24% em um ano. Esse percentual representa cerca de quatro milhões de pessoas que utilizam esses dispositivos.
Já dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) indicam que 9,3% da população adulta, equivalente a 19,6 milhões de pessoas, se declararam fumantes em 2024. A prevalência é maior entre homens, com 13,8%, contra 9,8% entre mulheres.
Os problemas a curto prazo já são observados na população e reportado por profissionais de saúde enquanto os efeitos a longo prazo ainda não são conhecidos mundialmente, devido ao pouco tempo de observação.
Metodologia e resultados
O estudo utilizou amostras lacradas obtidas com usuários e aplicou dois modelos in vitro — leveduras e células cardíacas de ratos (H9c2) — para avaliar viabilidade celular, estresse oxidativo e integridade de membrana. Entre os principais achados:
- Toxicidade variável conforme origem e composição, com maiores índices nas amostras do Paraguai e EUA;
- Queda acentuada da viabilidade celular a partir de 0,625 %m/v;
- Aumento expressivo de espécies reativas de oxigênio (ROS), associado à redução da atividade da enzima catalase;
- Indução de citotoxicidade e danos celulares identificados pela liberação de LDH;
- Composição química e contração foram os principais fatores de risco, independente da origem.
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Pneumologista Daniela Campos reflete sobre malefícios dos vapes (Foto: Arquivo pessoal)
O uso crescente de cigarro eletrônico, também conhecido como vape ou pod, especialmente entre jovens, que representam um grupo de risco em potencial, tem se tornado uma nova preocupação para os especialistas. O dispositivo já é utilizado por 5,6% da população com 14 anos ou mais. Entre os adolescentes, de 14 a 17 anos, o número sobe 8,7%, sendo cinco vezes mais do que o tabaco convencional, segundo o terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD III).
O vape atrai muitos jovens pela nova roupagem, alguns são até customizados. Além disso, não têm cheiro ruim e tem sabores, não tem aquele gosto ruim do alcatrão igual ao cigarro convencional. Alguns usuários dos cigarros eletrônicos falam que é possível controlar a quantidade de nicotina nas essências e até fazer sem essa substância, mas a pneumologista Daniela Campos contesta esse argumento.
É muito difícil controlar a quantidade de nicotina, mas mesmo que não tenha nicotina, tem o derivado da maconha, que é o THC. E mesmo que não tenha THC, tem amônia, propilenoglicol, chumbo, produtos extremamente tóxicos, nocivos e cancerígenos para o pulmão. Então vai fazer mal praticamente do mesmo jeito”, ressalta.
Os malefícios do cigarro eletrônico
A especialista comenta sobre outros malefícios dos vapes. “A fumaça também tem substâncias tóxicas que podem levar ao enfisema e doenças pulmonares, como uma asma, em quem não é o fumante, mas inala essa fumaça”, acrescenta. Mesmo sendo um produto novo é uma droga que já vem sendo estudada.
Em 2019 vários jovens faleceram de uma doença chamada Evali, que é um dano alveolar difuso que vem causando nesses pacientes que levam a uma insuficiência respiratória aguda grave por um tapetamento, como se fosse um cimento que gruda no pulmão. Os pacientes internam como se fosse uma pneumonia e não é”, afirma.
Recentemente também foi descoberto o pulmão de pipoca, que é uma bronquiolite obliterante e várias outras alterações sem serem pulmonares, como risco de câncer de boca, laringe, AVC, infarto, completa a médica. Existem projetos de lei em andamento para regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil, mas a especialista é contra essa possibilidade.
Nenhuma das sociedades médicas sérias apoia a legalização do cigarro eletrônico, já que a gente viu que países como a Inglaterra e Reino Unido, que liberaram o uso dele, estão penando hoje com internações e a falta de leito por conta da evali e do pulmão da pipoca. E com jovens de 12, 13 anos usando, porque foi permitido. Então, nós somos contra. A Sociedade Goiana de Pneumologia é contra. A Sociedade Brasileira de Pneumologia é contra. Continuaremos contra”, salienta a médica.
A mentira que o mercado de tabaco te conta
A médica lembra que quando chegaram ao mercado, muitas pessoas começaram a usar os cigarros eletrônicos achando que seria uma forma de largar o cigarro.
A indústria começou com esse engodo, de que estavam lançando um produto para que ajudasse as pessoas a parar de fumar e algumas acreditaram, porque foi falado que existia uma quantidade de nicotina em gotas que a gente conseguia tatear”.
Por exemplo, o paciente fumava 20 cigarros, então a gente ia começar com o eletrônico com X gotas. Só que isso nunca existiu para nós médicos, porque a gente nunca soube a real quantidade de nicotina que tinha naquela gota. E a maioria desses cigarros eletrônicos já vinham com THC, que é um derivado da maconha”, pontua a pneumologista.
Dados do cigarro eletrônico para a saúde bucal
Para o dentista Jamil Shibli, pesquisador de periodontia e implantologia e Head do conselho científico da Plenum Bioengenharia, o cigarro eletrônico pode ser mais nocivo que o convencional, por ter uma função concentrada.
Mas além dos problemas oncológicos, o uso do vape aumenta a temperatura regional na boca e pode levar os vasos sanguíneos a dilatação, aumentando riscos para problemas periodontais, como diabetes ou cardiovasculares, que impactam diretamente na saúde bucal.
A perda de inserção, ou seja, a retração da gengiva, bem como a mobilidade ou perda dos dentes e mau hálito devido ao acúmulo de tártaro, são alguns dos problemas que o fumo a longo prazo pode trazer para a saúde bucal”, ressalta.
Com assessorias





