Enquanto empresas e governos do mundo inteiro correm contra o tempo em busca de uma vacina contra o novo coronavírus, cerca de 20 estudos estão em andamento, em diversas partes do mundo, para encontrar a cura para o vírus SARS-CoV-2. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), algumas opções terapêuticas podem ser utilizadas e são disponíveis na nossa rede de saúde, como é o caso do plasma hiperimune, obtido a partir de indivíduos que estiveram doentes e se curaram da Covid-19 e que apresentam anticorpos contra o vírus.
No dia 24 de março, a FDA, órgão governamental que regula o uso de medicamentos nos Estados Unidos, emitiu diretrizes para a utilização dessa terapia em quadros graves de Covid-19. Uma dessas pesquisas é realizada pela Mayo Clinic, nos Estados Unidos. A clínica anunciou esta semana que os indicadores iniciais sugerem que o plasma convalescente em estudo é seguro para o tratamento de pacientes com Covid–19 gravemente doentes, segundo os dados de segurança informados sobre os primeiros 5.000 pacientes hospitalizados que receberam transfusão desse material.
A investigação faz parte do Programa de acesso expandido para Covid–19 da FDA (Food and Drug Administration) dos EUA. Nesse momento, o plasma convalescente é a única terapia baseada em anticorpos disponível para Covid–19. O relatório avaliou os primeiros sete dias após o recebimento da transfusão em pacientes em estado grave ou risco de vida, ou aqueles considerados com alto risco de desenvolver o quadro grave da doença ou sofrer risco de vida.
O protocolo da pesquisa define o estado grave ou de risco de vida como a presença de falta de ar, diminuição da saturação de oxigênio no sangue, insuficiência respiratória, choque séptico e disfunção ou falência múltipla de órgãos.
Sessenta e seis por cento dos pacientes estavam em uma UTI e quase 20% apresentavam o diagnóstico de disfunção ou falência múltipla de órgãos. É importante destacar que os relatos de eventos adversos graves relacionados à transfusão de plasma foram inferiores a 1%.
Os pacientes receberam plasma entre 3 de abril e 3 de maio. A incidência de mortalidade em sete dias foi de 14,9%. Os pesquisadores observaram que, embora o estudo não tenha sido projetado para avaliar a eficácia do plasma convalescente, uma incidência de mortalidade de 14,9% nessa quantidade de pacientes em sete dias indica “ausência de sinais de toxicidade além do esperado no uso do plasma em pacientes gravemente doentes”.
Os próximos passos serão coletar e revisar mais dados de segurança e continuar os estudos para determinar a eficácia da intervenção. Esse é apenas o começo do processo da elaboração do relatório. Estamos otimistas, mas devemos nos manter objetivos ao avaliar a quantidade cada vez maior de dados dos pacientes”, afirma Michael Joyner, M.D., líder do programa de acesso expandido da Mayo Clinic.
É importante notar que este é um relatório de segurança e não fornece nenhum resultado sobre a eficácia do plasma convalescente no tratamento da Covid–19. Além disso, o Programa de acesso expandido está em andamento e os dados ainda estão sendo coletados. Este não é um estudo clínico. Não há braço de controle (por exemplo, um grupo de pacientes que não recebe intervenção médica).
No entanto, dada a natureza mortal da Covid–19 e a grande população de pacientes em estado crítico incluídos no estudo, a taxa de mortalidade não parece exagerada, afirmam os pesquisadores.
O programa de plasma convalescente na Mayo Clinic nasceu de uma iniciativa norte-americana de médicos e pesquisadores de 40 instituições que se auto-organizaram para investigar o uso do plasma convalescente durante a pandemia da Covid–19.
Essas instituições incluem a Mayo Clinic, Johns Hopkins University, Washington University, Albert Einstein College of Medicine, Icahn School of Medicine do Mount Sinai Hospital, Michigan State University e muitos outros centros médicos acadêmicos e agências do governo unidos na busca por estabelecer um programa nacional para mudar o curso da doença. O número atual de pacientes inscritos pode ser encontrado no site uscovidplasma.org.
Associação no Brasil também estimula estudo
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde autorizam a utilização desse plasma de doadores convalescentes para o tratamento de pacientes graves acometidos pela Covid-19. A Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) também busca auxiliar no combate à pandemia e, em documento técnico publicado em seu site, estimula o recrutamento de doadores de plasma convalescente de Covid-19 para possível utilização dessa terapia em pacientes graves acometidos pela doença.
Presidente da ABHH, o hematologista e hemoterapeuta Dante Langhi explica que o número de doadores convalescentes, que se curaram da doença, é cada vez maior e, por isso, afirma que a ABHH se posiciona favoravelmente, dentro das possibilidades técnicas, quanto ao uso do plasma hiperimune no tratamento de pacientes graves acometidos pela Covid-19.
Ainda não é possível afirmar com absoluta certeza que a terapia de coleta do plasma convalescente seja totalmente eficaz para o combate ao vírus. Porém, há evidências na literatura médica de que ela pode baixar a taxa de mortalidade. Não são estudos conclusivos, mas que dispõem de um grau de confiança”, afirma Dante Langhi.
O procedimento consiste na transfusão do plasma (a parte líquida do sangue) retirado de um paciente convalescente para um indivíduo doente em estado grave. “O que se espera é que os anticorpos presentes neste plasma combatam o vírus, auxiliando na cura desses pacientes”, afirma o presidente da ABHH.
A coleta do plasma convalescente pode ser realizada em pacientes que foram confirmadamente infectados pelo vírus SARS-CoV-2 e que estejam assintomáticos há 14 dias. Estes ainda devem atender aos critérios técnicos de aceitação para doação de sangue e que apresentem exame (PCR) de detecção do vírus negativo. Ele explica que a infusão do material sanguíneo em pacientes em estado crítico acometidos pela Covid-19 somente está autorizada pela Anvisa por especialistas.
Esta não será a primeira vez que a prática será adotada em casos de epidemias por doenças infecciosas. O uso do chamado plasma convalescente já foi avaliado em outras situações semelhantes, como na epidemia por SARS, em Hong Kong; no tratamento de pacientes infectados com Ebola; na Síndrome de Infecção Respiratória por Coronavírus, do Oriente Médio; e na pandemia pelo Influenza H1N1.
Viagens gratuitas para pessoas curadas doarem plasma
A medida faz parte do compromisso anunciado pelo CEO da Uber, Dara Khosrowshahi, de fornecer em todo o mundo 10 milhões de viagens e entregas de alimentos gratuitas para profissionais de saúde, idosos e pessoas em necessidade durante a pandemia.