Estima-se que, mundialmente, existam em torno de seis a oito mil patologias raras, acometendo mais de 300 milhões de pessoas, o que representa cerca de 3,5 a 5,9% da população mundial. No Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúdemais de 13 milhões de pessoas possuem uma patologia rara, mas tudo leva a crer que esse número seja maior devido ao subdiagnóstico. Ou seja… as doenças raras, como grupo, não são tão raras assim.

Dentre essas doenças estão as imunodeficiências ou erros inatos da imunidade (EII) que são diagnosticados e acompanhados por especialistas em Alergia e Imunologia. Os EII doenças genéticas raras que comprometem o sistema imunológico de maneiras distintas e predispõem a uma maior chance de desenvolver infecções comuns de forma recorrente, além de alergias graves, doenças autoimunes e até alguns tipos de câncer.

Cerca de 560 doenças fazem parte do grupo dos EII, e as imunodeficiências primárias já conhecidas continuam aumentando. Mais de seis milhões de pessoas em todo o mundo possuem algum desses defeitos genéticos em algum setor do sistema imunológico.

Mas por serem pouco conhecidas até mesmo pela classe médica, estima-se que de 70% a 90% dos pacientes com EII ainda não foram diagnosticados. De acordo com a Sociedade Latino-Americana de Imunodeficiências, entre 75% e 90% dos casos seguem sem diagnóstico.

“Tornar visível o invisível” – esse é o tema da Semana Mundial dos Erros Inatos da Imunidade (EII) 2025, lembrada entre 22 e 29 de abril,  que visa apresentar histórias reais construídas a partir de doenças desconhecidas.

Diagnóstico precoce salva vidas

O diagnóstico das imunodeficiências começa com a suspeita clínica dos sintomas. A partir disso, o pediatra pode solicitar exames iniciais e encaminhar o paciente para um imunologista, como foi o caso de Davi Gabriel Camargo, de apenas 1 ano de idade.

Aos 9 dias de vida, o bebê, natural de Colombo, no Paraná, começou a apresentar aftas na boca, infecções frequentes e dificuldade para ganhar peso. Com 1 mês, passou a manifestar sintomas respiratórios e, durante uma consulta com o pediatra, foi diagnosticado com bronquiolite e encaminhado para o Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR). Aos 10 meses, o bebê foi submetido ao transplante de medula óssea [TMO] e hoje segue em acompanhamento com a equipe multiprofissional. 

Ele precisou ser internado, teve intercorrências e foi para a UTI. Quando estava se recuperando, passou a ter febre, e não conseguiam encontrar o motivo. Então, a equipe começou uma investigação maior”, conta a mãe, Tamires Aparecida Carvalho.

Depois de realizar vários exames, Davi foi diagnosticado, aos 4 meses, com deficiência do receptor de IL10, um tipo raro de imunodeficiência primária. “No início, foi muito difícil, um baque, mas fomos acolhidos e nos explicaram que ele poderia passar pelo transplante de medula óssea [TMO] para tratar a doença”, relata a mãe.

Tratamento inclui prevenção de novas infecções

Casos como o de Davi reforçam a importância do diagnóstico precoce, pois permite o início do tratamento adequado e previne complicações ou sequelas graves. Nos casos mais críticos e com indicação de transplante de medula óssea, o tempo é um fator decisivo para garantir maior sobrevida.

Mas o tratamento das imunodeficiências varia conforme o tipo e a gravidade. Pode incluir uso contínuo de antibióticos e antifúngicos, reposição de imunoglobulina, utilização de imunobiológicos e, em casos específicos, transplante de medula óssea.

A prevenção de infecções também é essencial e faz parte do tratamento. Para alguns pacientes, vacinas com organismos vivos são contraindicadas, tornando crucial que seus contatos próximos estejam devidamente imunizados. Consultas regulares, exames de rotina e adesão aos medicamentos completam o cuidado.

Falta de exames genéticos no SUS e demora no Teste do Pezinho ampliado

Ekaterini Goudouris, coordenadora do Departamento Científico de Erros Inatos da Imunidade da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (EII),explica os principais desafios para o diagnóstico precoce dos erros inatos do metabolismo no Brasil.

Enfrentamos vários problemas, e um deles é a indisponibilidade de exames genéticos no Sistema Único de Saúde (SUS). Na saúde suplementar (planos de saúde), esbarramos em uma questão burocrática, já que o imunologista, especialista que cuida dessas doenças raras, não pode solicitar muitos desses exames genéticos”, explica.

Outro ponto que preocupa os imunologistas é a demora para implementar a Triagem Neonatal Ampliada, com a inclusão do teste para detectar a imunodeficiência combinada grave (SCID). A doença necessita de diagnóstico precoce, caso contrário, o paciente vai a óbito nos primeiros anos de vida.

Em 2021, uma lei ampliou o Programa Nacional de Triagem Neonatal, abrangendo muitas doenças. A contagem dos TRECs, que permite identificar precocemente a SCID, faz parte da etapa 4 do processo de ampliação, cujo prazo é 2026.

Atualmente, no entanto, apenas São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal contam com o Teste do Pezinho ampliado e não estamos vendo um movimento nesse sentido em outros estados brasileiros”, alerta Dra. Ekaterini Goudouris.

Atenção aos 10 sinais de alerta atualizados

Os sintomas das imunodeficiências primárias se apresentam e se combinam, de acordo com o efeito que cada alteração genética causa no sistema imune. Diarreia crônica de início precoce e quadros alérgicos graves estão entre eles. “Precisamos fazer com que mais profissionais conheçam essas doenças e saibam reconhecer os sinais. O diagnóstico precoce faz toda a diferença”, reforça a imunologista.

Para facilitar a suspeita de um diagnóstico, foi criada uma lista com os 10 sinais de alerta, recentemente modificada pelo Departamento Científico de Erros Inatos da Imunidade da Asbai. Confira!

1- História familiar de erro inato da imunidade ou consanguinidade;

2- Infecções comuns ou graves com frequência aumentada para a faixa etária e/ou de curso prolongado ou não esperado e/ ou por microrganismos não usuais ou oportunistas;

3 – Diarreia crônica de início precoce;

4 – Quadros alérgicos graves;

5- Reações adversas não usuais a vacinas vivas (de vírus atenuado), como BCG, febre amarela, rotavírus, tetra viral;

6 -Características sindrômicas;

7- Déficit do crescimento;

8- Febre recorrente ou persistente, sem identificação de agente infeccioso ou malignidade;

9- Manifestações precoces e/ou combinadas de autoimunidade, em especial citopenias ou endocrinopatias;

10- Tumores malignos precoces, incomuns e/ou recorrentes.

Na Semana Mundial das Imunodeficiências Primárias, o Pequeno Príncipe, que é o maior hospital pediátrico do país, alerta para os principais sinais que podem indicar um erro inato da imunidade e também para a importância do diagnóstico precoce.

O conhecimento é a principal estratégia que temos para promover o diagnóstico precoce, pois na maioria das vezes os sinais estão ali, mas raramente são associados a uma possível imunodeficiência”, afirma a imunologista Carolina Prando, do Hospital Pequeno Príncipe.

Subdiagnóstico de doenças raras é preocupante

Uma doença é considerada rara quando afeta até 65 pessoas em um grupo de 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 pessoas para cada 2.000 indivíduos.  A maioria das doenças raras ainda não tem cura, são crônicas, progressivas e estima-se que 70 a 80% delas são ocasionadas por fatores genéticos.

O atraso no diagnóstico de pacientes com doenças raras é comum e, em grande parte, ocasionada pela baixa conscientização e reconhecimento destas condições pelos profissionais de saúde. Os pacientes passam por diversos médicos e especialistas antes de chegar ao diagnóstico, atrasando em muitos anos o tratamento adequado, o que ocasiona sequelas e, infelizmente, muitas vezes, a morte precoce.

Dra. Ekaterini comenta que como se tratam, em geral, de doenças crônicas, progressivas, degenerativas e com risco à vida, o reconhecimento precoce favorece o tratamento adequado, com impacto na evolução da doença e sua gravidade. Demonstrando, portanto, a importância do seu diagnóstico acurado e precoce.

O tratamento consiste em acompanhamento clínico, fisioterápico, fonoaudiológico, psicoterápico, entre outros, com o objetivo de aliviar os sintomas e/ou retardar seu aparecimento. Alguns erros inatos da imunidade podem ser curados por transplante de medula, que deve ser realizado o mais precocemente possível. Considerando que cerca de 80% das doenças raras são de origem genética, o aconselhamento genético é fundamental na atenção às famílias e pessoas com essas doenças.

As patologias consideradas raras de natureza imunológica podem apresentar uma grande diversidade de sinais e sintomas, com manifestações relativamente frequentes, que podem simular doenças comuns, e estes variam de doença para doença e de indivíduo para indivíduo com o mesmo diagnóstico, corroborando para o atraso do diagnóstico”, explica Ekaterini Goudouris, coordenadora do Departamento Científico de Erros Inatos da Imunidade da Asbai).

Com Assessorias

 

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