2013, Dakota do Norte (EUA) – Craig Cobb, líder de um movimento de supremacia branca nos Estados Unidos, ficou com “cara de tacho” ao descobrir ao vivo, em um programa de TV, que 14% do seu sangue era negro. O resultado do exame de DNA gerou risos descontrolados na plateia e o deboche da apresentadora (veja aqui).
2021 – Rio de Janeiro (Brasil) – Por meio de um teste de DNA, o jornalista e ativista negro Ivan Accioly, da IAA Comunicações, confirma uma boa porção de “sangue branco” nas veias, assim como outros quatro familiares investigados em uma pesquisa genética feita pelos Correios, que promete resultados altamente confiáveis.
O exame do jornalista revelou que 68,2% da origem vem da África, sendo 43,5% de Angola, 15,1% do Norte da África, 5% de Benim e 4,5% de Uganda. A segunda contribuição é da Europa: 27,5%. Desses, 18,5% na Península Ibérica (formada por Portugal, Espanha, Andorra, Gibraltar e uma pequena porção do território da França) e 9% na Hungria. A América Central contribui com 4,3%.
Filha de Ivan, a jovem Carina Accioly tem praticamente metade de sua origem genética na África e a outra metade na Europa, com porções de sangue escandinavo e britânico. A distribuição é de 49,7% de origem na África, dos quais 20,2% no Norte da África; 19,9% em Angola; 4,7% em Uganda; 3,7% em Benim e 1,2% em Cuxitas (Sudão). Já a presença da Europa no sangue de Carina é de 47,4%, distribuída em 23,2% de Hungria; 17,9% de Península Ibérica, 3,4% de Escandinávia e 2,9% de Grã Bretanha. A América Central contribui com 2,9%.
No total, os cinco membros da família investigados – o mais velho de 68 anos e o mais novo de 10 – apresentam 18 diferentes possibilidades de origens, que passam por cinco continentes: África, Europa, América do Sul, América Central e Ásia. Na média, o percentual de DNA africano da família Accioly é igual ao da população autodeclarada negra no país: 56%.
Miscigenação é a marca do Brasil, diz pesquisadora
Os traços presentes nos exames da família de Ivan refletem uma boa parte das famílias no Rio de Janeiro. Coordenadora do projeto DNA Brasil, Lygia da Veiga Pereira, chefe do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva da Universidade de São Paulo (USP), ratifica que o perfil da família é “muito comum” na realidade brasileira.
Segundo ela, a miscigenação é uma marca do país: “Nós, brasileiros, os nossos genomas, são mosaicos de genomas com ancestralidades de diferentes populações que compuseram a nossa. Então, você vai ter europeu, africano e ameríndio, nativo americano, em diferentes proporções em cada um de nós.”
A pesquisadora afirma que o perfil das famílias brasileiras difere das famílias dos demais países pelo alto grau de miscigenação. “Se não é a mais, é uma das mais miscigenadas do mundo e, daí, o grande interesse da gente por estudar essa população”.
Ligia lembra que no Brasil é possível encontrar pessoas com ancestralidade 100% africana ou 100% europeia, porém, mais difícil encontrar alguém com 100% indígena. “Mas a maioria está entre os extremos. Há um contínuo de mistura de diferentes frações destas três ancestralidades.” Conhecer melhor esta população é parte do projeto DNA do Brasil.
Como são feitos os testes
Surgidos nos EUA em meados dos anos 80, os testes já foram bem caros. Os interessados tinham que pagar algo em torno de US$ 10 mil, num processo que era lento e podia levar meses. A partir da conclusão do sequenciamento do genoma, em 2003, e depois com a inteligência artificial, a tecnologia expandiu e hoje é tão popular, que é possível comprá-los por US$ 75 até em farmácias nos EUA. Com a tecnologia atual são analisados cerca de 700 mil pontos do DNA, que equivale a 0,01% do código genético da pessoa.
De acordo com Iuri Ventura, biólogo da Meu DNA, marca brasileira do centro de diagnósticos genéticos Mendelics e onde os testes foram feitos, é possível analisar os DNAs de até oito gerações, ou seja, os trisavós dos bisavós. O que seria, atualmente, alguém que nasceu no início do século XIX, levando em consideração uma média de 25 anos entre cada geração.
O processo atual é bem simples. Basta contratar o serviço numa das empresas especializadas e receber pelos Correios um kit de teste. Nesse kit estão um cotonete em um tubo com um pouco de líquido. A pessoa passa o cotonete na bochecha, por dentro da boca, coloca o cotonete dentro do tubo. Depois posta no Correio de volta para a empresa. Aguarda um prazo em torno de 30 dias e recebe o resultado.
Nos testes são identificados os perfis genéticos a partir de comparação com milhões de outros perfis já cadastrados em diferentes partes do mundo de indivíduos de 88 populações. São feitos, então, cruzamentos para verificar probabilidades por aproximações. Não se trata de uma pesquisa sobre ancestralidade que vá indicar quem foram os antepassados ou nem mesmo o local exato onde eles viveram, mas indicar a região onde podem ter vivido em função da concentração de outros DNAs no mesmo local.
NOTA DA REDAÇÃO DO V&A – O teste é uma boa pedida para aqueles que, em pleno século 21, ainda se consideram integrantes de uma “raça superior”. Quem sabe vai se surpreender e passar a se enxergar e enxergar o outro para além da cor da sua pele?!