‘Adolescência’, nova série da Netflix, escancara um fenômeno silencioso: a criação de códigos próprios por jovens para se comunicarem longe do olhar dos pais. Especialista alerta para os impactos dessa linguagem paralela e propõe caminhos para restaurar o diálogo em casa. A produção traz à tona a forma como gestos, silêncios e expressões corporais podem ser vistos como sinais fundamentais de desconforto, ansiedade ou carência emocional.
O enredo acompanha Jamie Miller, um adolescente de 13 anos acusado da morte de uma colega de escola. Por trás do suspense, a produção escancara a fragilidade das relações familiares e o uso de códigos e símbolos por adolescentes para se comunicarem entre si, principalmente pelas redes sociais.
Cristiane Romano, fonoaudióloga e doutora em expressividade e comunicação, analisa o fenômeno como um reflexo direto da desconexão entre gerações. “Os jovens estão criando linguagens paralelas porque não se sentem compreendidos e acolhidos. Quando o espaço de escuta é fechado, eles constroem alternativas”, explica.
O uso de códigos, emojis e abreviações que carregam significados ocultos entre adolescentes não é novidade, mas tem ganhado contornos mais complexos com a evolução das plataformas digitais. Estudo publicado pela Journal of Adolescence (2023) identificou que mais de 60% dos adolescentes utilizam algum tipo de código em conversas online, seja para driblar filtros parentais, evitar repreensões ou criar um senso de pertencimento dentro de grupos sociais.
Expressões como “CD9” (código para “os pais estão por perto”), emojis invertidos ou combinações aparentemente inofensivas podem esconder mensagens sobre sexo, uso de drogas ou problemas emocionais. A maioria dos adultos, no entanto, desconhece esses significados. Segundo pesquisa da Common Sense Media, 74% dos pais admitem não compreender a linguagem digital dos filhos.
“Esse abismo linguístico entre gerações é uma brecha perigosa”, alerta a Dra. Cristiane. “Muitos responsáveis ainda interpretam o silêncio ou o uso excessivo do celular como ‘fase’, sem perceber que há mensagens sendo trocadas que carregam significados profundos – e, em alguns casos, alarmantes.”
O silêncio como sintoma
A comunicação velada entre adolescentes também reflete, segundo a especialista, uma lacuna emocional: a falta de espaços seguros para o diálogo em casa. “Quando um jovem sente que será julgado ou ignorado, ele vai buscar refúgio em pares – ou nas redes. O problema é que, muitas vezes, esses pares também estão perdidos”, diz Cristiane.
A negligência na escuta ativa pode configurar o que especialistas chamam de alienação comunicacional: uma forma de distanciamento emocional que, com o tempo, mina a confiança e abre espaço para rupturas familiares mais profundas. “O silêncio do filho, em muitos casos, é uma resposta à surdez afetiva do adulto”, complementa.
Como reconstruir o diálogo?
Para a Dra. Cristiane Romano, é possível reverter esse cenário a partir de três pilares: escuta ativa, alfabetização digital e expressividade emocional. A especialista propõe caminhos práticos:
- Reconfigurar o ambiente de conversa – Substituir o julgamento por curiosidade, o sermão por perguntas e o controle pelo vínculo. “Ouvir sem interromper já é um começo poderoso”, orienta.
- Buscar entender os códigos – Pais e responsáveis precisam estar dispostos a aprender a linguagem digital dos jovens. “A ignorância sobre esses códigos não protege, só isola”, afirma Cristiane.
- Fortalecer a expressividade familiar – A capacidade de nomear emoções e pensamentos precisa ser desenvolvida em casa. “Não adianta cobrar sinceridade se o espaço de fala é fechado ou punitivo.”
Implicações além das redes
O uso de linguagem codificada não é apenas um fenômeno cultural juvenil, mas também uma estratégia de proteção emocional. Contudo, quando essa comunicação passa a encobrir situações de risco – como bullying, autolesão, abuso ou exclusão social – o silêncio se torna perigoso. “É nesse ponto que o adulto precisa estar presente. Não como fiscal, mas como referência”, ressalta a Dra. Cristiane Romano.
A série Adolescência se torna, nesse contexto, mais que entretenimento: um alerta. Ela evidencia que o distanciamento não começa com o crime, mas com a falta de conversa. E que a escuta, mais do que a vigilância, pode ser a chave para prevenir crises e fortalecer vínculos.
“Adolescentes querem ser ouvidos. Quando eles falam em códigos, não estão escondendo algo, mas tentando ser compreendidos à sua maneira. Cabe ao adulto aprender a traduzir, e principalmente, a escutar”, conclui a Dra. Cristiane Romano.
O que a série ‘Adolescência’ nos ensina sobre comunicação não-verbal?
A série ‘Adolescência’ viralizou mundialmente por vários motivos, como a sequência única de gravação, sem cortes, o ator principal, estreante e brilhante, além da temática, absolutamente necessária de ser discutida e mais abordada hoje em dia. A série mergulha nos dilemas silenciosos da juventude contemporânea e convida pais e responsáveis a prestarem atenção ao que muitas vezes não é dito, mas sentido.
Por meio de cenas que capturam os conflitos emocionais e sociais enfrentados pelos adolescentes, a produção escancara a importância da comunicação não-verbal no cotidiano familiar. É o que reforça o especialista em comunicação e oratória com mais de 15 anos de estudos dedicados ao assunto, Giovanni Begossi:
A falta de diálogo direto é muito recorrente nessa fase – eu falo até por experiência própria porque fui muito introspectivo e sofri com o bullying – mas é importante observar os olhares desviados, as portas que batem e os socos na mesa ou na parede. Isso tudo entrega muito mais do que qualquer discurso”, diz.
Com uma narrativa centrada em um grupo de jovens que enfrentam desafios típicos da adolescência – como relações instáveis, bullying e o impacto das redes sociais – a série reforça o papel da escuta visual, que observa o que o corpo comunica como ferramenta essencial de cuidado.
“Ao retratar interações familiares marcadas pelo distanciamento, como é o caso do investigador com o filho e até do próprio protagonista, a produção reforça como a falta de convívio, de contato visual ou o simples fato de chamar o filho de filho podem provocar alterações emocionais ou dificuldade de expressão verbal por parte dos jovens. A leitura atenta desses sinais é importante para estabelecer vínculos com mais empatia e canais de diálogo mais efetivos”, aponta.
As redes sociais, tratadas como extensão emocional dos personagens, também podem ser reveladoras e funcionam como um novo espaço de expressão não-verbal. A ausência de publicações ou posts com frases vagas, fotos carregadas de simbolismos e interações digitais sugerem estados emocionais que escapam do convívio direto.
A série escancara como é importante não apenas observar esses sinais, mas estar disposto a compreendê-los sem julgamento. Se o adolescente não se abre, conversar com amigos é um caminho, como os emojis cheios de significados que um dos episódios mostra, adultos possivelmente vão estar por fora disso, mas podem e devem contar com a ajuda seja da escola, dos professores ou até dos amigos mesmo para se manter por dentro desse universo”, explica.
Para Giovanni, que dá treinamentos sobre os diversos tipos de linguagens em empresas de todos os segmentos e já atuou também no GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais da PM de SP), é no gesto contido ou explosivo, no silêncio prolongado e na mudança súbita de comportamento que os jovens muitas vezes pedem ajuda. “Há uma narrativa paralela à verbal e ela merece atenção. Ao ampliar o olhar sobre a adolescência além do que é dito, essa