A conta não fecha. As operadoras de planos de saúde no Brasil deram lucro de R$ 3 bilhões nos três primeiros meses do ano, sendo que R$ 1,9 bilhão foram de resultado operacional, quando se excluem as operações financeiras. No entanto, cresce a cada dia o número de usuários de planos de saúde que precisam recorrer à Justiça porque estão tendo seus contratos cancelados, de forma unilateral, por parte das empresas. O fato tem gerado uma onda de protestos em todo o país e levou à abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

É a primeira CPI do país com esta finalidade de investigar os cancelamentos unilaterais e outras arbitrariedades cometidas pelos planos de saúde, sobretudo com Pessoas com Deficiência (PcDs), com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e com doenças raras. Nesta sexta-feira (28), na terceira reunião do colegiado – a primeira com oitivas – foram convocados porta-vozes das entidades que representam as operadoras. Durante o encontro, representantes da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) e da Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) apresentaram números do setor no primeiro trimestre de 2024.

 

A Abramge, que representa 140 principais operadoras do setor, alega que este foi o primeiro de 10 trimestres em que o setor fechou positivo e que “o setor está passando por um movimento de crise que desafia a sustentabilidade a longo prazo”. O diretor executivo Marcos Novais disse que cerca de um terço das empresas – 238 das 676 operadoras nacionais -, fecharam o período no negativo e vêm enfrentando dificuldades para honrar o compromisso de fornecer tratamentos de alto custo. Além disso, 1,7 milhão de beneficiários deixaram os planos no ano passado, por diferentes motivos.

A maioria dessas pessoas deixa o plano por preço e renda e muitas migram de plano. Temos que fazer com que permaneçam. Precisamos também discutir soluções estruturais para que a gente consiga ter planos de saúde cada vez mais sustentáveis e que atendam ao brasileiro”, salientou Novais.

Ele também disse que é necessário rever os preços das tecnologias e medicamentos. Segundo dados expostos pelo diretor, 379 planos de saúde brasileiros faturam menos de R$ 7 milhões por mês, valor insuficiente para pagar a aplicação dos medicamentos mais caros – como é o caso do Zolgensma, para Atrofia Muscular Espinhal (AME), que chega a custar R$ 10 milhões. Segundo ele, uma nova medicação para a distrofia muscular de Duchenne deverá suplantar o medicação, chegando a custar R$ 16 milhões.

O diretor da Abramge disse que as empresas não têm conseguido acompanhar o ritmo de incorporações de novas tecnologias que são feitas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), após aprovação na Conitec – Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com Marcos Novais, hoje em dia, uma nova medicação é aprovada em menos de 6 meses, obrigando as operadoras.

Ele também se queixou do volume de terapias para transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo, que os planos passaram a ter que custear até 30 ou 40 sessões por mês. O executivo ainda lembrou que o plano de saúde é o terceiro item mais desejado pela população. Por ano, são 1.8 bilhão de atendimentos no pais. A cada minuto, 2,1 mil exames são realizados, ocorrem 17 internações hospitalares, 7 cirurgias e 3 sessões de quimioterapia.

CPI cobra soluções para desligamentos unilaterais

As informações fornecidas na CPI, entretanto, não atenderam à expectativa dos deputados, que bateram pesado no diretor da Abramge, cobrando informações mais robustas quanto aos lucros dos planos de saúde e dos motivos dos desligamentos dos segurados.

O presidente da CPI, deputado Fred Pacheco (PMN), reclamou que só foram apresentados dados gerais do setor. O parlamentar solicitou detalhadamente a relação dos planos de saúde que estão obtendo lucros e os que estão tendo prejuízos. Também foram solicitados os motivos detalhados dos cancelamentos dos planos, se foi unilateral pelas empresas ou a pedido dos segurados, bem como o perfil das pessoas que deixaram de ser seguradas.

Iniciamos um processo complexo. As informações dos representantes não atenderam às nossas expectativas. Como presidente, dei um prazo maior para que as informações concretas cheguem até nós. Queremos saber quais empresas dão lucro, os motivos dos cancelamentos. Muitas lacunas estão faltando, precisamos dos detalhamentos de cada um dos planos de saúde para separar as empresas que estão trabalhando certo das que não estão. O objetivo é traçarmos um plano de ação efetivo para que os problemas sejam sanados”, afirmou o parlamentar.

Plano cancelado até de paciente com home care

Em 28 de maio deste ano, o presidente da Câmara Federal, Artur Lira, selou um acordo com as operadoras de saúde para suspender os cancelamentos dos planos de pessoas com deficiência e idosos. Na CPI da Alerj, Hellen Hamuri Miyamoto, superintendente de avaliação tecnológica em saúde e cobertura assistencial da Fenasaúde, informou aos parlamentares que os associados do órgão estão comprometidos com o acordo e vão realizar a revisão dos cancelamentos ocorridos em planos de pessoas com deficiência, com autismo e doenças raras.

Entretanto, de acordo com o presidente da CPI, deputado Fred Pacheco (PMN), há casos em que pacientes em home care tiveram aparelhos desligados e retirados pelas empresas, gerando processos na Justiça, mesmo após o prazo acordado. Ele cobrou soluções para que usuários não tenham seus contratos cancelados de forma unilateral, obrigando-os, muitas vezes, a contratar planos duas ou três vezes mais caros para dar continuidade a seus tratamentos.

Presente na reunião, Fabiane Simão, mãe do Daniel, de 9 anos, que tem paralisia cerebral e autismo, disse que o filho teve o plano da Amil One cancelado no dia 17 de junho, mesmo após o acordo nacional. A família recorreu à justiça e conseguiu uma liminar favorável, que também não foi respeitada pelo convênio que persistiu na quebra de contrato. Além das terapias semanais, Fabiane contouque o filho utiliza o serviço de home care e que a operadora a notificou, exigindo a retirada dos aparelhos.

Quando recebi a notícia da retirada do home care do meu filho, eu senti um misto de desespero e impotência. Afinal, o que fazer se eles não cumprem nem mesmo uma sentença judicial? Por isso, essa CPI é um alento, sinto uma ponta de esperança de solucionar essas ações criminosas. Espero que a Comissão sirva não só para que os nossos casos sejam resolvidos, mas também para impedir que outras mães no futuro passem pelo que passamos hoje”, relatou Fabiane.

ANS vai monitorar planos de pessoas com TEA

Representante da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a diretora-adjunta de Normas e Habilitação de Produtos, Carla de Figueiredo Soares, disse que a entidade não tem como avaliar as condições dos pacientes estão sendo desligados pelas operadoras porque o Conselho Federal de Medicina (CFM) entrou na Justiça impedindo que tenha acesso aos números do CID (Códígo Internacional de Doenças) dos usuários atendidos pelos planos. Apesar disso, ela anunciou que a ANS passará a monitorar os casos de pacientes com TEA.

Os parlamentares exigiram do órgão uma regulamentação sobre os planos de saúde coletivos por adesão, ou seja, aqueles que são contratados por pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial para seus vinculados (associados ou sindicalizados, por exemplo), junto a uma empresa administradora de benefícios, como a Qualicorp. Por força contratual, esse tipo de plano é o que mais tem cancelamento, já que a operadora pode extinguir o contrato com o órgão que não for rentável.

Membro da CPI, o deputado Munir Neto (PSD) lembrou que foi secretário municipal de Assistência Social por 15 anos em Volta Redonda e hoje está à frente da Comissão de Assuntos da Criança, do Adolescente e da Pessoa Idosa e da Frente Parlamentar das Pessoas com Doenças Raras da Alerj, além de compor a Comissão da Pessoa com Deficiência e a Frente Parlamentar do Autismo.

Nunca recebi tanta reclamação e tanta falta de sensibilidade em desligar idosos, PcDs e raros, sem nenhuma justificativa. Precisamos buscar uma solução que atenda a essa população. O sofrimento é muito grande e os planos têm que atender”, disse.

José Luiz T da Silva, assessor jurídico da União Nacional de Autogestão em Saúde (Unidas), explicou que não há cancelamento de planos de forma unilateral por parte de suas associadas, o que pode ocorrer é perda de elegibilidade do usuário (porque perdeu o emprego em determinada empresa, por exemplo) ou por extinção da autogestora. Segundo ele, nesta modalidade, as empresas não visam lucro e são muitas vezes administradas pelos próprios usuários.

Prazo para informações até dia 22 de julho

As associações que representam os planos de saúde terão até o próximo dia 22 de julho para entregarem as informações solicitadas ao colegiado. Todos os presentes se comprometeram a entregar as informações no prazo. As associações voltarão a ser ouvidas na próxima reunião do colegiado, na volta do recesso parlamentar, no dia 8 de agosto, uma quinta-feira. Também serão convocados a prestar depoimento na CPI entidades como a Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab) e outras operadoras com presença no Rio, como a KliniSaúde.

Foram ainda incluídos na lista de convidados da CPI o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e órgãos de defesa do consumidor como Idec, Protest e Decon, além da ONG Nenhum Direito a Menos e representantes de entidades que reúnem pacientes, como Autista com Dignidade, Comissão Nacional de Direitos dos Autistas da ABA (Associação Brasileira de Advogados) e a Abaddison – Associação Brasileira Addsoniana.

Também estiveram presentes na reunião da CPI os deputados Júlio Rocha (Agir) e Carla Machado (PT) – respectivamente relator e vice-presidente da comissão – e outros deputados membros do colegiado, como Martha Rocha (PDT), Elika Takimoto (PT),  Marcelo Dino (União), Tia Ju (Rep), Rodrigo Amorim (União)) e Thiago Gagliasso (PL).

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