Vamos sair todos dessa mais fortes e resilientes: será mesmo?

Especialistas alertam para consequências psicológicas pós-pandemia

Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!

Embora se espere que a situação de pandemia cause pânico e desânimo, estudos comprovam que situações-limite podem, pelo contrário, fazer emergir o que há de melhor nas pessoas. A palavra para explicar este fenômeno é resiliência. Sintomas de estresse agudos são muito comumente experimentados depois de situações extremas de estresse, no entanto, a maior parte dos indivíduos se mostra resiliente e, depois de muitos meses, deixa de sofrer de distúrbios, de acordo com a ciência. Nietzsche escreveu intuitivamente em uma de suas afirmações mais famosas ”o que não me mata, me fortalece”, e há comprovação científica disso.

O PTG (posttraumatic growth, em inglês, ou trauma pós-traumático, em português), constructo científico da Universidade da Pensilvânia, que conduz um programa de pesquisas chamado Growth Initiative, revela que uma experiência traumática pode resultar em crescimento e mudanças individuais de cinco formas: (1) encontro de novas oportunidades e possibilidades; (2) relações mais profundas e maior compaixão pelos outros; (3) fortalecimento para desafios; (4) mudança de prioridades e maior apreciação da vida; e (5) aprofundamento da espiritualidade.

Ou seja, experiências extremas causadas por ameaças e grandes crises, mais comumente do que se pensa, geram o chamado “crescimento contraditório” como resposta. “Essa é nossa capacidade de não apenas superar a crise, mas de realmente ficarmos mais fortes, espertos e resilientes”, explica Flora Victória, Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pensylvania (EUA).

Para Flora, quando as pessoas passam por adversidades, sejam elas doenças ou algum tipo de perda, inevitavelmente sua relação com o mundo muda. De forma frequente, a adversidade imposta ajuda a melhorar o relacionamento com os outros e a ganhar força pessoal.

Segundo ela há ainda diferenças entre um trauma pessoal e um trauma enfrentado coletivamente. Um estudo conduzido em Hong Kong com pessoas que viveram a pandemia de SARS reportou que a maioria passou por mudanças pessoais benéficas – entre elas maior disposição para apoio social mútuo, mais saúde mental e um estilo de vida mais saudável. “No longo prazo, de acordo com estudos realizados com populações expostas a choques sociais, como o que estamos vivendo agora, o trauma leva à melhor saúde emocional, com reações de estresse menos severas”, diz Flora.

É claro que há diversas maneiras de reagir a uma ameaça. Uma delas, pelo que explica a especialista em psicologia positiva é a do “lutar ou fugir”, mas esta tende a estar mais relacionada com experiências individuais. Como colocado acima, no caso de um perigo comum, como é o caso de uma pandemia, parece fortalecer a população, justamente pela necessidade de enfrenta-lo coletivamente – “a tendência é que as pessoas reajam criando laços de cooperação mútua”, pontua a especialista em psicologia positiva.

Sem precedentes na história moderna, a crise instaurada em decorrência do novo coronavírus não deverá se restringir aos sintomas físicos. Apesar das milhares de vítimas fatais por todo o mundo, os especialistas em saúde mental já sinalizam para uma nova onda: as doenças psicológicas como ansiedade, depressão e síndrome de Burnout, que virão após a pandemia.

Pesquisadores da MAPA Avaliações, empresa que se dedica ao estudo e desenvolvimento de ferramentas e metodologias de avaliação psicológica, alertam que mesmo antes da pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já colocava o Brasil como o país com o maior número de pessoas ansiosas do mundo, sendo 18,6 milhões de brasileiros, ou seja, 9,3% da população convivem com o transtorno.

“Infelizmente, o Brasil é o líder mundial na patologia, apresentando números três vezes maiores que a média mundial. O isolamento social, medo, incerteza com o futuro, mudança no ritmo das relações sociais, familiares e de trabalho, são fatores que podem elevar os números”, explica a psicóloga Nayara Teixeira, gerente técnica na MAPA Avaliações.

A especialista, que é pós-graduada em Psicologia do Trabalho, adianta que o retorno à rotina de trabalho nas empresas, comércios e indústrias poderá gerar um outro choque de realidade.

Com mais de 10 anos de experiência em Recursos Humanos, dedicados à implantação e realização de programas de qualidade de vida para colaboradores, recrutamento e seleção, Nayara revela que esse retorno ao ambiente antigo pode disparar gatilhos para as doenças.

“Muitos sentem pânico relacionados à sensação de confinamento, gerando fobias e gatilhos em pessoas diagnosticadas e que já fazem tratamento para controle de patologias como a ansiedade. Ao retornar, eles poderão sofrer recaídas”.

Um estudo da Sociedade Chinesa de Psicologia descobriu, em fevereiro, que 42,6% dos 18.000 cidadãos chineses testados apresentavam sintomas de ansiedade relacionada ao coronavírus. E 16,6% dos 14.000 examinados mostraram sinais de depressão em diferentes níveis de gravidade.

Uma pesquisa de especialistas da Universidade de Pequim, ainda não publicada, mas citada pela prestigiada revista Caixin e revelada pelo jornal El País, constatou que de 311 profissionais de saúde que trabalhavam na linha de frente da epidemia em Wuhan, um terço sofria de algum tipo de problema psicológico.

Além de transtornos depressivos e de ansiedade, os profissionais também podem desenvolver a síndrome de Burnout, muito comum nesses casos. Causada pelo esgotamento físico e emocional, é um distúrbio psíquico de caráter depressivo definido pelo psicólogo Herbert J. Freudenberger como “um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”.

O papel do RH após o isolamento 

Além do impacto na vida das pessoas, doenças relacionadas à mente trazem preocupação e podem afetar o relacionamento com a liderança e colegas de trabalho. Os números revelam que os transtornos mentais ocasionados pela ansiedade já são a terceira razão de afastamentos do trabalho no Brasil, sendo que os gastos giram em torno de R$ 200 milhões em pagamentos de benefícios anuais, segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Após a pandemia, os gestores e toda a equipe de Recursos Humanos devem ficar atentos ao comportamento dos colabores, pois colaboradores com ansiedade e depressão, podem ter sintomas ou crises acentuadas. Quando colaborador está com problemas relacionados à saúde mental, a queda no ritmo de trabalho cai e, consequentemente, caem também os resultados, impactando diretamente no crescimento da empresa e do profissional. Isso, sem contar no quanto os relacionamentos no ambiente corporativo podem ser prejudicados”, ressalta a gerente.

Ao retornar para as empresas com ambientes fechados, como algumas indústrias e linhas de produção, alguns funcionários poderão sentir um certo desconforto, pois ainda terão o receio de locais com aglomeração devido a possibilidade de contágio do novo coronavírus.

“Os cuidados com a saúde e o bem-estar devem estar em alta, sendo um tema abordado constantemente entre conversas e reuniões entre a equipe, na comunicação institucional, nos grupos e até mesmo nas redes sociais da empresa”, finaliza Nayara Teixeira.

Para o CEO da MAPA Avaliações, Luciano de Paula, mais do que a ação emergencial na instalação do modelo home office, os recursos humanos terão papel fundamental na jornada do trabalhador quando a pandemia passar. “Muitos trabalhadores tiveram suas vidas profundamente afetadas, pois tinham com o trabalho uma relação de razão de vida. Deles, foram tirados a fonte da motivação, sustento, prazer e realização pessoal”, explica.

Segundo ele, para reduzir esses impactos, é necessário que haja um trabalho em conjunto, para mitigação dos reflexos em todos os aspectos. “Quem trabalha com saúde, trabalha feliz e, consequentemente, trabalha melhor”, conclui.

Gostou desse conteúdo? Compartilhe em suas redes!

You may like

In the news
Leia Mais
× Fale com o ViDA!