Superação: como o câncer mudou a vida de uma família inteira

Conheça a história de Eduardo, 18 anos, diagnosticado com leucemia aos 6, durante férias no Rio. Acolhimento foi fundamental

Eduardo com os pais e a irmã: uma história de superação familiar (Foto: Acervo familiar)
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Foi durante uma viagem de férias ao Rio de Janeiro que o paranaense Eduardo foi diagnosticado com câncer, aos seis anos de idade. Uma situação que obrigou a família a continuar na cidade para que o menino iniciasse imediatamente o tratamento contra a leucemia linfoide aguda, a LLA. Tipo mais comum de câncer entre crianças e o mais agressivo, a doença afeta todo o sistema de defesa do organismo. 

A psicopedagoga Érika Silveira Passos, de 47 anos, conta que viu sua vida – e a de toda a família de Londrina (PR) – mudar radicalmente com a doença do filho. Até saber o tratamento mais adequado para combater a LLA, Eduardo passou por 18 médicos e três clínicas, entre ortopedistas e reumatologistas – cada um deles apresentava um parecer diferente.

Foi no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, o Hospital do Fundação, no Rio, que Érika e o marido, Márcio, receberam uma resposta definitiva.  A partir do inesperado e sofrido diagnóstico, em 2010, o menino teve que que passar por um tratamento quimioterápico de oito meses, além de mais um ano e quatro meses entre idas e vindas ao hospital por conta das intercorrências da medicação.

Inicialmente, para acompanhar o tratamento do filho, Erika ficava hospedada de favor na casa de familiares do marido, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. Mas como ficava muito distante da Ilha do Governador, bairro onde fica o hospital, Erika foi encaminhada para ser acolhida pela Casa Ronald McDonald-RJ, uma instituição de apoio a famílias de crianças e adolescentes vítimas de câncer, no bairro do Maracanã.

“Nunca esqueço a forma como fui acolhida, com muito amor e por uma corrente de apoio e esperança, e todos os dias lembro tudo o que aprendi lá. A Casa Ronald funcionou como um trampolim para nos tirar do fundo do poço. Não tínhamos condições financeiras para pagar um aluguel e ficarmos mais próximos ao hospital. Recebemos tudo que precisávamos naquele momento, além de muito amor”, diz Érika.

Morte do pai, distância da filha, mudança de endereço e perda de emprego

A família nunca esmoreceu. Mas foi preciso muita resiliência para atravessar o momento mais difícil e dar a volta por cima. O primeiro fato inesperado, o falecimento do pai, fez com que Érika permanecesse mais tempo no Rio de Janeiro. E foi exatamente neste mesmo período que Eduardo começou a sentir os primeiros sintomas da doença que marcaria um período de muita dor e resiliência para toda a família. 

Diante do difícil cenário em função da doença do filho, Érika e o marido decidiram levar a filha mais velha, Ana Helena, então com 10 anos, para Londrina, para ser cuidada pela avó, para que eles pudessem se dedicar integralmente ao menino na fase inicial do tratamento, considerada a mais complexa.

Érika diz ter vivido, a partir daquele momento, perdas temporárias pelo fato de ser obrigada a ficar longe da menina, conviver com a situação crítica do filho, além da dor da morte do pai. Somente oito meses depois é que ela pôde trazer Ana Helena para o Rio de Janeiro para se juntar novamente à família.

Até então, Érika exercia a função de psicopedagoga, em Londrina, onde morava. Com toda mudança ocorrida em sua vida, ela precisou se desligar do trabalho. Somente após os primeiros oitos meses de tratamento do menino, foi que ela conseguiu emprego como revendedora de uma marca de cosméticos. Em pouco tempo foi promovida a promotora e ficou na função durante seis meses. Logo Érika sentiu a necessidade de montar seu próprio negócio para superar a difícil fase financeira e emocional que passava com a família.

Um negócio social para superar dificuldades financeiras e emocionais

“Além de ser uma aposta de sobrevivência financeira, eu queria ajudar crianças carentes que estivessem fazendo tratamento contra a mesma doença do meu filho. A ideia era levar um pouco de alegria com os meus brinquedos para que eles tivessem momentos de relaxamento e bem-estar numa fase tão complexa”.

Assim nasceu, em 2014, na cidade de Maricá, região metropolitana, para onde a família se mudou, a empresa O Bolinha. O nome não foi escolhido aleatoriamente. Bolas de gás, na visão de Érika, remetem à cabeça careca e brilhosa das crianças durante o tratamento contra o câncer.

“É um negócio com pegada social. O Bolinha só existe por causa da nossa história de vida, nasceu de um sofrimento e se transformou em alegria. Aquele momento foi um ponto e vírgula na minha vida. Era uma questão de sobrevivência, só tinha opção: ou eu recomeçava ou recomeçava”.

O projeto começou do zero e se tornou uma marca respeitada e bastante conhecida em Maricá pelos propósitos da empresa. Atualmente é a maior empresa de locação de brinquedos de festas infantis da região. Virou um negócio familiar que envolve todos: o marido atua na parte administrativa e os filhos trabalham nos finais de semana quando acontece a maioria das festas.

‘Meu lema é: vamos aproveitar e ser felizes’

Apesar das dificuldades enfrentadas, Erika sempre acreditou na cura do filho. Atualmente com 18 anos, Eduardo está há 10 sem qualquer medicação para o câncer, o que significa que a doença está em remissão. De acordo com Érika, os médicos não usam a palavra cura, já que argumentam que cura significa que a pessoa nunca mais terá a doença. E no caso de uma pessoa que teve câncer a doença pode, sim, voltar. Mas Erika considera o filho curado.

Eduardo está concluindo o Ensino Médio. Em breve será técnico em Edificações no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF). E planeja cursar Engenharia da Informática. Aos finais de semana, o jovem ajuda os pais no negócio da família. Apesar da força, coragem e da história de superação, Érika admite que a dor vivida com a doença do filho ainda está presente em sua vida.

“Hoje consigo contar essa história com mais leveza, é um sinal de que estou me curando, cicatrizando as feridas. Mesmo depois de muitos anos, ainda mantemos os pés no chão; pois, como sabemos, essa é uma doença que pode voltar. Então, meu lema é: vamos aproveitar e ser felizes. Tenho a consciência, depois de passar por tudo que vivi com a minha família, que a qualquer momento tudo pode mudar na vida de uma pessoa. Mas não posso viver com autopiedade. Prefiro ter disposição para dar e dividir com pessoas que, assim como eu, um dia precisou de muito apoio”.

Mãe de Eduardo se prepara para atender crianças especiais

Mas a história de Érika como empreendedora não para por aí. Embalada pelo sucesso obtido com a empresa O Bolinha, ela está se preparando para abrir uma clínica em julho de 2024 para atuar no seu segmento profissional de origem: saúde. 

Formada em Pedagogia em 2008 e pós-graduada em 2010 em Psicopedagogia, ela acaba de concluir outra pós, agora em Neuro-psicopedagogia. Desde a sua primeira graduação começou a trabalhar com crianças neuro atípicas, ou seja, crianças que são autistas, tem Síndrome de Down e outras doenças neurológicas.

Além de atuar em sua empresa, Érika é professora da Prefeitura de Maricá e trabalha como neuro-psicopedagoga fazendo atendimento em domicílios para diversas famílias. Seu propósito é, a partir do ano que vem, fazer esse atendimento em sua própria clínica.

Eventos solidários para crianças com câncer

Até hoje, nove anos depois de sua criação, O Bolinha não abandonou uma de suas principais missões, levar alegria a crianças em situação de vulnerabilidade social e que estejam passando por tudo que ela também vivenciou com a doença do filho.

Antes da pandemia, a empresa promovia eventos solidários para crianças com câncer. No pós-pandemia os cuidados com os pacientes foram redobrados e a empresa só faz esses eventos quando é permitido,  mas atua fazendo eventos gratuitos por meio de parcerias com Ongs, Igrejas etc.

Em datas comemorativas como Dia das Crianças e Natal também promove festas beneficentes para crianças. Desde que O Bolinha foi criado, todo ano, no McDia Feliz, em 26 de agosto, a empresa promove um grande evento com todos os brinquedos gratuitos num espaço cedido pelo McDonald´s em Maricá. Uma forma de tentar retribuir tanta gentileza.

Casa Ronald já recebeu mais de 3 mil pacientes e suas famílias

Localizada numa rua tranquila do bairro do Maracanã, na Zona Norte do Rio, a Casa Ronald McDonald-RJ é referência no acolhimento e atenção integral a famílias de crianças e adolescentes, em situação de vulnerabilidade social, durante o tratamento contra o câncer. A instituição sem fins lucrativos tem uma parceria com hospitais municipais, estaduais e federais que atendem casos de câncer infantojuvenil. 

A Casa Ronald recebe famílias em situação de vulnerabilidade social e financeira. Famílias do interior do estado podem ser atendidas, de outros municípios da região metropolitana ou até mesmo da zona norte ou oeste da cidade podem ser atendidas, desde que essas famílias não tenham como fazer, comprovadamente, deslocamentos diários para o tratamento. Em algumas situações são atendidas crianças de outros estados que estão em tratamento no Rio e são encaminhadas pelos hospitais.

Já passaram pelo espaço no Rio mais de 3 mil crianças, adolescentes e suas famílias. Atualmente a Casa está hospedando 36 crianças e adolescentes e tem capacidade máxima para hospedar até 39, com direito a um acompanhante. O objetivo do trabalho desenvolvido pela instituição é oferecer uma “casa longe de casa” durante a difícil fase de suas vidas em que precisarão estar afastados de seus lares enquanto buscam a cura da doença. 

Durante o tempo em que as famílias ficam hospedadas, a Casa Ronald McDonald-RJ oferece gratuitamente Atenção Integral que desenvolve ações de acolhimento humanizado e de subsistência: hospedagem, alimentação e transporte para conduzir as famílias aos hospitais, suporte psicossocial, atividades recreativas, cursos profissionalizantes, acompanhamento escolar, Bolsa de Alimentos e Amor de Casa.

O encaminhamento para que as crianças e suas famílias possam ser acolhidas na Casa é feito através dos serviços sociais dos hospitais conveniados: Instituto Nacional do Câncer (Imca), Hemorio, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Hospital da Lagoa, Hospital Pediátrico Martagão Gesteira (Fundão), Hospital da Criança e Hospital dos Servidores do Estado. 

Retomada das visitas após a pandemia

O ano de 2023 começa com inúmeros desafios a serem vencidos pelos gestores da Casa Ronald McDonald-RJ, instituição inaugurada em 1994 e reconhecida como uma das 100 melhores ONGs do Brasil em 2018, 2019, 2020 e 2021 pelo trabalho que desenvolve em benefício de famílias de crianças e adolescentes, em situação de vulnerabilidade social, durante o período de tratamento contra o câncer.

Um desses desafios é a retomada da visitação que sempre aconteceu na Casa Ronald McDonald-RJ para que as pessoas pudessem conhecer de perto a instituição e os seus programas complementares.  As visitas, feitas em forma de tour pelas instalações da Casa, haviam sido suspensas no início de 2020 em função da pandemia de Covid-19.

Agora, após a liberação das restrições impostas pela RMHC Global de Chicago, em decorrência da pandemia, a Casa Ronald McDonald-RJ reabre o programa de visitação, que é oferecida às segundas, às 14h, terças, às 14h e 16h, quintas, às 16h, e sábados às 10h e 14h. Cada tour é feito por um grupo de, no máximo, cinco visitantes e todos precisam estar previamente agendados. 

Doações voluntárias permanentes

Sendo uma instituição sem fins lucrativos, a Casa só consegue viabilizar seus programas graças ao trabalho de voluntários, de doações recebidas e por meio de parcerias com empresas.

Presidente da Casa Ronald McDonald-RJ, Sonia Neves reafirma a importância da colaboração voluntária: “O voluntário é fundamental para a instituição porque ele é o responsável pelo acolhimento dos hóspedes, que é sua principal função. Além disso, ele também participa de atividades operacionais e recebe doadores e visitantes, ajudando, dessa forma, a minimizar os custos da Instituição”.

O aporte financeiro dado pela Rede McDonald’s é feito somente durante o evento McDia Feliz, quando toda a renda arrecadada com a venda do Big Mac, no dia da campanha, é doada à instituição. O valor, no entanto, só corresponde a 45% das despesas da Casa Ronald McDonald-RJ, o restante é obtido por meio de doações de pessoas físicas e jurídicas.

“A visita é importante porque podemos mostrar a seriedade do trabalho desenvolvido pela instituição. E, é quando a pessoa conhece a Casa, que ela se sensibiliza e se prontifica a ser um colaborador ou voluntário da causa”, reforça a Presidente da Casa Ronald McDonald-RJ.  

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