Cinquenta milhões de pessoas viviam em situação de escravidão moderna em 2021, dentre elas, 28 milhões realizavam trabalhos forçados e 22 milhões estavam presas em casamentos forçados. É o que apontam as mais recentes estimativas mundiais compiladas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em parceria com a Walk Free e a Organização Internacional para as Migrações (OIM).
O relatório “Global Estimates of Modern Slavery” (disponível apenas em inglês), publicado nesta segunda-feira (12), mostra que o número de pessoas em situação de escravidão moderna aumentou consideravelmente nos últimos cinco anos. No ano passado, 10 milhões de pessoas a mais estavam nesta situação, em comparação com as estimativas globais de 2016. Mulheres e crianças continuam sendo desproporcionalmente as mais vulneráveis.
A escravidão moderna, conforme definida no relatório, consiste em dois componentes principais: trabalho forçado e casamento forçado. Ambos se referem a situações de exploração nas quais uma pessoa não pode recusar ou deixar devido a ameaças, violência, coerção, engano ou abuso de poder.
Trabalho forçado, conforme definido na Convenção da OIT, 1930 (nº 29) , refere-se a “todo trabalho ou serviço que é exigido de qualquer pessoa sob a ameaça de qualquer penalidade e para o qual essa pessoa não se voluntaria. A “economia privada” inclui todas as formas de trabalho forçado, exceto o trabalho forçado imposto pelo Estado.
Escravidão moderna além das fronteiras
A escravidão moderna está presente em quase todos os países do mundo e atravessa fronteiras étnicas, culturais e religiosas. Mais da metade (52%) de todos os casos de trabalho forçado e um quarto de todos os casamentos forçados ocorrem em países de rendas média alta ou alta.
A maioria dos casos de trabalho forçado (86%) ocorre no setor privado. O trabalho forçado em outros setores que não o da exploração sexual comercial representa 63% de todo o trabalho forçado, enquanto a exploração sexual comercial forçada representa 23% de todo o trabalho forçado. Quase quatro em cada cinco vítimas de exploração sexual comercial forçada são mulheres ou meninas.
O trabalho forçado imposto pelo Estado representa 14% das pessoas submetidas ao trabalho forçado. Quase uma em cada oito pessoas que realizavam trabalhos forçados é criança (3,3 milhões). Mais da metade delas é vítima de exploração sexual comercial.
Trabalhadores migrantes têm mais de três vezes mais probabilidade de estar em trabalho forçado do que trabalhadores adultos não-migrantes. Embora a migração laboral tenha um efeito amplamente positivo sobre as pessoas, famílias, comunidades e sociedades, esta descoberta demonstra como as pessoas migrantes são particularmente vulneráveis ao trabalho forçado e ao tráfico de pessoas, seja devido à imigração irregular ou mal governada ou a práticas de recrutamento injustas e antiéticas.
22 milhões vivem em casamentos forçados
Estima-se que 22 milhões de pessoas viviam em um casamento forçado em um algum dia de 2021. Isso indica um aumento de 6,6 milhões em relação às estimativas globais de 2016.
A verdadeira incidência de casamentos forçados, particularmente aqueles envolvendo crianças de 16 anos ou menos, é provavelmente muito maior do que as estimativas atuais podem capturar; estes são baseados em uma definição restrita e não incluem todos os casamentos infantis. Os casamentos infantis são considerados forçados porque a criança não pode consentir legalmente com o casamento.
O casamento forçado está intimamente ligado a atitudes e práticas patriarcais há muito arraigadas e depende em grande medida do contexto. A esmagadora maioria dos casamentos forçados (mais de 85%) foi impulsionada pela pressão familiar. Embora dois terços (65%) dos casamentos sejam encontrados na Ásia e no Pacífico, quando o tamanho da população regional é considerado, a prevalência é mais alta nos Estados Árabes, com 4,8 pessoas em cada mil na região em situação de casamento forçado.
Violação aos direitos humanos
“É chocante que a situação da escravidão moderna não esteja melhorando. Nada pode justificar a persistência dessa violação fundamental dos direitos humanos”, disse o diretor-geral da OIT, Guy Ryder. “Sabemos o que precisa ser feito e sabemos que pode ser feito. Políticas e regulamentações nacionais eficazes são fundamentais. Mas os governos não podem fazer isso sozinhos. As normas internacionais fornecem uma base sólida e é necessária uma abordagem que inclua todas as partes. Sindicatos, organizações de empregadores, sociedade civil e pessoas comuns têm um papel vital a desempenhar.”
O diretor-geral da OIM, António Vitorino, afirmou: “Este relatório destaca a urgência de garantir que toda a migração seja segura, ordenada e regular. A redução da vulnerabilidade das pessoas migrantes ao trabalho forçado e ao tráfico de pessoas depende, em primeiro lugar, de estruturas políticas e jurídicas que respeitem, protejam e cumpram com os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos os migrantes – e potenciais migrantes – em todas as fases do processo de migração, independentemente de seu status de migração. Toda a sociedade deve trabalhar junta para reverter essas tendências chocantes, inclusive por meio da implementação do Pacto Global sobre Migração”.
A diretora fundadora da Walk Free, Grace Forrest, disse que a escravidão moderna é a antítese do desenvolvimento sustentável. “No entanto, em 2022, continua a sustentar nossa economia global. É um problema criado pelo homem, relacionado tanto com escravidão histórica quanto com a desigualdade estrutural persistente . Em tempos de crises cada vez mais profundas, a vontade política genuína é a chave para acabar com esses abusos dos direitos humanos”, comentou.
Relatório aponta soluções
O relatório propõe uma série de ações recomendadas que, tomadas em conjunto e rapidamente, contribuiriam muito para acabar com a escravidão moderna. Essas incluem:
melhorar e fazer cumprir as leis e as inspeções do trabalho;
pôr fim ao trabalho forçado imposto pelo Estado;
fortalecer as medidas de combate ao trabalho forçado e ao tráfico de pessoas em empresas e cadeias de suprimentos;
ampliar a proteção social e fortalecer as proteções legais, incluindo o aumento da idade legal do casamento para 18 anos sem exceção.
Outras medidas incluem abordar o aumento do risco de tráfico de pessoas e de trabalho forçado para trabalhadores(as) migrantes, promover o recrutamento justo e ético e aumentar o apoio a mulheres, meninas e pessoas vulneráveis.
Fonte: ONU Brasil