Em tempos de bebês reborn, o Dia Nacional da Adoção, fixado em 25 de maio, traz uma importante reflexão sobre o cenário da adoção no Brasil. A data começou a ser celebrada no Brasil a partir de 1996, com a finalidade de estimular uma reflexão sobre o número considerável de crianças que esperam adoção nos abrigos em todo o país, e promover campanhas de conscientização sobre o tema.
No Brasil, a conta não fecha: há mais pretendentes a adoção do que crianças a serem adotadas. Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento , coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem, atualmente, cerca de 30 mil crianças cadastradas no sistema aguardando novos tutores. No entanto, apenas 3.800 crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional ou familiar no Brasil estão efetivamente disponíveis para adoção.
A disparidade entre o número de crianças cadastradas e aquelas prontas para serem adotadas contrasta com o elevado interesse de pessoas e famílias dispostas a adotar. Na outra ponta, estima-se que cerca de 35 mil candidatos estão na fila de espera para adotar uma criança. São pessoas ou casais habilitados e à espera de seus filhos adotivos. Contudo, apenas o perfil das crianças disponíveis muitas vezes não corresponde às expectativas de quem aguarda na fila de pais adotivos.
Mesmo com um número muito maior de pessoas que buscam a adoção, a fila ainda existe e os entraves no processo estão nas exigências, principalmente quanto à idade, raça e estado de saúde. A preferência por meninas brancas, com menos de dois anos, é o que gera este descompasso, uma vez que a maioria dos abrigados é composta por crianças pardas ou pretas e mais velhas.
Preferência por meninas brancas de até 2 anos de idade
Para se ter ideia, de acordo com o SNA, coordenado pelo CNJ, de 2019 a 2023, 80% das adoções foram de crianças de 0 a 8 anos, sendo o percentual de crianças com idade até 2 anos, o mais alto. Contudo, a faixa etária da busca não condiz com a realidade vista nas unidades do Serviço de Acolhimento Institucional para Criança e Adolescente (SAICA) do país. Segundo dados do CNJ, cerca de 69% das crianças e adolescentes na fila para adoção tem idades entre 8 e 16 anos e 71% são negros.
De acordo com Jussara Marra, presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), esses dados devem ser tratados com cuidado. “Equivocadamente, muitos ainda culpabilizam os pretendentes pelo descompasso entre as duas ‘filas’, sem saber que o problema é complexo e começa no Estado”, analisa Jussara.
‘Fui deixado em uma caçamba de entulho pela minha mãe biológica’
Processo de adoção no Brasil ainda enfrenta desafios de diversidade e inclusão. Crianças brancas com até 3 anos de idade têm a preferência
Para Alex Araujo, 44, adotado quando criança, o sistema de adoção brasileiro está evoluindo a partir de uma série de processos burocráticos que busca assegurar a qualidade do lar, sem omitir, claro, o cansaço e o desgaste emocional para ambas partes interessadas. Araújo complementa que sua história foi diferente das demais:
Fui deixado em uma caçamba de entulho pela minha mãe biológica e depois levado a uma igreja Seicho-No-Ie, onde pude ser adotado por uma família incrível. Tive muita sorte dadas as circunstâncias. O que posso dizer do sistema hoje é que por mais que existam um número alto de crianças a serem adotadas, ainda existe muito preconceito em relação a idade e a até mesmo a raça. É uma situação triste que retira parte da humanização do processo”.
De acordo com o CNJ, uma das principais barreiras enfrentadas é a preferência dos adotantes por crianças brancas, com até 3 anos de idade, que não apresentem laços familiares prévios nem condições de saúde que exijam cuidados especiais.
Esse perfil, porém, não reflete a realidade da maioria das crianças e adolescentes acolhidos. De acordo com as estatísticas, aproximadamente 92% das crianças em busca de adoção possuem mais de 6 anos de idade, e cerca de 48% do sistema é composto por adolescentes entre 12 e 17 anos.
Para Alessandro Tomazelli, CEO da Companhia do Tomate – referência em recreação infantil no Brasil – esse cenário aponta para a necessidade urgente de campanhas de conscientização e sensibilização sobre a adoção tardia e a adoção de grupos de irmãos ou crianças com necessidades especiais:
A adoção é um ato de amor e transformação, não apenas para as crianças, mas também para as famílias que as recebem. É preciso ampliar o entendimento de que todas as crianças merecem a oportunidade de crescer em um ambiente familiar, independentemente de sua idade, cor, condição de saúde ou situação familiar.”
O CNJ também aponta que aproximadamente 98% das famílias desejam adotar crianças perfeitamente saudáveis, o que reduz as chances de adoção para quem possui necessidades especiais, incluindo aqueles que estiverem dentro do grupo de pessoas com transtorno do espectro autista (TEA).
Para Alysson Loffi, sócio da Treini Biotecnologia – especializada em tecnologia assistiva – a inclusão de crianças com deficiência, incluindo autistas, no processo de adoção é fundamental para promover valores de igualdade e diversidade na sociedade: “Todos merecem amor, cuidado e oportunidades de crescer em um ambiente familiar amoroso, independentemente de suas habilidades ou desafios.”
25 de maio: Dia Nacional da Adoção, um marco de avanços e desafios
Data é importante para a conscientização sobre a Adoção e traz um alerta para o número de crianças maiores, adolescentes, grupos de irmãos e com deficiências, que aguardam por Adoção, entre outros desafios
O Dia Nacional da Adoção, celebrado em 25 de maio, marca um momento crucial na luta pela Adoção no Brasil. A data surgiu durante o 1º Encontro Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, em 1996, e foi oficializado pela Lei nº 10.447 em 2002. Visa conscientizar e refletir sobre a Adoção de crianças e adolescentes, além de estimular a busca por soluções para os desafios ainda enfrentados pelos que permanecem vivendo em situação de Acolhimento.
A data nos convida a direcionar nossa atenção para crianças e adolescentes que aguardam por famílias, e a pensar coletivamente em maneiras de fortalecer o instituto da Adoção, garantindo o direito às convivências familiar e comunitária para todos os jovens”, afirma Jussara Marra, presidente da Angaad (Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção).
De acordo com Jussara, desde a instituição do Dia Nacional da Adoção, pela Lei nº 10.447, de 2002, alterada em 2022 pela Lei nº 14.387, aconteceram algumas mudanças significativas no panorama da Adoção no Brasil. A legislação avançou, estabelecendo foco, critérios e prazos relativos diretamente à proteção de direitos de crianças e adolescentes, seja no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seja em regramentos orientados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Esse movimento ampliou as discussões e as ações, proporcionando uma abordagem mais abrangente e inclusiva sobre o tema”, destaca.
Mudanças no comportamento e na consciência
Nos últimos anos, a ANGAAD tem notado um aumento nas chamadas “Adoções prioritárias“, que englobam grupos de irmãos, adolescentes, crianças maiores e aquelas com problemas de saúde. Segundo o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), em 2019, o ano anterior à pandemia, houve um total de 3325 adoções, das quais 766 foram de grupos de irmãos, 79 de crianças e adolescentes com problemas de saúde, 429 com mais de 10 anos de idade, 12 de crianças e adolescentes com deficiência intelectual e 6 com deficiência física.
Os números de 2023 representam um aumento significativo. Em comparação com 2019, foram realizadas 5032 adoções em todo o Brasil, representando 51% a mais que em 2019. Foram 2395 de grupos de irmãos (aumento de 126%). Para crianças e adolescentes com problemas de saúde, esse número chegou a 559, um aumento de 607%. Para os que tinham mais de 10 anos de idade, foram 556, representando 29,6% de adoções a mais, enquanto 109 foram de crianças e adolescentes com deficiência intelectual (808% a mais) e 48 com deficiência física (aumento de 700%).
Esse resultado reflete uma série de fatores atrelados à pandemia, mas acontece também devido à maior proximidade e à interação com grupos de apoio, que têm contribuído para a desmistificação da Adoção. A atividade acaba também transformando o perfil dos adotantes, promovendo uma aceitação e uma disposição para adotar crianças e adolescentes com diferentes necessidades. “Os números são positivos. No entanto, em meio ao aumento do número dessas adoções, vemos ainda muita idealização e romantização. É preciso falarmos cada vez mais de Adoção, em todos os espaços, para trabalharmos efetivamente a quebra de tabus”, afirma Jussara.
Celeridade e eficiência durante o período de acolhimento
A implementação da Lei nº 13.509, em 2017, estipulou em 3 meses o prazo para reavaliação e permanência nos serviços de Acolhimento. Também limitou a permanência nos serviços de acolhimento a 18 meses. É um movimento positivo em direção à maior celeridade dos processos de avaliação da possibilidade de retorno às famílias de origem ou extensa (tios, avós, padrinhos, entre outros) ou o encaminhamento à família adotiva.
Esses são chamados prazos ‘impróprios’, ou seja, seu descumprimento não gera qualquer sanção, o que faz com que muitas vezes eles não sejam observados, até mesmo em virtude da falta de equipes técnicas especializadas e de Varas de Infância exclusivas, nas Comarcas com população condizente com tal demanda”, destaca Jussara.
Mitos e dilemas persistentes
Apesar dos avanços, ainda existem muitos mitos e dilemas que rondam o imaginário coletivo sobre a Adoção. “Entre os mais comuns estão as preferências por Adoções de bebês e crianças pequenas, sob a premissa equivocada de que seria mais fácil ‘moldar o caráter’”, aponta Jussara. Além disso, há o mito de que a burocracia e a demora injustificada no processo de Adoção sejam um dos entraves que ainda afastam os pretendentes à Adoção.
Não há como negar que a Adoção e o sistema Jurídico ainda são vistos como um tabu no Brasil, porém, muitas vezes, isso diz mais sobre a falta de preparação dos adotantes. “É essencial compreender a Adoção do ponto de vista da criança e do adolescente. Para construírem seu futuro de maneira segura, necessitam de um sistema ágil e eficiente de preparação dos futuros pais e mães,”, conclui.
Perfil de adotantes e adotados: racismo estrutural atrapalha
O perfil dos adotantes e dos filhos adotivos no Brasil evoluiu, mas ainda apresenta grandes discrepâncias. Enquanto muitas crianças maiores, adolescentes, com deficiências e em grupos de irmãos aguardam por Adoção, a preferência dos adotantes geralmente recai sobre bebês, crianças mais novas e sem problemas de saúde.
Além disso, problemas como o racismo estrutural, presente na sociedade brasileira, ainda dificultam a adoção de crianças e adolescentes não-brancos, os quais são maioria nos serviços de Acolhimento.
Segundo o SNA, atualmente, 4.794 crianças e adolescentes aguardam por Adoção. Dessas, 52,6% são pardas, 29,4% são brancas e 16,4% são pretas. Cerca de 58,74% dos acolhidos que aguardam por Adoção são crianças com mais de 10 anos de idade ou são adolescentes.
Entre as crianças e os adolescentes com deficiência intelectual, 14,3% estão na lista de espera, enquanto 1,7% têm deficiência física. Além disso, 20% das crianças e dos adolescentes têm problemas de saúde e 49,72% pertencem a grupos de irmãos.
Em 2023, segundo o SNA, 38,3% das crianças e dos adolescentes adotados são brancos, 48,6% são pardos e 11,2% são pretos. Crianças com até 2 anos representaram 45,48% dos adotados no período. A preferência por crianças e adolescentes sem problemas de saúde e sem deficiência foi marcante, representando 96,2% e 88,9%, respectivamente. Além disso, os dados mostram que 52,4% dos adotantes preferiram crianças e adolescentes sem irmãos.
Essa disparidade requer ações contínuas, que começam no apoio da rede de proteção à família de origem, para que a criança e o adolescente possam permanecer em segurança ali. Quando o acolhimento é inevitável, as ações passam pela necessidade de agilizar, de forma equilibrada, a avaliação da situação da criança e do adolescente.
Isso evita que eles fiquem muito tempo no serviço de Acolhimento, sem saber para onde vão, ampliando os problemas psicológicos decorrentes da falta de convivência familiar. Por fim, “as ações também passam por promover uma melhor preparação dos adultos pretendentes, para que a Adoção seja inclusiva, segura e para sempre”, conclui Jussara.
As disparidades nos perfis revelam que os obstáculos para garantir que todas as crianças e os adolescentes tenham uma família são diversos, incluindo a falta de equipes técnicas especializadas e Varas da Infância e Juventude.
Atuação dos Grupos de Apoio à Adoção
Os Grupos de Apoio à Adoção (GAAs) desempenham um papel crucial na quebra dessas barreiras. Segundo José Wilson de Souza, Diretor Financeiro e de Relações Institucionais em exercício na Angaad, os GAAs oferecem suporte às famílias adotivas, fornecendo informações, orientações e preparação, além de promoverem trocas de experiências e assistência pós-Adoção. Realizam projetos em áreas específicas, como Psicologia, Serviço Social, Pedagogia e Direito.
Dois importantes desafios para a Adoção no Brasil ainda são a idealização e o imediatismo por parte das famílias, além da falta de estrutura e equipes técnicas especializadas para trabalho exclusivo na solução da situação de crianças e adolescentes acolhidos”, evidencia.
A Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que congrega e apoia os GAAs. Ela trabalha pela convivência familiar de crianças e adolescentes. Presente em todas as regiões do Brasil, a ANGAAD atua, desde 1999, de forma voluntária. Segue as diretrizes do ECA e representa os grupos junto aos poderes públicos e às organizações da sociedade civil, em ações que desenvolvem e fortalecem a cultura da Adoção.
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Com Assessorias