Você sabe o que são as chamadas doenças raras? Muitas pessoas desconhecem este grupo de doenças que apresentam sintomas diversos e atingem mais de 300 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, mais de 13 milhões de pessoas são afetadas por doenças raras, que podem variar desde uma Leucemia Mieloide Crônica, geralmente em crianças e adolescentes, até a Doença de Crohn.

Para criar conscientização e promover mudanças significativas na vida dessas milhares de pessoas, a Organização Europeia de Doenças Raras instituiu o último dia do mês de fevereiro como o Dia Mundial de Doenças Raras. Mas ainda falta muito para que essas patologias possam ser compreendidas pela população e pelos próprios profissionais de saúde.

Apesar de a maioria ter origem genética, essas patologias – geralmente de difícil diagnóstico e tratamento custoso – podem se manifestar apenas anos ou décadas depois. Foi o que aconteceu com Maria Clara Marques Bacci, de 74 anos, que precisou da ajuda da Inteligência Artificial para identificar, apenas em 2023, que tem doença de Fabry.

Essa enfermidade rara e progressiva é caracterizada pelo acúmulo de um tipo de gordura no organismo (chamados glicoesfingolipídios), levando a sintomas graves e sistêmicos no coração, sistema nervoso e nos rins. Por se tratar de uma condição genética ligada ao cromossomo X, a maior parte dos pacientes diagnosticados com doença de Fabry são homens.

Assim, estima-se que a doença ocorre em uma a cada 40 mil a 60 mil pessoas do sexo masculino e seu diagnóstico pode ser demorado por atingir diversos órgãos. De acordo com o Relatório de Recomendação da Conitec, do Ministério da Saúde, o número de pessoas com doença de Fabry no Brasil registradas em um banco de dados internacional até novembro de 2019 era de 294. Já um levantamento do Instituto Vidas Raras apontou para a existência de 853 casos diagnosticados em 2017. Porém, estima-se que esse número está subdiagnosticado.

‘Os exames no Brasil eram muito caros’, diz paciente de 74 anos

Ela conta que sentia muitos sintomas desde pequena, mas quando cresceu, os problemas se agravaram. “Na vida adulta minha saúde piorou muito, com dores em diversas partes do corpo, mas nunca imaginei que poderia ser algo além de alguma doença comum”, afirma Maria Clara.

Ela diz que apenas suspeitou ser algo mais sério após seu filho, que mora nos EUA, identificar em um teste genético que poderia ter a doença de Fabry. “Por muito tempo buscamos informações sobre como descobrir isso aqui no Brasil, mas os exames eram muito caros. Além disso, não havia muita informação na Internet”, completa.

O desenvolvimento de tecnologias que utilizam machine learning e inteligência artificial tem auxiliado pacientes e profissionais de saúde na identificação ainda em fase inicial dessas doenças. Foi dessa forma que Maria Clara conseguiu enfim diagnosticar ter a doença de Fabry, após encontrar uma plataforma de avaliação gratuita. 

A Saventic Health, uma empresa polonesa de tecnologia desenvolve algoritmos de inteligência artificial para acelerar o diagnóstico de doenças raras, e disponibiliza gratuitamente uma plataforma para que pessoas com algum sintoma ou limitação, ainda sem diagnóstico, possam realizar uma avaliação. Na plataforma, é possível encontrar uma descrição dos sintomas, causas e procedimentos disponíveis para as doenças. Os interessados podem acessar o serviço pelo site.

Como funciona a plataforma de diagnóstico?

 

“Com base nas informações compartilhadas pelo paciente e na análise gerada pelo algoritmo, uma equipe médica, composta por clínicos gerais, imunologistas, geneticistas, entre outras especialidades, irá analisar cada caso individualmente. Havendo médio ou alto risco de doenças raras, podemos encaminhar o paciente para a realização de exames ou para um centro de referência, a depender da suspeita”, explica afirma Szymon Piatkowski, fundador e CEO da Saventic Health.

Eli Mansur, médico especialista em doenças imunológicas e alérgicas da Unicamp, explica que várias doenças raras podem ser descobertas depois da infância. Um exemplo é o angioedema hereditário (inchaço indolor sob a pele, desencadeado por uma alergia a pêlos de animais, medicamentos, alimentos). “A pessoa nasce com a alteração genética, mas pode ficar, por toda a infância por exemplo, sem ter manifestado crises, e estes podem aparecer mais tardiamente, às vezes até na idade adulta”, conta.

Segundo ele, pacientes com doenças raras sofrem de um atraso considerável no diagnóstico por conta de algumas variáveis. “Algumas doenças raras podem ter sobreposição de manifestações clínicas e laboratoriais entre elas, como também com outras doenças mais comuns. Outro aspecto é o desconhecimento da maioria dessas doenças, pelos profissionais e pela população, tornando ainda mais difícil a identificação”, completa.

“A maioria das doenças raras não tem cura, mas possui tratamentos que ajudam a controlar os sintomas, oferecendo maior qualidade de vida ao paciente”, completa Szymon Piatkowski.

Nova medicação para Doença de Fabry nos planos de saúde e SUS

Uma boa notícia para quem tem Fabry, como Maria Clara. Em breve os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) poderão ter acesso à Beta-agalsidase, uma terapia para tratar a forma clássica da doença.

O medicamento produzido pela Sanofi, sob o nome comercial de Fabrazyme, foi aprovado no dia 23 de janeiro pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec). Segundo o fabricante, o medicamento é indicado para o tratamento de longo prazo da reposição enzimática em pacientes adultos e crianças acima de 8 anos.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) acompanhou a decisão da Conitec e, já a partir desta terça-feira (5 de março), os planos de saúde passam a ter que oferecer a medicação. A decisão foi tomada no último dia 26 de fevereiro, pelo colegiado que avalia a incorporação de novos tratamentos ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.

De acordo com a Lei 14.307/2022, após a recomendação positiva de inclusão na rede pública de saúde pela Conitec, ela deve ser incluída no Rol da ANS. Foi o que ocorreu com a Beta-agalsidase, que passa a ter cobertura obrigatória na saúde suplementar, de acordo com as diretrizes de utilização.

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS conta com tecnologias disponíveis aos beneficiários entre terapias, exames, procedimentos e cirurgias, atendendo às doenças listadas na Classificação internacional de Doenças (CID)da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Para a geneticista Ana Maria Martins, professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo e diretora de Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo da Unifesp, esta aprovação representa um importante marco na ampliação do arsenal terapêutico no SUS.

“Essa inclusão garante o acesso às novas opções de tratamento de reposição enzimática para suprir a falta da enzima α-galactosidase A, que possibilitam uma abordagem individualizada no tratamento, de acordo com as condições de cada paciente”, diz a especialista em genética clínica pela Sociedade Brasileira de Genética Médica.

Doença pode causar arritmias, AVC e insuficiência renal e levar à morte

doença de Fabry (DF) é uma condição hereditária rara, transmitida entre gerações de uma mesma família (de pais para filhos) e de difícil diagnóstico. Ela é caracterizada pela deficiência total ou parcial da enzima alfa-galactosidase, responsável por eliminar toxinas das células, resultando no acúmulo de gordura nos lisossomos.

Os sintomas da doença são decorrentes desse acúmulo de gordura, chamada de globotriaosilceramida das células, resultando no seu acúmulo nos lisossomos que, a longo prazo, leva a um processo inflamatório e de dano tecidual pode comprometer órgãos alvos como coração, rins e cérebro.

Os sintomas podem incluir crises intensas de dor, queimação nos pés e mãos, sensação periférica prejudicada (diminuição ou perda das sensações em partes do corpo), intolerância a atividades físicas, ausência de suor, dores abdominais com diarreia ou constipação frequente, febre recorrente e inchaços pelo corpo.

O diagnóstico precoce permite aos médicos manejar os sintomas e evitar consequências irreversíveis como a doença renal crônica, insuficiência renal, arritmias e Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou derrames. Na DF as complicações podem ser graves, causando falência de órgãos-alvo, o que pode levar o paciente à morte.

Fabry pode ser confundida com lúpus, artrite reumatoide e esclerose múltipla

A doença pode ser confundida com outras doenças, como lúpus, artrite reumatoide e esclerose múltipla. Por isso, o diagnóstico precoce é fundamental para o início adequado do tratamento, prevenindo a progressão da doença e aumentando a perspectiva de qualidade de vida.

De acordo com a geneticista Ana Lúcia Maria Martins, o tempo até diagnóstico é fundamental para o início do tratamento precoce. Porém, há um atraso no diagnóstico por causa da semelhança dos sintomas de Fabry com outras condições, além da falta de conhecimento sobre a doença, inclusive dos profissionais de saúde.

“Na faculdade de medicina não se ensina sobre doenças raras, o foco está nas doenças frequentes – a jornada do paciente até o diagnóstico correto pode ser longa, com relatos de mais de duas décadas de demora”, comenta a geneticista.

Segundo ela, para fechar o diagnóstico, é necessário um exame específico que normalmente não é solicitado se o profissional de saúde não pensar em Fabry – a dosagem da atividade enzimática da alfa-galactosidase A. “Se ela estiver abaixo do valor de referência, indica que há deficiência enzimática e consequente acúmulo de gordura nas células i”, explica.

Além disso, normalmente é realizada a investigação genética para avaliação do gene GLA, responsável pela produção da enzima alfa-galactosidase A, além de exames para avaliar a atividade da doença, como o biomarcador Liso-Gb3, e o comprometimento de órgãos alvo, como rins, coração e cérebro.

“É crucial aumentar a conscientização sobre essa doença entre pacientes, cuidadores e profissionais de saúde, para promover um diagnóstico mais ágil e preciso e assim melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados. Tão importante quanto, é garantir que os pacientes tenham acesso ao tratamento adequado”, ressalta a médica.

Outra medicação exclusiva para adultos também pode chegar ao Brasil

Mais uma opção para o tratamento da doença de Fabry em pacientes adultos foi aprovada em agosto do ano passado nos Estados Unidos e na Europa, mas não há prazo para chegar ao mercado brasileiro. É o Elfabrio (alfapegunigalsidase), produzido pelo grupo biofarmacêutico Chiesi, em parceria com a Protalix BioTherapeutics.

A medicação foi validada pela Food and Drug Administration (FDA), agência de saúde regulatória dos EUA, e a European Commission, órgão responsável pelo registro, com base na avaliação e recomendação da agência de saúde local (European Medicines Agency/EMA).

O tratamento é reposição da enzima alfa-galactosidade A humana, produzida através da tecnologia de DNA recombinante em células vegetai. Devido à mutação no cromossomo X, essa enzima deixa de ser produzida adequadamente ou passa a ser produzida em quantidades insuficientes, levando ao acúmulo de Gb3, afetando, principalmente, vasos sanguíneos, rins, coração e sistema nervoso. 

O estudo clínico foi realizado com mais de 140 pacientes com até 7,5 anos de tratamento avaliou pessoas que nunca tinham passado por terapia semelhante e por pacientes já tratados com a reposição das enzimas.

Para Giacomo Chiesi, Head da Divisão de Doenças Raras da Chiesi, as pessoas que vivem com essa condição geralmente a encaram como um fardo pesado e ainda lidam com necessidades médicas não atendidas. “Acredito que esse seja um ingrediente vital para trazer inovação para a vida real dos pacientes, proporcionar esperança e disponibilizar soluções definitivas e integradas”, celebra Giacomo.

  • Com Assessorias
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