Uma nova lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em junho pelo presidente Jair Bolsonaro prevê a internação involuntária de usuários de drogas, além de permitir a profissionais de saúde pedir o recolhimento dessas pessoas. O município do Rio de Janeiro fez agora a regulamentação dessa lei, o que deve ocorrer em outros locais do país: a prefeitura  publicou um decreto que detalha as medidas de atendimento para usuários de drogas e moradores de rua, prevendo, em alguns casos, a internação compulsória.

A nova lei federal, que agora já passa a valer no Rio, divide opiniões entre a população e entidades de defesa dos direitos humanos e também especialistas em dependência química, na semana em que se comemora o Dia do Psiquiatra, em 13 de agosto. Os psiquiatras Ricardo Dias e Ricardo Patitucci, da Casa de Saúde Saint Roman, especializada em tratamentos da saúde mental e dependência química, se mostram preocupados com a nova lei, pois  ressaltam que é importante que toda internação tenha indicação médica.

Para eles, apenas o médico deve decidir pela internação. “Deve haver critérios e só internar o dependente químico quando realmente for necessário. No caso, quando estiver em risco a sua própria vida ou a de terceiros. Mas é importante ressaltar que só a dependência química não justifica a internação involuntária, pois tem que haver outros riscos ao paciente e sempre deve haver indicação médica”, argumenta Dr. Ricardo Dias.

Segundo ele, não se deve generalizar a internação involuntária, pois, além de ser necessária a indicação médica, tem que seguir critérios. “Em 95% dos casos, as recaídas de dependentes químicos ocorrem quando as pessoas são internadas involuntariamente. Isso é um fato. Internar involuntariamente deve ser política de exceção. A internação serve para dois tipos de caso: prevenir ou tratar síndrome de abstinência, ou surtos psicóticos que ameaçam a vida do próprio indivíduo”, ressalta.

Na opinião dos psiquiatras, é um risco muito gtande fazer uma lei que dá o poder discricionário para médico ou qualquer profissional de saúde fazer internações que podem durar até 90 dias. Ambos os especialistas concordam que a família é importante neste contexto da decisão da internação.

Quem sofrerá mais são justamente aqueles dependentes químicos em condição de miséria, que vivem nas ruas, egressos de lares rompidos. Eles precisam de tratamento de base comunitária, desenvolver atividades de inclusão social, portanto, fora do contexto de internação. Não dá para generalizar essa questão. Trata-se de uma discussão mais ampla”, explica Dr. Ricardo Dias.

  • ‘Preservar a saúde e o decoro público’

Já o psiquiatra Licínio Ratto, diretor da Casa de Saúde Saint Roman, se diz favorável à internação involuntária. “O paciente, quando muito intoxicado, não tem discernimento de decidir e expõe a sociedade  a riscos imprevisíveis”, justifica.

Segundo ele, hoje já existe esta possibilidade de o paciente passar por uma avaliação feita por três psiquiatras e posterior comunicação ao Ministério Público, resultando na internação compulsória. “Mas se a lei for aberta sem estas condições é perigoso, pois qualquer cidadão pode pegar o paciente e interná-lo. E é necessário 90 dias de prazo para avaliação do paciente pela equipe multidisciplinar”, ressalva.

Outro que defende a nova lei é o psiquiatra e diretor clínico da Holiste Psiquiatria, Luiz Fernando Pedroso. Segundo ele, é fundamental que essa medida seja regulamentada, pois considera “necessário preservar a saúde dessas pessoas, além da segurança e do decoro no espaço público”. No final de julho, no Rio, duas pessoas morreram depois de um ataque de um morador de rua que esfaqueou pelo menos três pessoas. Durante a ação policial que se seguiu ao crime, pelo menos cinco pessoas ficaram feridas.

Além da internação compulsória, a internação involuntária é indispensável para garantir que indivíduos que estão impossibilitados pela doença de tomarem a decisão de buscar ajuda recebam tratamento adequado e a oportunidade de se restabelecer. Muitos pacientes, em especial quando falamos em dependência química, estão tão adoecidos que não se encontram em condições de buscar tratamento”, ressalta.

Para ele, a internação compulsória é um avanço, mas depende de uma determinação judicial que, na maioria dos casos, é muito lenta. “Na internação involuntária a própria família ou responsável legal poderia solicitar a internação, dando agilidade ao processo de tratamento e reduzindo riscos ao dependente”, explica o psiquiatra.

Dr. Pedroso salienta que quando o dependente químico está na rua, há uma série de fatores relacionados que geram problemas sociais, como a mendicância, a possibilidade de violência e a criminalidade.

“Hoje, milhares desses doentes se aglomeram nas chamadas ‘cracolândias’, presentes em toda grande cidade brasileira, expondo-se ao risco das ruas, ameaçando a integridade das outras pessoas, pois acabam cometendo crimes para sustentar o vício. Eles também depreciam o espaço público e quebram o decoro social, imprescindível para uma comunidade sadia. A internação não faz milagres, mas, para dependentes em situação de rua, ela é uma medida para preservar a vida, promover a desintoxicação, a adesão ao tratamento, e estabelecer uma estratégia de reabilitação e prevenção de recaídas”, finaliza.

O que prevê a nova lei federal

Com a nova lei, a internação poderá ser solicitada por familiar ou responsável legal, servidora(or) público da área de Saúde, de Assistência Social ou de órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e será formalizada por decisão médica. Antes, a internação sem o consentimento do paciente só era realizada após o pedido da família, com o aval de um médico, ou com autorização da Justiça. Além de endurecer a política nacional antidrogas, a lei fortalece as comunidades terapêuticas, instituições normalmente ligadas a organizações religiosas.

  • internação involuntária só poderá ser feita em unidades de saúde e hospitais gerais;
  • A internação voluntária dependerá do aval de um médico responsável e terá prazo máximo de 90 dias, tempo considerado necessário à desintoxicação;
  • A solicitação para que o dependente seja internado poderá ser feita pela família ou pelo responsável legal. Não havendo nenhum dos dois, o pedido pode ser feito por um servidor da área da saúde, assistência social ou de órgãos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), exceto da segurança pública.

A norma estabelecida no Rio é voltada para usuários de drogas que não apresentem controle físico e psíquico e para moradores de rua, incluindo atividades de prevenção ao uso de drogas. A internação para populações vulneráveis está prevista nos casos de recusa injustificada ou de impossibilidade de a pessoa abordada discernir sobre a sua condução para o cadastramento. Nas internações involuntárias, médicos aptos a fazer a recomendação devem ser disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde.

Da Redação, com Assessorias

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