Nos últimos meses, a internet foi tomada de informações sobre a relação entre vacinas contra a Covis-19 e o desenvolvimento de trombose – inclusive com recomendações para o uso de anticoagulantes em pessoas que tomaram os imunizantes AstraZeneca e Janssen. A repercussão ganhou força após casos ocorridos na Europa e Estados Unidos em abril desse ano, e a morte de uma gestante no Rio de Janeiro um mês depois.

Apesar de raros, os episódios associados às vacinas levantaram questões importantes sobre o que é a trombose, como ela se manifesta e como preveni-la. Com cerca de 300 mil mortes associadas a essa condição todos os anos, a trombose pode ser facilmente identificada e evitada quando se tem em mãos as informações adequadas.

Joyce Annichino, hematologista e professora do Departamento de Clínica Médica da Unicamp, ajuda a distinguir mitos e verdades em torno dessa questão:

1. As vacinas podem resultar em tromboses

Verdade – Mas são casos muito raros. Uma trombose acontece quando um coágulo de sangue interrompe a circulação de uma veia ou artéria, comprometendo a irrigação e a função regular daquele órgão ou tecido.

“As tromboses desencadeadas pelas vacinas ocorrem por um mecanismo chamado de imunomediado, isto é, decorrente de uma reação imunológica, que envolve as plaquetas, e que é chamada de trombocitopenia trombótica induzida por vacina, ou VITT *(sigla em inglês) – Vaccine-Induced Thrombotic Thrombocitopenia”, explica a Dra Joyce.

“Há um aumento do risco de trombose, mas isso não deve ser uma contraindicação para a utilização dessas vacinas – mesmo em pacientes que já tenham tido trombose”.

2. Quem já teve uma trombose, tem mais risco de ter novamente

Verdade – Sim, pois uma nova trombose, que chamamos de retrombose, é uma das complicações que podem ocorrer após um primeiro caso venoso. Dependendo do local onde a primeira trombose ocorreu, o coágulo (ou trombo) pode não se dissolver totalmente e favorecer uma nova interrupção de circulação.

Mas é preciso dividir bem o que é trombose arterial e trombose venosa. A primeira ocorre em uma artéria e implica em um quadro mais grave. “Quando você obstrui uma artéria, ela estava levando sangue oxigenado. Se há uma obstrução total, o órgão ou tecido que deixou de ser irrigado, pode necrosar de forma muito rápida”, afirma a doutora.

“Já a trombose venosa é diferente. Ela vai obstruir o vaso que traz o sangue que está voltando daquele órgão ou daquele membro para o coração. O mais comum é a trombose das pernas, e nesse caso, pode ocorrer uma inflamação local, inchaço e dor”.

A trombose venosa, apesar de menos grave, apresenta o risco do desprendimento de um pedaço do trombo inicial e esse vir aos pulmões, o que acarretaria em uma embolia pulmonar, que pode ser fatal. Por isso, é sempre importante ter acompanhamento médico.

3. Uma trombose pode resultar em um derrame

Verdade – O derrame nada mais é que uma diminuição da passagem de sangue na região do cérebro – causado, em sua maioria, por uma trombose arterial, mas também pode ser por trombose venosa. No caso da trombose arterial, a artéria é entupida por um trombo e o tecido cerebral que estava sendo irrigado passa por um processo de necrose.

“Dependendo do tempo que o paciente demora para conseguir o tratamento, a redução do fluxo sanguíneo na região, potencialmente, prejudicaria a sua recuperação, podendo alterar a fala, ou ocasionar numa paralisia de algum membro ou total”, relata Annichino.

4. A trombose não atinge pessoas atléticas e em boas condições físicas

Mito – É evidente que quanto melhor o estado de saúde física de uma pessoa, menor o risco de ela ter alguma doença. Um atleta geralmente terá um bom perfil lipídico e terá menos chances de apresentar hipertensão, diabetes ou obesidade. No entanto, existem casos de trombose venosa que estão ligados a lesões esportivas.

Foi o que aconteceu com a jogadora de tênis americana Serena Williams em 2010. Uma série de pequenas lesões foram responsáveis por carregar coágulos de sangue ao seu pulmão – o que, infelizmente, acabou levando-a a um caso sério de embolia pulmonar que a tirou das quadras por quase 12 meses.

A Dra. Joyce conta que não é raro encontrar pacientes de trombose com esse perfil em seu consultório. “Muitas vezes, eles acham que foi uma trombose espontânea, sem fator de risco nenhum, mas quando a gente investiga com mais cuidado, descobre que ele teve uma lesão ou distensão, seguido de dor e inchaço – que pode ter ocasionado a um trauma no vaso, que levou à trombose venosa”.

5. Somente pessoas de idade vão ter trombose

Mito – A idade é, sim, um fator de risco para trombose, mas não é o único. Pessoas de todas as idades podem desenvolvê-la, apesar de hipóteses que afirmam que, a partir dos 70 anos, em algum momento, todas as pessoas terão esse tipo de experiência.

Obesidade, diabetes, hipertensão e alto nível de colesterol podem contribuir para casos de trombose arterial em pessoas de qualquer idade. Já outros fatores que fazem parte da nossa vida cotidiana podem levar a tromboses venosas, como viagens aéreas com mais de seis horas, o uso de anticoncepcionais hormonais, gestações, lesões – como comentamos no item anterior -, câncer e a hereditariedade.

6. Remédios de controle de natalidade podem contribuir para casos de trombose

Verdade – Isso vale para anticoncepcionais hormonais que contêm estrogênio. “A paciente vai ter o aumento de alguns fatores de coagulação e a diminuição de anticoagulantes naturais. Tudo isso vai poder favorecer a trombose”, explica a médica.

“O papel do ginecologista é muito importante porque a trombose venosa é a terceira causa de morbimortalidade no mundo – algo evitável se os médicos souberem fazer um bom histórico de suas pacientes e não as exporem a riscos desnecessários”, completa.

7. Mulheres têm mais tromboses do que homens

Mito – Homens têm mais casos de trombose, ainda que a diferença entre os sexos seja muito pequena. No entanto, o sexo feminino está, ao longo da vida, mais exposto a fatores de risco para trombose venosa, como a gestação e o uso de anticoncepcionais hormonais.

“Eu recebo no meu consultório uma mulher que vai engravidar e que me conta que a família toda dela tem trombose. Eu posso fazer algumas avaliações e, dependendo do caso, até indicar o uso de um anticoagulante durante a gestação”, afirma Dra. Joyce. “Não é sempre, mas, às vezes, a gente pode atuar de uma forma bem proativa e evitar esse tipo de complicação que é a trombose venosa”.

8. A maioria das tromboses ocorrem durante viagens aéreas ou rodoviárias

Mito – As viagens não são o fator de risco mais importante para trombose. Durante as viagens aéreas com duração superior a 6 horas há maior risco, especialmente para pessoas altas ou baixas demais pela relação com os assentos dos aviões. O uso de medicamentos para dormir (que podem deixar o passageiro relaxado em uma posição inadequada) e a própria pressurização do avião também podem contribuir.

Para prevenir, a médica indica: “Tome bastante líquido, evite excesso de álcool e, de vez em quando, dê uma caminhada, ou pelo menos movimente a perna mesmo sentado”. E completa informando que o risco não é tão alto quanto dizem. “A viagem aérea é um fator de risco, mas o anticoncepcional hormonal, por exemplo, apresenta um risco maior, assim como uma cirurgia sem profilaxia”.

9. Eu posso perceber que estou tendo uma trombose e buscar ajuda

Verdade – Sintomas como dores em pernas, coxas, braços e abdômen, formigamentos, inchaços, endurecimento e calor no local podem apontar para uma possível trombose venosa. O derrame (AVC), decorrente de uma trombose venosa, pode se manifestar através de dor de cabeça forte, náusea, vômito, ou até sinais de localização, como paralisia de um dos membros.

10. Praticar exercícios físicos regularmente ajuda a evitar trombose

Verdade – O primeiro e mais importante passo para evitar o risco de trombose é se manter ativo fisicamente e conservar boas práticas de saúde. Para o caso de lesões em exercícios, é interessante que se preste atenção no local em busca de inchaços ou dores desproporcionais nos dias seguintes. E sempre que passar por um episódio que propicie o desenvolvimento de trombose venosa, conversar sobre o assunto com seu médico responsável.

“Cirurgias, casos onde o paciente deverá ficar imobilizado, indicação de anticoncepcional com estrogênio, hospitalizações. Esses são alguns casos que vale levantar um questionamento ao médico quanto a esse risco”, afirma a especialista.

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