Grande parte dos estados brasileiros apresentou alta no número de novos casos e óbitos por Covid-19 nos últimos dias. A média móvel nacional de mortes, em queda desde outubro, subiu 34% em comparação com duas semanas atrás, chegando a quase 500 falecimentos diários. Com a retomada do crescimento da disseminação do coronavírus no país, surge a seguinte dúvida:  O Brasil está vivendo uma Segunda Onda, um repique da primeira ou uma evolução natural dos casos provocada pelo relaxamento das medidas restritivas?

Com base em dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), um documento elaborado por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Aroupa (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), explica por que os casos de Covid-19 voltaram a subir no país, chamando a atenção para o distinto quadro da evolução dos casos da doença no Brasil, em comparação com outros países. Desde a semana de 18 de maio, o país registra continuamente mais de 100 mil casos por semana, sendo que, entre as semanas de 15 de junho e 14 de setembro, notificou mais de 200 mil casos semanais, chegando a 320 mil na semana de 27 de julho, conforme apontam os números.

Apesar de ainda ser cedo para confirmar, os dados indicam uma possível subida dos casos a partir de novembro, conforme alerta o documento. “Podemos descrever a situação do Brasil semelhante à do México (esse em menor escala), onde a pandemia evolui de modo contínuo ao longo do ano, mas, diferente dos EUA, sempre em patamares muito elevados”, observam o diretor da ENSP, Hermano Castro, e o pesquisador da Escola, André Pèrissé, autores do documento. 

Evolução distinta dos casos nas diversas regiões do país

O primeiro fato a chamar a atenção é o padrão distinto da evolução da Covid-19 nas macrorregiões, estados e mesmo entre os municípios de um mesmo estado do país, como nos casos do Rio de Janeiro e Fortaleza, conforme relata o documento. Os dados revelam que a doença apresentou comportamento semelhante nas regiões Norte, Nordeste e Sudeste, com aumento de casos por volta da 20ª e redução a partir da 30ª/33ª semanas epidemiológicas.

Os números ainda indicam provável novo aumento na notificação dos casos nas três regiões a partir da 46ª semana. “É interessante notar que, diferentemente dos países europeus, a notificação de casos da Covid-19 nessas regiões permaneceu elevada por todo o período. O comportamento da pandemia na Região Sul foi de uma evolução um pouco mais tardia e com ligeiro declínio, entre o meio de setembro e o meio de outubro, para novo aumento nas últimas semanas, já em níveis maiores que os da primeira crise”, alertam os autores.

Síndrome Respiratória Aguda Grave: crescimento de casos alerta para a disseminação do coronavírus

Casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Brasil aumentaram consideravelmente entre o início de março e o final de abril, permanecendo em um patamar elevado até o começo de julho, indicando aumento abrupto em 2020, em relação aos anos anteriores, de acordo com informações coletadas do sistema Infogripe. O crescimento dos casos pode estar ligado à chegada do novo coronavírus no país, segundo os autores do documento.

Quando se observa os dados para SRAG diagnosticada como Covid-19, o padrão é similar. Os dados mais baixos para a SRAG por Covid-19 podem indicar dificuldade no diagnóstico, uma vez que não há circulação de outros vírus que possam explicar o aumento das SRAG em 2020”, explicam os pesquisadores. 

Quando comparados com os dados de SRAG de 2009, ano da pandemia por H1N1, é observado não apenas um padrão diferente de distribuição (mais para o inverno), mas também uma grande diferença no número total de casos e na amplitude da curva. “Se considerarmos a Semana epidemiológica 44, onde foram notificados cerca de 10 mil casos de SRAG, menor número do ano, e compararmos com o pico da pandemia de H1N1 (cerca de 12 mil), podemos ter uma ideia do impacto da Covid-19 em nossa população”, explicam os autores. 

Segundo eles, os dados das diversas fontes consultadas indicam que a pandemia de Covid-19 no Brasil apresenta diversidades, o que explicaria, a princípio, o padrão de manutenção da doença em altos níveis no país, já que partes diferentes do território nacional acabam contribuindo para o número total de casos em épocas distintas.

Entretanto, os números também parecem mostrar que a doença se manteve sempre em patamares elevados, em comparação com a pandemia de H1N1, embora em níveis que permitiram o funcionamento normal das unidades de saúde no país. E ainda: as informações mais recentes indicam um recrudescimento da pandemia no país, o qual poderá ser confirmado apenas nas próximas semanas de coleta, por conta do atraso na atualização dos dados”, alertam os pesquisadores.

Indicadores: eles podem e devem orientar a política de enfrentamento à Covid-19 

O documento ainda alerta para a necessidade de acompanhamento dos Indicadores definidos para a orientação das chamadas medidas não farmacológicas. Foi com base neles que o Brasil, as macrorregiões, estados e municípios definiram seus processos socioeconômicos, ampliando ou reduzindo as medidas restritivas.

Como o momento revela o aumento dos Indicadores de contágio, de casos e mortes, além do início de um potencial estrangulamento dos sistemas de saúde público e privado no Brasil, é preciso retomar as medidas restritivas adotadas no início da pandemia, conforme destacam os autores. 

Os estados e municípios têm utilizado indicadores, tais como a capacidade de leitos, variação de óbitos, variação de novos casos, crescimento de casos internados e testagens, como orientadores para os planos de retomada. As fases de retomada têm orientado a flexibilização para um conjunto de atividades nas cidades. Neste momento de recrudescimento da pandemia, é necessário reavaliar cada um dos indicadores e tomá-los como orientadores novamente para restringir flexibilizações autorizadas anteriormente”, defendem os pesquisadores.

Para orientar os gestores na flexibilização das atividades, o documento apresenta um quadro com dois Indicadores em cinco faixas de risco: o número de novos casos por 100 mil pessoas nos últimos 14 dias e a porcentagem de testes RTPCR positivos nos últimos 14 dias. Outro indicador sugerido pelos autores é a taxa de contágio da cidade, definida como R, que determina o potencial de propagação do vírus dentro de determinadas condições. O índice deve estar abaixo de 1, preferencialmente em torno de 0,5, quando cada vez menos indivíduos se infectam e o número de contágio retrocede, devendo ser sustentado por um período mínimo de sete dias.

Alerta para a retomada de medidas restritivas

Diante da piora dos indicadores de saúde revelada no documento, os autores sugerem a retomada do isolamento social onde for necessário. “As orientações podem ser especificadas para cada estado, município ou território, mas as grandes orientações devem ser seguidas como medida protetiva para proteger e salvar vidas, tais como restringir qualquer aglomeração, organizar o transporte público para evitar lotação, suspender atividades econômicas não essenciais e fortalecer as principais medidas sanitárias, como o distanciamento social, o uso obrigatório de máscaras e álcool em gel a 70%, entre outras que se somam aos cuidados familiares e domésticos. Além da adoção do isolamento social, os pesquisadores também defendem a garantia de renda mínima para as famílias que dela necessitam e a adoção de políticas fiscais, econômicas e financeiras, com a finalidade de oferecer sustentabilidade das pequenas e médias empresas.

Confira aqui a íntegra do documento. 

Fonte: ESPN/Fiocruz

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