Quem nunca comprou um produto acreditando que seria feliz se o adquirisse? Uma peça de roupa ou um acessório porque “todo mundo tinha”? As propagandas e a pressão por reconhecimento social levam a colocar no gesto de consumo um papel que este ato não consegue ter.

Apesar de a maioria dos brasileiros reconhecer a importância de atitudes sustentáveis de consumo, poucos vêm adotando práticas mais responsáveis no dia a dia. Foi o que constatou uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) realizada em todas as capitais do país.

De acordo com o levantamento, a maioria dos brasileiros (55%) se encaixa no grupo de ‘consumidores em transição’, ou seja, com hábitos de consumo consciente ainda aquém do desejado. Os pouco ou nada conscientes somam 14% de entrevistados, ao passo que apenas 31% podem ser considerados ‘consumidores conscientes’.

Os dados fazem parte do Indicador de Consumo Consciente (ICC), que em 2018 atingiu 73%, mantendo-se estável em relação ao ano passado (72%). O ICC pode variar de 0% a 100%: quanto mais próximo de 100% for o índice, maior é o nível de consumoconsciente. Para chegar-se ao resultado são aplicadas perguntas relativas aos hábitos, atitudes e comportamentos da rotina dos brasileiros, considerando os aspectos financeiros, ambientais e sociais.

Instituto Akatu celebra o Dia do Consumo Consciente

Nesta semana, duas datas importantes relacionadas diretamente ao consumo consciente estarão em pauta: o Dia do Consumo Consciente, comemorado na  segunda-feira, dia 15 de outubro, e o Dia Mundial da Alimentação, no dia 16.

Engajado pela educação para o consumo sustentável, o Instituto Akatu faz um convite a todas e todos para que reflitam sobre o seu papel como consumidor, iniciando ou aprofundando o percurso na direção de ser um verdadeiro protagonista em suas escolhas de consumo. Para a ong, é importante desenvolver gradualmente a consciência quanto aos mecanismos que nos fazem consumir, buscando diferenciar as necessidades reais do que é induzido ou artificial.

“Quando paramos para avaliar cada ato de consumo é uma chance de identificar o que de fato nos motiva cada compra, sabendo distinguir entre as necessidades reais e as vontades de “compensar” um momento de baixa autoestima, de cansaço com o excesso de demandas da vida ou de frustração por não “se equiparar” a outras pessoas. Trata-se de um exercício fundamental para quem deseja ter um comportamento de consumo mais consciente”, defende Helio Mattar, diretor presidente do Instituto Akatu.

O estudo indica que embora as pessoas enxerguem o consumo consciente como fator que pode fazer diferença na qualidade de vida, essa preocupação nem sempre se traduz em ações concretas. Prova desse contrassenso é que se por um lado os entrevistados demonstram não praticar com muita frequência atitudes sustentáveis, por outroquase a totalidade (98%) considera importante ou muito importante ter uma vida com hábitos de consumo mais consciente — seja pela economia de recursos de água e energia, reduzindo as compras ou pelo reaproveitamento das coisas.

“Muita gente entende a importância de transformar boas intenções em bons hábitos, mas só toma alguma atitude quando a conta fica cara. E não basta ter um esforço de conscientização apenas em situações críticas. Essa prática deve ser contínua, além de estar claro que a escassez de recursos é uma realidade bem próxima”, ressalta a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawaut.

Diferenças entre produtos

Segundo ele, também é importante registrar as diferenças entre produtos que, embora desempenhem as mesmas funções, são distintos na origem das matérias primas, na forma de produção e nas atitudes das empresas que os produzem e comercializam, além de diferenças de durabilidade e de impactos quando descartados.

“Ninguém será diferente por muito tempo por usar e mostrar as coisas que compra. A expressão da identidade só vai durar se, de fato, existir no modo de ser, de pensar, de agir e de reagir da própria pessoa. O consumo não consegue compensar as deficiências que só o desenvolvimento pessoal pela educação e pela espiritualidade (que não se confunde com religião) consegue entregar. Só assim, sabendo quem se é, será possível adotar uma postura mais crítica no consumo ao invés de seguir os outros e as ondas da moda”, diz Hélio.

Nove em cada dez consumidores fazem algum tipo de serviço em casa

Sair comprando de forma inconsequente tem diversas implicações negativas. A mais percebida pelo consumidor é aquela que impacta sua vida de forma imediata. Por essa razão, o aspecto financeiro é o que mais influencia as práticas de consumo consciente entre as pessoas — ou seja, quando pesa no bolso.

O levantamento aponta que dentre as várias práticas que já fazem parte da rotina dos brasileiros, destacam-se: sempre pesquisar preço, que resulta na compra dos itens mais baratos (92%), avaliar previamente o orçamento para saber se é possível levar ou não um determinado produto (91%) e optar por não adquirir algo novo quando o bem ainda pode ser usado ou até mesmo consertado (90%).

Além disso, 88% dos entrevistados disseram ter o costume de fazer na própria casa alguns serviços que poderiam ser contratados fora para economizar, como manicure, pet shop, cinema e lanches. Outros 87% garantem que sempre planejam as compras do dia a dia, como supermercados, feiras e pequenas aquisições.

A pesquisa também indica que há um esforço por parte dos consumidores em controlar o orçamento e economizar ao máximo. Enquanto 78% sempre pedem descontos em suas compras, 77% não recorrem ao cheque especial ou ao limite do cartão de crédito para conseguir fechar as contas do mês. Para 75%, uma forma de economizar é consumir somente frutas e verduras da época, por serem mais baratas. Outros 72% evitam fazer compras parceladas para não comprometer o seu rendimento mensal.

“A crise, ainda que à força, vem ensinando os brasileiros muitas lições valiosas sobre economizar e pesquisar antes de sair comprando. Não se trata de simplesmente frear o consumo, mas sim de entender que é preciso comprar com inteligência. Em vez de procurar sempre um produto novo, é possível buscar a reutilização, a troca, o aluguel, o conserto ou meios que não envolvam, exclusivamente, a decisão de jogar fora e comprar outro”, avalia o educador financeiro do portal ‘Meu Bolso Feliz’, José Vignoli.

Maioria prefere deixar atitudes conscientes para depois

Uma boa notícia refere-se à adoção de hábitos sustentáveis do ponto de vista ambiental, que já estão incorporados à rotina dos brasileiros, segundo revela a pesquisa. Ao considerar o consumo racional de água, a atitude mais adotada pelos entrevistados (92%) é fechar a torneira enquanto se escova os dentes. Em seguida, aparecem os que afirmam controlar todo mês o valor da conta de água (86%), ensaboar a louça com a torneira da pia fechada (85%), não considerar um exagero a crença de que um dia a água irá acabar (85%) e não lavar a casa ou a calçada com mangueira (83%).

Quanto ao uso racional de energia elétrica, que tem grande impacto social e ambiental, há também uma conscientização crescente dos brasileiros. Apagar as luzes de ambientes que não estão sendo utilizados é a principal prática (95%) mencionada. O segundo hábito mais comum de economia está ligado ao controle do valor da conta de luz (90%) e o terceiro é passar roupas apenas quando existe um volume grande de peças (82%). Há ainda 76% de consumidores que têm a preocupação em verificar a quantidade de energia que determinado eletrodoméstico gasta antes de comprá-lo e 73% que dão preferência à utilização de lâmpadas de LED na residência.

Entre as ações de preservação do meio ambiente, as mais comuns citadas na pesquisa sãodoar ou trocar um produto antes de jogá-lo fora (86%) e evitar imprimir papéis para reduzir gastos e prejuízos ao planeta (79%). Em contrapartida, há um sinal de alerta: mais da metade só acha importante praticar o consumo consciente daqui a alguns anos, quando problemas mais graves atingirem o meio ambiente (55%).

Maus hábitos no dia a dia e resultados pouco perceptíveis

A pesquisa também revela quais são os aspectos que motivam o consumo consciente. Para 35% dos entrevistados, o uso racional de água e energia elétrica está ligado a ações que evitam o desperdício de um bem que pode acabar, ao passo que 22% afirmam dar o exemplo aos filhos, família, amigos e vizinhos, influenciando suas atitudes.

Além disso, a maioria das pessoas ouvidas desaprova atitudes de consumo nocivas quando veem outros desperdiçando água, energia ou comprando produtos sem se preocupar com o meio ambiente. De cada dez entrevistados, seis (60%) se sentem prejudicados por acreditarem que nada irá mudar se apenas eles próprios e não o todo fizerem sua parte.

Entre os principais obstáculos apontados quanto à adoção de atitudes de consumoconsciente, o mais citado tem a ver com maus hábitos que vão se tornando rotineiros sem que a pessoa perceba. Quando o assunto é economizar água, luz e telefone, 33% reconhecem que a principal barreira é a distração ou esquecimento. Já 22% afirmam ficar desmotivados por não verem resultados diante das mudanças de atitude, enquanto 20% mencionam falta de tempo.

87% dos brasileiros evitam marcas que usam trabalho escravo

Para entender o quanto as pessoas enxergam seu papel e lugar como indivíduos que agem em favor da coletividade, o levantamento quis saber quais ações estão sendo feitas. As práticas mais citadas são: incentivar as pessoas de casa a economizarem água e luz (93%), priorizar o tempo livre com família ou amigos, em vez de ir a shoppings ou fazer compras (89%), evitar compras de produtos de marca ou empresas que utilizam trabalho escravo (87%) e aconselhar outras pessoas a pensar se elas realmente precisam daquilo que vão comprar ou se é apenas um desejo passageiro (82%). Um dado que chama a atenção no levantamento mostra que 58% acabam comprando algumas vezes mercadorias não originais pelo preço atrativo.

O protagonismo no consumo

Adotar o protagonismo no consumo, portanto, é considerar esses e outros fatores que diferenciam os produtos uns dos outros, e levam a uma escolha alinhada com os valores de cada consumidor. O consumidor consciente e protagonista considera os impactos positivos e negativos associados à produção, ao uso e ao descarte dos produtos, dando a eles a mesma importância que dá ao preço e à qualidade, e buscando, ao longo do tempo, alternativas para não só minimizar os impactos negativos como também para melhorar o impacto de seu consumo.

“Tudo isso pode, inclusive, implicar em uma redução do consumo, em um controle dos desejos mais materialistas, e numa percepção de que a boa sensação de satisfação, que se segue ao momento da compra, pode não se manter no tempo, levando, então, a uma vontade de consumir diferente”, avalia Helio Mattar.

Naturalmente, tais mudanças são maturadas em tempos longos, à medida em que a percepção dos impactos se confronta com os valores mais profundos de cada consumidor. “Não se trata de uma redução extrema no consumo, que nem mesmo é viável, mas significa avaliar cada decisão de compra, buscando optar pelos melhores impactos sobre o meio ambiente, sobre a vida das pessoas e, consequentemente, sobre nós mesmos”, completa o presidente do Akatu.

Pesquisas Akatu 2018 e 2012

Felizmente, os sinais de que isso vem ocorrendo podem ser detectados. A pesquisa Akatu 2018, por exemplo, avaliou o panorama do consumo consciente no Brasil e constatou que, consideradas dez dimensões do consumo como, por exemplo, água, mobilidade e alimentação, nós, brasileiros, optamos por caminhos de sustentabilidade em sete dessas dimensões e por caminhos do consumismo em apenas três.

O “estilo de vida saudável”, a “redução na quantidade de lixo gerado” e a “redução no impacto da geração de energia” foram alguns dos caminhos de sustentabilidade expressos como os mais desejados pelos consumidores.

A pesquisa do Akatu de 2012, Rumo à Sociedade do Bem-estar, perguntou “O que é felicidade para você?” como uma pergunta aberta. Dois terços das pessoas entrevistadas afirmaram que ser feliz é estar saudável e/ou ter sua família saudável e, para 60%, é estar na companhia de amigos e familiares. Assim, a felicidade se encontra no que as pessoas têm de mais humano, no bem-estar próprio e no daqueles que gostamos, compartilhando a vida com eles.

O dia do consumo consciente é uma boa oportunidade para refletir se cada um de nós está vivendo e consumindo de forma alinhada com o que é realmente importante na nossa vida. E, se fizermos parte desses dois grupos (o que valoriza a saúde e o que valoriza o encontro com pessoas queridas), teremos a certeza de que o consumo não é o centro de nossa existência. Ao contrário, o que há de mais humano deve estar no centro da vida.

E o nosso consumo deve gradualmente refletir esse valor. O viver como protagonista do próprio modelo de consumo é fazer essas escolhas sempre lembrando do que é realmente importante para nós e para nossos afetos, tendo o consumo como uma escolha e não como uma obrigação. Certamente, a vida será melhor, menos estressada e mais gratificante.

Metodologia

Foram entrevistados 824 consumidores, nos meses de maio e junho, nas 27 capitais brasileiras, acima de 18 anos, de ambos os gêneros e de todas as classes sociais. A margem de erro é de 3,4 pontos percentuais para uma confiança de 95%. Baixe a íntegra da pesquisa em https://www.spcbrasil.org.br/pesquisas

Fonte: Instituto Akatu e SPC Brasil

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