Ainda cerca de muito estigma, a sífilis é uma infecção sexualmente transmissível (IST) que vem aumentando nos últimos anos globalmente. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), nas Américas, os casos de sífilis entre adultos de 15 a 49 anos cresceram 30% entre 2020 e 2022, totalizando mais de 8 milhões de casos, com a região sendo responsável por 42% dos registros globais. Entre 2017 e 2022, o número de casos de sífilis congênita (transmitida da mãe para o bebê) aumentou 400%, segundo autoridades de saúde dos Estados Unidos.

Nos últimos 10 anos, o Brasil também vem registrando um aumento no número de casos de sífilis. De 2012 a 2022 foram notificados 1.273.027 casos de sífilis adquirida, 537.401 casos de sífilis em gestantes e 238.387 casos de sífilis congênita, de acordo com dados do Boletim Epidemiológico Sífilis 2023, do Ministério da Saúde.

Só em Minas Gerais, de janeiro a julho foram registrados 32.351 casos de sífilis em gestantes e 11.818 casos de sífilis congênita, que ocorre quando a infecção é transmitida da mãe para o bebê,. Ainda de acordo com o Governo de Minas Gerais, de 2020 a 2023 o número de casos da doença transmitida para o bebê aumentou, em média, 8% ao ano.

Queda no número de bebês infectados por sífilis congênita

O novo Boletim Epidemiológico de Sífilis 2024, mostrou que foram notificados no país 242.826 casos de sífilis adquirida, 86.111 casos de sífilis em gestantes, 25.002 casos de sífilis congênita, além de 196 óbitos por sífilis congênita. A boa notícia é que em 2023 houve uma redução de 1.511 casos da doença em bebês menores de um ano em todo o país, se comparado ao ano anterior.

Esse número significa que 71% dos casos de sífilis congênita foram evitados devido ao diagnóstico precoce em gestantes. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a contagem de casos da doença em crianças com menos de um ano passou de 4.152 em 2022 para 3.256 em 2023.

As novas estatísticas foram baseadas nas notificações até o dia 30 de junho deste ano e foram apresentadas durante a abertura do  ‘Seminário Integrado da Sífilis – Unindo Forças para a Eliminação’, na última segunda-feira (14), em Brasília.

A sífilis é uma infecção causada pela bactéria Treponema pallidum e transmitida principalmente por contato sexual desprotegido. A doença pode trazer graves consequências, mas pode ser prevenida. Para chamar a atenção para este problema de saúde pública e conscientização a população, no terceiro sábado de outubro é lembrado o Dia Nacional de Combate à Sífilis, celebrado este ano em 19 de outubro.

Alerta para o diagnóstico precoce da sífilis

Médicos da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), uma entidade filiada à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), alertam que a conscientização é uma das principais armas contra a sífilis. Quando não tratada, a doença pode causar a morte de 40% dos bebês afetados. Por isso, é importante lembrar a população da prevenção e enfatizar a necessidade do diagnóstico precoce. 

A prevenção da sífilis passa pela educação sexual, uso de preservativos e diagnóstico precoce no pré-natal. Com a detecção oportuna e tratamento adequado, podemos evitar complicações graves para mãe e bebê“, afirma a médica Suzana Pires do Rio, presidente do Comitê Gravidez de Alto Risco e Medicina Fetal da Sogimig.

De acordo com os especialistas, a chave para frear esse aumento é o diagnóstico precoce. Por isso, a importância dos exames clínicos para o controle da doença.

É muito importante o diagnóstico precoce da sífilis. Em primeiro lugar, porque é uma doença que, infelizmente, está se tornando cada vez mais comum. A quantidade de casos é absurdamente grande, e é um fenômeno mundial”, afirma Celso Granato, infectologista e patologista clínico da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML).

Os perigos da sífilis congênita para mãe e bebê

A sífilis congênita ocorre quando a infecção é transmitida da mãe para o bebê durante a gestação ou no parto (transmissão vertical) e pode resultar em sérias complicações. “Por isso, o diagnóstico e tratamento precoces durante a gravidez são essenciais para prevenir essas complicações”, afirma Camila Lopes Ahrens, infectologista do Hospital Angelina Caron.

Se não tratada, a sífilis pode evoluir para estágios mais graves e trazer consequências tanto para a mãe quanto para o bebê. Para as gestantes, a infecção pode causar complicações como aneurismas, problemas neurológicos e lesões em órgãos vitais.

Para o bebê, a transmissão pode resultar em aborto espontâneo, natimorto, parto prematuro, nascimento de bebê com baixo peso e sífilis congênita, que pode provocar malformações ósseas, surdez, cegueira e problemas neurológicos.

Casos da doença podem ser assintomáticos

A sífilis é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) que pode apresentar diferentes manifestações clínicas e é dividida em quatro principais estágios:

  • sífilis primária é quando há o surgimento de uma úlcera indolor (cancro) no local de infecção;
  • sífilis secundária ocorre semanas após a infecção inicial e com sintomas como manchas pelo corpo, febre e dor de cabeça;
  • sífilis latente é  quando não há sintomas visíveis, mas a bactéria permanece no corpo e pode ser detectada por exames de sangue e a
  • sífilis terciária, que, se não tratada, pode ocorrer anos após a infecção inicial, causando complicações graves como lesões em órgãos como cérebro, coração e ossos.

A doença também pode ser assintomática.  Um dos grandes desafios no controle da sífilis, especialmente entre as mulheres, é que os sintomas iniciais são pouco perceptíveis.

Na mulher, a lesão primária da sífilis, que é uma ulcerazinha indolor, muitas vezes fica em áreas internas, como no fundo de saco, local que fica atrás do colo do útero, o que dificulta a percepção. Quando a mulher percebe, geralmente a doença já evoluiu para a fase secundária”, explica Celso Granato.

Entenda os principais sintomas em cada fase

Manchas vermelhas na pele podem ser sintomas de sífilis (Foto: istock)

Apesar de a sífilis ser uma IST e o seu contágio ocorrer, principalmente, por meio do contato sexual sem proteção com uma pessoa infectada, a contaminação também pode ser feita por meio do contato direto com feridas sifiliticas e na transmissão vertical, que ocorre durante a gravidez e é passada da mãe para o feto.Já os sintomas variam de acordo com o estágio que a infecção está, explica a infectologista.

A fase primária conta com o aparecimento de úlceras indolores no local da infecção; na secundária os sintomas são as manchas pelo corpo, febre, dor de cabeça, cansaço e aumento de linfonodos; a latente é assintomática e a terciária, o estágio mais grave, as lesões podem ser nos órgãos, pode causar neurossífilis (condição neurológica causada pela infecção) e problemas cardíacos”, destaca a Dra. Camila.

Apesar da grande maioria dos casos serem sintomáticos e demonstrarem feridas ou lesões, os casos assintomáticos existem e necessitam de diagnóstico. Segundo a especialista, o aumento do número de casos pode ser atribuído a alguns fatores, como uma maior oferta de testes com a à ampliação do acesso a serviços de saúde, mas também por conta de falhas no uso de preservativos e da redução da prevenção e de campanhas de conscientização.

Pré-natal é fundamental para diagnóstico precoce

A médica Suzana Pires reforça a importância de que todas as gestantes realizem o pré-natal completo, incluindo os testes para sífilis, e que os profissionais de saúde estejam atentos para garantir que o tratamento seja feito da forma correta, tanto para a mãe quanto para o parceiro.

Segundo o médico Júlio Couto, membro do Comitê Gravidez de Alto Risco e Medicina Fetal da Sogimig, e especialista em infecções congênitas, “a sífilis congênita é uma condição grave, mas completamente evitável com o diagnóstico e tratamento adequados durante o pré-natal”. Ele ressalta que o pré-natal é a principal ferramenta para identificar e tratar a infecção precocemente, garantindo a saúde da mãe e do bebê.

O pré-natal tem papel fundamental na prevenção da sífilis congênita. Durante o acompanhamento da gestação, são realizados exames de triagem como o VDRL, que detectam a presença da bactéria.

Tratamento é feito com antibióticos

Em casos positivos, o tratamento é feito com o uso de antibióticos, administrados via oral ou intravenosa e com dose a depender do estágio da infecção. Se a infecção for identificada, o tratamento com penicilina benzatina deve ser iniciado imediatamente, sendo o único tratamento eficaz para a sífilis em gestantes. Além disso, é fundamental que o parceiro da gestante também seja tratado para evitar a reinfecção, um dos grandes desafios no controle da sífilis materna e congênita.

Na sífilis primária, secundária ou latente precoce, é administrada uma única dose de penicilina benzatina, mas nos casos de sífilis latente tardia terciária ou são necessárias três doses em semanas consecutivas. É importante que parceiros sexuais também sejam tratados para evitar reinfecção”, explica a Dra. Camila.

Em casos mais graves, como em estágios avançados ou condições de neurossífilis, o tratamento é feito por via intravenosa de penicilina cristalina, geralmente por 14 dias. Em outros casos, pode ainda ser usada a ceftriaxona como alternativa.

Mais de 14 milhões de testes rápidos distribuídos em 2023

O diagnóstico da doença é realizado por teste rápido e exames laboratoriais. O Ministério da Saúde adquire e distribui para os estados e municípios testes rápidos de sífilis (detectam anticorpos treponêmicos) e testes rápidos do tipo DUO, que investigam infecção por HIV e sífilis simultaneamente. Os testes DUO começaram a ser distribuídos em maio deste ano.

Em 2023, mais de 14 milhões de testes rápidos foram distribuídos pela pasta em todo o país. Neste ano, até agosto, foram distribuídos 5.689.240 testes rápidos e 1.955.100 de DUO HIV/Sífilis, totalizando 7.644.340 testes. “Vamos eliminar a sífilis e outras infecções como problema de saúde pública até 2030. Esse é o nosso compromisso”, destacou o diretor do Departamento de HIV, AidsTuberculoseHepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Dathi), Draurio Barreira.

“A evolução positiva no cenário nacional rumo à eliminação da sífilis congênita até 2030 reflete os esforços intensificados para aprimorar o manejo da infecção em gestantes e suas parcerias sexuais. Quando diagnosticada durante o pré-natal e tratada de maneira adequada, a chance de transmissão da sífilis para o bebê é reduzida a níveis compatíveis com eliminação”, diz o Ministério da Saúde.

Assistência a gestantes evita transmissão de sífilis em bebês no Rio de Janeiro

Segundo Pâmela Gaspar, coordenadora-geral de Vigilância das Infecções Sexualmente Transmissíveis da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), o Brasil possui todas as ferramentas necessárias para diminuir os casos de sífilis.

O desenvolvimento de ações tripartite e integradas com todos os atores envolvidos na prevenção, diagnóstico e tratamento da sífilis, considerando também os determinantes sociais, é fundamental para avançarmos em conjunto. Cada um de nós pode fazer a diferença”, declarou a coordenadora.

Estiveram também na abertura do seminário representantes da Opas, do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e do Movimento Nacional das Cidadãs Positivas.

Certificação de eliminação da transmissão vertical

Todo terceiro sábado do mês de outubro, o Dia de Combate à Sífilis e à Sífilis Congênita é celebrado no Brasil. A pauta é uma das prioridades do Ministério da Saúde que, por meio do Programa Brasil Saudável, está engajado em eliminar a transmissão vertical da doença como problema de saúde pública até 2030.

Além da disponibilização de testes rápidos aos estados e municípios, a pasta realiza a dispensação de penicilina para o tratamento da sífilis adquirida, sífilis em gestantes e congênita.

Uma das estratégias reforçadas com a criação do Brasil Saudável é a Certificação da Eliminação da Transmissão Vertical de HIV, sífilis, hepatite BHTLV e doença de Chagas para municípios com 100 mil habitantes ou mais e estados, que visa reconhecer e difundir boas práticas voltadas à prevenção da transmissão vertical dessas infecções no país.

Entre 2022 e 2023, 48 municípios e dois estados receberam algum tipo certificação (eliminação ou selos de boas práticas ouro, prata ou bronze) relacionados à sífilis. Para este ano, as solicitações de certificação recebidas pelo ministério estão em processo de análise, com cerimônia de certificação prevista para o final do ano.

Com Assessorias e Ministério da Saúde

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