No dia 17 de dezembro de 1961, a cidade de Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, passou por sua maior tragédia: o incêndio do Gran Circus Norte-Americano, que deixou mais de 500 mortos e 120 mutilados, além de dezenas que foram obrigados a conviver com marcas profundas e permanentes, físicas e psicológicas.
Aos 11 anos, Maria José Pedroza, teve 90% de seu corpo queimados nesta que é considerada uma das maiores tragédias no Estado do Rio. Entretanto, a despeito de todas as dores e cicatrizes até hoje marcadas em sua pele, lutou, cresceu, se tornou professora, esposa, mãe, avó, bisavó e autora de livros.

Sua primeira obra, um romance baseado em sua história, intitulado “Vidas em Chamas” , teve seu ebook apresentado ao público este mês, quando o incêndio completou 59 anos. Além disso ela busca na Justiça, junto à ONU, os direitos negligenciados pelo Estado há quase 50 anos.
Moradora de São Gonçalo, Zezé Pedroza, como gosta de ser chamada, teve queimaduras de terceiro grau, ficou 20 dias em coma e oito meses internada. Passou por 15 cirurgias para recuperar algumas partes do corpo. As marcas impressas em sua pele foram suas inimigas durante muitos anos.
Demorou, mas já na década de 2010 Zezé realizou seu maior sonho: publicar sua biografia. O livro Vidas em Chamas apresenta, sem floreios e sem cortes, as lembranças mais profundas desta mulher impressionante. No romance, ela conta sua história através da personagem Natali.
A autora traça um paralelo entre os ancestrais da época da escravidão, perpassando por uma análise do cenário político-econômico do Brasil antes e depois da tragédia. Dois capítulos narram, com detalhes, os momentos em que esteve dentro do circo em chamas.
Com pensamento longe eu cheguei ao ano de 1961. Exatamente no dia 17 de dezembro, quando o calor estava a quase quarenta graus, e a distração era geral, eu sentada na arquibancada aplaudindo o espetáculo, que foi interrompido com o grito… Fogo! Era a lona de nylon e parafina do Gran Circus Norte Americano ardendo, em labaredas”, escreveu a autora.
Ela prossegue: “Ainda hoje revivo aquele horrível momento, a multidão correndo em uma só direção e caindo uns sobre os outros que eram pisoteados na fuga da última cena. E eu também estava lá! Mas sobrevivi para contar a minha história de superação. E nem poderia esquecer esse dia que transformou a minha vida, meu viver e minha aparência”, lembra.
Para ela, ‘Vidas em Chamas’ conta não apenas com detalhes todo o meu sofrimento, mas também fala de como deua volta por cima e conquistou tudo que diziam que ela jamais conseguiria. “Não é difícil ser feliz, basta se aceitar”, sentencia Zezé.
Autora também de ‘Conto para não esquecer’, ela participou ainda da antologia ‘O Perfume da Palavra Vol V’ (Editora Muiraquitã) e da coletânea ‘Essas Mulheres Maravilhosas e suas Histórias Inspiradoras’ (Editora Proverbo). Vidas em Chamas e Conto para não esquecer podem ser baixados gratuitamente para quem tem assinatura de Kindle Unlimited.
Luta na Justiça se arrasta desde 1962
Em 1962, a mãe de Maria José de Oliveira Pedroza deu entrada em um processo indenizatório na Comarca de Niterói, onde foi chamada para diversas audiências. No local hoje funciona a biblioteca judiciária. Por questões pessoais, Zezé e sua mãe deixaram todo o andamento do processo nas mãos de um advogado. Em 1976 ela resolveu procurar pelo advogado e pelo processo, mas ambos haviam desaparecido.
Durante anos ela buscou seu processo em cartórios distribuidores de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro, em vão. Até que em 2016 Zezé Pedroza encontrou seu processo. Entretanto, descobriu que havia perdido a causa, já que nem o município de Niterói, nem o Estado do Rio de Janeiro, nem o Governo Federal se responsabilizaram pelo incêndio na época, alegando que fora criminoso.
Além disso, Maria José também não recebeu o valor que cabia a ela do “Fundo de Assistência às vítimas do incêndio em Niterói”, decretado e divulgado no Diário Oficial de 19 de dezembro de 1961 pelo então governador Celso Peçanha. Mas a professora, hoje com 70 anos, não desistiu e, com a ajuda de outro advogado, o processo foi refeito e incluído na lista de processos especiais de direitos humanos da ONU. Contudo, o processo lá está há quase dois anos.
Foram tantas lutas! Tantas dores e perdas! Sempre fomos pobres, entretanto, meu pai vendeu tudo o que tinha para salvar minha vida. Depois de tudo o que aconteceu comigo, não posso passar por essa vida sem ver concluída, de forma positiva, a justiça dos homens em minha história”, finalizou.
Com Assessoria