Em meio à gravidade dos recentes casos de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas, que resultam em perdas humanas e riscos aos consumidores, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) preferiu a galhofa.  “No dia que começarem a falsificar Coca-Cola, eu vou me preocupar”, brincou o político bolsonarista, em uma coletiva de imprensa justamente no dia em que foi anunciado o aumento nas mortes por intoxicações pela substância em seu estado, epicentro da crise.

Bastou a declaração para começarem a circular boatos nas redes sociais sobre suposta contaminação de refrigerantes da marca, o que foi imediatamente negado pela fabricante. O posicionamento gerou uma enorme repercussão negativa em todo o Brasil, com memes comparando a fala no mínimo desastrada do governador às declarações negacionistas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia de Covid-19: “Da mesma escola que ‘e daí, eu não sou coveiro’, postou um jornalista nas redes sociais.

Alertado sobre a crise de imagem que poderia manchar a sua pré-campanha presidencial – sim, Tarcísio se autoproclama representante da extrema direita na disputa pelo Planalto em 2026 -, o governador decidiu pedir desculpas publicamente. Nas redes sociais, publicou um vídeo em que admitia que havia “errado na forma” e que a fala não foi adequada para o momento.

Abstinência por motivação religiosa ou mensagem aos evangélicos?

Ainda na entrevista polêmica, Tarcísio – que diz não consumir bebidas alcóolicas e, por isso, não se preocupa com os riscos para quem faz uso delas em seu estado – informou que iria solicitar à Justiça a destruição de todo o material apreendido nas fiscalizações, o que acabou sendo autorizado pela Justiça na última quarta.
É fato público e notório que Tarcísio de Freitas, de 50 anos, é evangélico, mas a razão pela qual não consome álcool não foi confirmada. A suposta abstinência alcoólica pode ter motivação religiosa, ser uma escolha pessoal ou mera estratégia de marketing para abocanhar o eleitorado evangélica. Mas daí a fazer chacota com a crise do metanol e alarmar ainda mais a população – para além do desgaste político – é, no mínimo, uma afronta e uma ameaça à saúde pública e merece investigação e punição.
Recentemente, Tarcísio tem intensificado sua ligação com a comunidade evangélica, com discursos de cunho cristão e versículos bíblicos. Em junho de 2025, ele participou da Marcha para Jesus, na qual cantou louvor e sancionou um projeto de lei dentro de uma igreja, onde recebeu o apelido de “governador crente”. Em outubro de 2025, ele retornou à igreja onde Jair Bolsonaro prometeu indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (SP). Teria por trás da declaração infeliz um julgamento moral e religioso sobre quem consome bebidas alcoólicas?

Declaração infeliz configura crime contra a saúde pública?

A atitude de Tarcísio gerou consequências políticas, éticas e de imagem. A pressão pública, a repercussão negativa e o constrangimento levaram o governador a se desculpar publicamente, reconhecendo que a fala foi inadequada para o momento. No entanto, do ponto de vista jurídico-penal, segundo especialistas, não é possível enquadrá-lo como um ‘criminoso’ por causa dessa declaração, embora já o seja para muitos eleitores. 
Mesmo que tenha sido de extremo mau gosto e amplamente criticada, a declaração não se enquadraria na definição legal de “crime contra a saúde pública” no Brasil . Tal crime, como previsto no Código Penal, envolve ações concretas e dolosas (intencionais) que causem risco ou dano à saúde da população, como adulteração de produtos ou omissão de medidas sanitárias.
No Brasil, esses crimes estão tipificados no Código Penal e geralmente incluem condutas como: 
  • Epidemia (Art. 267): Causar uma epidemia mediante a propagação de germes patogênicos.
  • Infração de medida sanitária preventiva (Art. 268): Infringir determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa.
  • Falsificação de produtos (Art. 272): Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto alimentício ou de uso terapêutico, como no caso do metanol, ou produto de interesse médico-sanitário, tornando-o nocivo à saúde. 

Por que a fala não constitui um crime

A declaração de Tarcísio de Freitas, embora insensível e desrespeitosa com as vítimas, não se enquadra nessas definições legais. A piada: 
  • Não é uma ação concreta de risco: Foi uma fala isolada, não uma ação que propagou a doença ou adulterou produtos. O governador não foi o agente do crime de adulteração; ele estava em uma coletiva para falar sobre o combate a essa prática.
  • Não houve intenção (dolo) de prejudicar a saúde: A declaração foi classificada como uma piada de mau gosto, mas não tinha a intenção (dolo) de causar mal à saúde pública. Pelo contrário, o contexto era de uma resposta a uma crise.
  • Não é uma violação de medida sanitária: Não foi uma infração a uma determinação sanitária, mas sim uma falha de comunicação durante a abordagem pública do problema. 

Chacota dificilmente seria um crime de responsabilidade

A atitude do governador Tarcísio de Freitas em fazer uma piada sobre a crise do metanol, apesar de ser amplamente criticada e considerada uma falha grave de comunicação, não se encaixa na definição legal de crime de responsabilidade. As razões são: 
  • Ato isolado: A declaração foi um ato isolado de fala, que não corresponde a uma infração concreta e contínua contra a saúde pública, como o não cumprimento de uma lei ou a omissão em uma ação.
  • Falta de dolo: Para configurar a responsabilidade, seria preciso provar que a intenção da fala era causar um dano à saúde pública, o que não foi o caso. A atitude foi vista como uma brincadeira de mau gosto, e ele se desculpou publicamente em seguida.
  • Ausência de ação ou omissão grave: A legislação exige que o crime de responsabilidade seja uma conduta séria que afete o funcionamento do Estado ou de suas instituições. Fazer um comentário infeliz, embora reprovável, não se enquadra nessa categoria. 

O que é crime de responsabilidade

Uma declaração infeliz ou desrespeitosa de um governador sobre uma crise de saúde pública, como a crise do metanol em São Paulo, embora seja eticamente e moralmente questionável, dificilmente configura, por si só, um crime de responsabilidade. A legislação que define esse tipo de crime é bastante específica e exige uma conduta que atente diretamente contra a Constituição e as leis. 

Os crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas praticadas por altas autoridades, como governadores, que atentam contra a Constituição. A legislação que define quais atos se enquadram nessa categoria é a Lei nº 1.079, de 1950. Ela lista as condutas que podem levar a um processo de impeachment, como: 
  • Atentar contra o livre exercício dos Poderes Constitucionais.
  • Atentar contra a segurança interna do país.
  • Infringir a lei orçamentária.
  • Atentar contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais. 
Em resumo, a declaração de Tarcísio de Freitas foi uma polêmica política, não um crime legal. Sua responsabilidade política foi avaliada pela opinião pública e pela mídia, levando-o a pedir desculpas. No entanto, para se tornar um crime de responsabilidade, a conduta precisaria ser muito mais grave e encaixar em uma das categorias previstas em lei”, afirmam especialistas.

Preocupação só com a Coca-Cola: entenda o que aconteceu

  • Em 6 de outubro de 2025, Tarcísio de Freitas participou de uma coletiva sobre a onda de casos de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas falsificadas em São Paulo.
  • Em um momento da coletiva, ele disse em tom de brincadeira que só se preocuparia “no dia em que começarem a falsificar Coca-Cola”.
  • A declaração foi amplamente criticada por ter minimizado a gravidade da situação, que já havia causado mortes e intoxicações, e por ter feito uma “piada” sobre o tema.
  • No dia seguinte, em 7 de outubro, Tarcísio de Freitas publicou um vídeo e se desculpou, admitindo que havia “errado na forma” e que a fala não foi adequada para o momento.
Contexto e desinformação:
  • A fala do governador ocorreu em um momento em que as redes sociais eram inundadas por fake news e desinformação sobre a crise do metanol.
  • Vídeos e posts falsos, alguns utilizando inteligência artificial, foram espalhados afirmando que a própria Coca-Cola e outras bebidas não alcoólicas estavam contaminadas com metanol, o que não era verdade.
  • A agência de checagem UOL Confere e o Estadão Verifica desmentiram essas informações, confirmando que não havia registro de contaminação por metanol em refrigerantes da Coca-Cola.
  • A fala de Tarcísio, embora tenha sido uma piada, acabou alimentando a onda de desinformação ao mencionar a marca em um contexto de crise sanitária.

Relação entre a crise metanol e o crime organizado

Faxada de um bar fechado em São Paulo.
 Bar Ministrão foi fechado em São Paulo por suspeita de metanol na bebida (Foto: Nelson Almeida/AFP via Getty Images)

Tarcísio de Freitas também foi alvo de inúmeras críticas ao negar categoricamente que as prisões realizadas até o momento tivessem relação entre si e o vínculo com o crime organizado, o que vem sendo investigado pela Polícia Federal, por determinação do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

O governador afirmou publicamente que os casos de intoxicação por metanol registrados em São Paulo não têm relação com o crime organizado, especificamente o Primeiro Comando da Capital (PCC)  Segundo ele, as 20 pessoas presas até o momento por adulterar bebidas alcoólicas não possuíam vínculo entre si.

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, afirmou que não haver “nenhum indício de participação” do PCC nas contaminações. No entanto, é importante notar que a Polícia Civil, em outras investigações, apontou ligação entre a principal facção criminosa que age em São Paulo e bebidas adulteradas com metanol, indicando que o tema é complexo e há diferentes linhas de investigação e interpretação. 

O governo de São Paulo instalou um gabinete de crise para lidar com a situação e destacou a importância de combater a adulteração de bebidas. Uma força-tarefa foi criada para investigar as intoxicações causadas pela substância. As investigações buscam saber agora se foram dessas duas distribuidoras que saíram as bebidas que causaram as mortes registradas no estado.
Até agora não se sabe a origem do metanol. Isso porque, segundo Derrite, as pessoas que foram presas no âmbito da investigação até agora não têm relação com a facção criminosa, e os lugares onde foram constatadas bebidas adulteradas são distintos.

A principal linha de investigação é o uso de metanol para aumentar o volume de bebida adulterada. No entanto, a contaminação por metanol usado na limpeza de garrafas reaproveitadas também é uma hipótese.

Defesa de bancos, bets e bilionários

Além da polêmica sobre o metanol e a Coca-Cola e a defesa do PCC, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, esteve envolvido em outros episódios recentes de controvérsia.  Na mesma semana, o autoproclamado candidato à Presidência da República em 2026 comemorou a derrubada da Medida Provisória (MP) que visava taxar bancos, bets (casas de apostas) e bilionários, em oposição à proposta do governo Lula.

A derrubada dessa MP foi vista por alguns como uma derrota para o governo e uma forma de proteger a elite de impostos, enquanto o governo busca isentar do imposto de renda aqueles que ganham até R$ 5 mil. O ministro da Economia, Haddad acusou Tarcísio de agir para proteger a Faria Lima em relação a esse tema. Em resposta, Tarcísio negou que agiu para barrar a tributação, criticando o PT e Haddad e acusando-os de tentarem desconstruir sua imagem. 

Em outubro de 2025, Tarcísio rebateu acusações de que teria atuado contra a medida provisória que trazia alternativas ao IOF, afirmando ser alvo de uma campanha de desconstrução de imagem por parte da esquerda. O governador foi criticado por Fernando Haddad por ter agido para proteger empresas da Faria Lima em relação à derrubada da MP do IOF.

Haddad afirmou que, apesar de Tarcísio ter agido contra o interesse nacional para proteger o mercado financeiro, o governo não retaliará o estado de São Paulo. Tarcísio, por sua vez, rebateu as acusações, dizendo que “chega de inventar bode expiatório”, que ninguém apoia aumento de impostos e defendeu a redução de gastos.

Esses eventos refletem as tensões políticas e econômicas atuais no Brasil, com diferentes visões sobre a melhor forma de combater o crime organizado, regular o mercado financeiro e distribuir a carga tributária.

Outros episódios polêmicos envolvendo Tarcísio

  • Defesa da Faria Lima – Semanas antes, Tarcisio também saiu em defesa das empresas instaladas na Rua Faria Lima, uma das mais tradicionais e caras do Brasil. Operações policiais, como a “Carbono Oculto”, revelaram um sofisticado esquema do PCC para lavar dinheiro, incluindo o uso de fundos de investimentos e fintechs sediados na Faria Lima, com um patrimônio estimado em R$ 30 bilhões. Essas operações têm o objetivo de desmantelar a infiltração do crime organizado na economia formal do país. O PCC utilizava, por exemplo, fundos fechados com um único cotista para ocultar a natureza criminosa das operações.
  • Críticas do bolsonarismo: Em setembro de 2025, houve um racha no campo bolsonarista em relação ao governador, que estaria buscando moderação e se distanciando de pautas extremas. Isso levou a críticas públicas de figuras como Eduardo Bolsonaro em julho de 2025.
  • Declarações sobre política externa e críticas a Lula: Em um seminário para empresários em agosto de 2025, Tarcísio criticou a política externa do governo Lula. Isso se soma a outras ocasiões, como em outubro de 2025, quando o governador voltou a criticar o presidente em um evento em Minas Gerais.
  • Escândalo fiscal: Um esquema de fraude tributária de bilhões de reais envolvendo a liberação de créditos fiscais fraudulentos foi revelado em São Paulo em agosto de 2025. A mídia tem noticiado o caso, mas a ausência do nome do governador nas reportagens gerou críticas sobre uma suposta “blindagem midiática”, especialmente considerando a proximidade de Tarcísio com grandes empresas.
  • Confronto com o STF: Em setembro de 2025, Tarcísio rompeu com sua postura de moderação e entrou em confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF). Sua fala em apoio à anistia de condenados por golpismo, incluindo Jair Bolsonaro, foi mal recebida por ministros do STF.
  • Ações da polícia: Ao longo de sua gestão, Tarcísio de Freitas enfrenta críticas e polêmicas por conta da atuação da polícia em São Paulo. Ações policiais controversas, como a que ocorreu na Baixada Santista, e o uso de câmeras em uniformes policiais geraram debates e críticas. Em maio de 2025, Tarcísio chegou a citar o uso das câmeras e afirmar que não toleraria violência policial, mas a pauta de segurança pública continua sendo um ponto de controvérsia.

Tarcísio enfrenta cenário de disputa e moderação

A condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e sua inelegibilidade acentuam o processo de sucessão. Embora Tarcísio de Freitas seja considerado o principal herdeiro político do bolsonarismo, ele não é o único e enfrenta disputas internas no campo da extrema-direita. Na tentativa de reforçar sua conexão com a base eleitoral, o governador de São Paulo tem se posicionado em solidariedade a Bolsonaro, mantendo o discurso de inocência.
Para analistas políticos,  embora Tarcísio tenha a preferência de parte da direita, ele não tem o caminho livre para a candidatura de 2026. A disputa com Michelle Bolsonaro, o desgaste com a ala mais radical do bolsonarismo e a busca por um perfil mais moderado evidenciam as complexas dinâmicas de poder no campo da extrema-direita brasileira.
Confira alguns pontos dessa complexa equação que não favorecem os planos políticos de Tarcísio para 2026:
  • Aprovação e apoio: A disputa interna e a busca por moderação colocam Tarcísio de Freitas em um dilema entre manter o apoio da base bolsonarista mais radical e buscar o apoio de eleitores mais ao centro. A percepção de que ele é um candidato mais moderado pode afastá-lo de alguns bolsonaristas mais fiéis.
  • Aproximação e distanciamento: Tarcísio busca um perfil mais moderado para atrair um eleitorado mais amplo, o que tem gerado atritos com a ala mais radical do bolsonarismo, incluindo os filhos do ex-presidente. Ele é visto por alguns bolsonaristas como “oportunista” por seu posicionamento, mas, na prática, ainda é o nome preferido para muitos eleitores de direita.
  • Michelle Bolsonaro: Considerada uma alternativa forte, especialmente para o eleitorado mais fiel a Bolsonaro, Michelle tem atuado de forma intensa no PL Mulher e construído uma estrutura política própria. Embora tenha negado publicamente a intenção de ser candidata em 2026, ela já admitiu a possibilidade, e pesquisas mostram que ela e Tarcísio aparecem empatados ou com pouca diferença nas intenções de voto.
  • Eduardo Bolsonaro:  Apontado como ‘traidor da Pátria’ por articular dos EUA uma ofensiva contra o Brasil em troca da liberdade do ex-presidente, o deputado federal já declarou que disputará a Presidência em 2026 caso seu pai não possa concorrer. No entanto, sua alta rejeição em pesquisas de opinião e as disputas internas no PL com a ala de Michelle Bolsonaro representam obstáculos significativos para a sua candidatura.
  • Outros potenciais candidatos: Outros nomes, como os governadores Ronaldo Caiado (Goiás) e Ratinho Junior (Paraná), também são mencionados como potenciais candidatos de direita. Recentemente, o presidente do PP, Ciro Nogueira, defendeu um candidato “estilo Tarcísio”, indicando a preferência por um perfil menos radical. 

Com informações de agências e sites

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