Duas entre 10 adolescentes brasileiras não têm conhecimento sobre métodos para evitar a gravidez. Esta foi a principal conclusão do Projeto Adolescentes Mães, liderado pelo Hospital Moinhos de Vento, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS) do Ministério da Saúde. O projeto coletou dados de 1.177 mulheres provenientes de cinco regiões do país.

Mas, quando é hora de os pais conversarem sobre uso de métodos contraceptivos com suas filhas?

Definida como o período etário compreendido entre 10 e 19 anos completos, a adolescência representa uma fase do desenvolvimento que assinala a transição da infância para a vida adulta. Caracterizada por transformações biopsicossociais influenciadas por fatores genéticos e ambientais, essa etapa é também marcada por especificidades emocionais e comportamentais que refletem na saúde sexual e reprodutiva, tornando os adolescentes mais vulneráveis aos mesmos riscos aos quais muitos adultos estão expostos.

“Ao perceber a entrada dos filhos na puberdade, é essencial que os pais busquem entendê-los, facilitando o vínculo afetivo.  Criar um ambiente de confiança nesta fase favorece a proximidade entre pais e filhos ao iniciar a adolescência”, afirma Carlos Alberto Politano, membro da Comissão de Anticoncepção da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

O especialista enfatiza que para abordar esse tema, devemos lembrar que a construção da sexualidade se inicia desde o nascimento e é condicionada pelos caracteres biológicos e psíquicos da pessoa. A relação da criança no ambiente familiar desempenha um papel fundamental nesse processo, pois a vivência em diferentes contextos culturais e econômicos influencia a construção da sexualidade. 

Segundo ele, muitas vezes, os pais têm dificuldade em lidar com a sexualidade dos filhos, exigindo “uma revisão de preconceitos e estereótipos, bem como a compreensão das diferenças de ideias”.

“Omitir-se a conversar com o adolescente sobre anticoncepção ou oferecê-la nas situações necessárias pode ser considerado uma violação do direito da adolescente, pois ela deve sempre ser informada sobre os cuidados disponíveis para sua segurança”, alerta o médico.

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Quando o médico ginecologista pode ajudar?

O crescimento dos filhos pode gerar conflitos e tensões familiares, e os médicos no setor público e privado devem estar qualificados para compreender a jovem e a família.  Politano lembra que a Constituição brasileira, no artigo 226, assegura o direito ao planejamento familiar.

Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069, de 13-07-90) aborda questões relevantes relacionadas ao atendimento de adolescentes que buscam métodos contraceptivos, com base nos direitos à privacidade e à confidencialidade. 

“A adolescente tem direito à privacidade, ou seja, de ser atendida sozinha, em um espaço privado de consulta. Dessa forma, o médico poderá discutir qual método é ideal para aquela adolescente, sempre informando que todos os métodos, quando não utilizados corretamente, têm uma eficácia reduzida”, esclarece.

No contexto dessas mudanças de vida, a transição do pediatra para o ginecologista é uma análise individual. A conscientização da família sobre essa realidade é fundamental, pois ainda persiste a associação entre o início das visitas periódicas ao ginecologista e o início da atividade sexual, entendimento que vai contra a prevenção da gravidez na adolescência.

Médico pode esclarecer sobre os riscos da gravidez na adolescência

“É sempre importante informar sobre a maior ocorrência de complicações, como abortamento, diabetes gestacional, parto prematuro e depressão pós-parto, que podem impactar na formação educacional, com um alto índice de abandono ou interrupção dos estudos“, afirma o médico.

Esses riscos estão relacionados à idade da adolescente (maior risco em adolescentes com menos de 15 anos), ao nível socioeconômico da adolescente (maior risco em contextos mais desfavorecidos e com menor rede de suporte), ao acesso aos serviços de saúde e à condição de saúde da adolescente (podendo haver doenças que impossibilitem o uso de alguns métodos)

Para Politano, no entanto, a educação sexual deve abranger não só a família, como médicos, sistemas de saúde público e privado e também as escolas, inclusive por meio de campanhas educativas.

“Estudos escolares indicam um déficit de conhecimento entre adolescentes sobre temas, especialmente a anatomia e fisiologia dos órgãos reprodutores. Durante práticas educativas, os métodos mais abordados foram a camisinha masculina e a pílula anticoncepcional. Jogos educativos, como memória, dominó e quiz, devem integrar programas de educação sexual regulares nas escolas”, enfatiza.

Quando os médicos podem prescrever anticoncepcionais para as meninas?

Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, regulamentada pela Lei 13.798/2019, tem como propósito fortalecer iniciativas que visam contribuir para a diminuição da incidência de gravidez entre os adolescentes.

A Sociedade de Pediatria Brasileira (SBP), em parceria com a Febrasgo, elaborou um documento que destaca que a prescrição de métodos anticoncepcionais deve levar em conta a solicitação dos adolescentes, respeitando os critérios médicos de elegibilidade, independentemente da idade.

A orientação contraceptiva envolvendo métodos de curta duração, como contraceptivos orais, geralmente é realizada sem problemas seguindo esses preceitos. Quando o método escolhido são os métodos de longa ação (dispositivos intrauterinos e implantes), que requerem procedimento médico para a inserção, sugere-se considerar o termo de consentimento esclarecido da adolescente e do responsável. 

“A recomendação para prevenção requer políticas de saúde governamentais, acesso a métodos contraceptivos, com fornecimento gratuito, e capacitar médicos para o atendimento a adolescentes. Não podemos pensar apenas na semana e sim dedicar todos os dias no atendimento qualificado a adolescentes, com ferramentas efetivas que contribuam para redução da taxa de gravidez”, destaca o médico.

Benefícios e efeitos colaterais do uso de contraceptivos

A redução da gravidez não programada e não desejada, que no Brasil apresenta taxas superiores a 60%, está entre os principais benefícios dos contraceptivos hormonais. 

A contracepção hormonal tem ações tanto contraceptivas quanto não contraceptivas, sendo este último representado pelo método anticoncepcional mais utilizado em todo o mundo. Estima-se que 100 milhões de mulheres utilizem esse método, caracterizado por sua elevada eficácia.

Desde sua introdução no mercado em 1960, os contraceptivos hormonais passaram por uma rápida evolução farmacológica, abordando especialmente a redução da dose, novas formulações com estrogênios naturais e a síntese de novos progestagênios, resultando em aumento dos benefícios e diminuição dos efeitos colaterais.

Eventos adversos podem ser observados, representando o principal motivo para o abandono do método e podendo ser até duas vezes mais frequentes do que em não usuárias. Os principais efeitos, em ordem de importância, incluem náuseas, sangramento inesperado, mastalgia, cefaléia, ganho de peso e acne.

Quanto aos efeitos benéficos não contraceptivos, dependendo do tipo de contracepção hormonal, destacam-se o controle de sintomas nos casos de Síndrome dos Ovários Policísticos, redução dos sintomas de TPM, controle clínico da dismenorreia, tratamento de endometriose, redução do fluxo menstrual e regularização do ciclo menstrual. 

Prevenção de ISTs também por sexo anal e brinquedos sexuais

Ainda de acordo com o médico, é importante manter os adolescentes esclarecidos não somente em relação aos riscos de uma gravidez precoce e indesejada, mas também para as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs).

“No passado, quando se tratava de ISTs, a discussão era centrada em sexo vaginal e oral. Posteriormente, passamos a lidar mais frequentemente com a realidade do sexo anal. Mais recentemente, podemos deixar de abordar o tema dos “brinquedos sexuais”, que, quando usados inadequadamente, representam um meio de adquirir ISTs”, afirma o médico.

Segundo ele, este assunto é de extrema importância na cadeia de transmissão, porém. é frequentemente negligenciado por adolescentes que não acreditam nessa forma de contaminação.

 

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