Mais de 30 milhões de brasileiros sofrem de transtorno de humor. Estudos apontam que 20% da população do nosso país terão algum tipo de depressão. Mas, antes de falar de estatísticas, diagnóstico e tratamento, é preciso explicar o que são os transtornos de humor, ainda pouco conhecidos e discutidos além dos meios acadêmicos e entre profissionais de saúde. E, como diz, com propriedade, o psiquiatra Renato Silva, e especialista em transtorno de humor e professor da especialização que estou cursando: “conhecimento salva”.

Como vou resumir neste artigo, os sintomas dos transtornos de humor são muito prejudiciais para quem os tem. E há duas notícias importantíssimas que devemos saber, para além do grande número de pessoas afetadas. Uma boa e uma ruim.

A boa é que há tratamento para a maioria dos sintomas.  A má é que uma pessoa com transtorno pode levar décadas para ser diagnosticada e receber o tratamento adequado por profissionais especializados.

Essa dificuldade pode ampliar muito o sofrimento do paciente, causar prejuízos psíquicos, físicos, sociais, profissionais e materiais e, em alguns casos, dificultar ou inviabilizar o tratamento posterior.

Para entender o tamanho do problema, é preciso conhecer os principais tipos de transtorno de humor, listados no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição):

. Transtorno Depressivo Maior (TDM), também conhecido como depressão unipolar: Caracterizado por episódios de depressão profunda que causam prejuízo significativo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo, pois é acompanhado de uma série de sintomas como perda de interesse e prazer nas atividades, sentimentos de desesperança, alterações no sono, no apetite, dificuldade de concentração e, em casos mais extremos, ideações suicidas.

. Transtorno Bipolar do tipo I: Quando o indivíduo tem, pelo menos, um episódio maníaco ao longo da vida, que pode ser seguido ou precedido por episódios depressivos maiores ou hipomaníacos. O episódio maníaco é caracterizado por um período de humor anormal e persistente e aumento da atividade ou energia.

Os sintomas incluem humor elevado ou irritabilidade, pensamento acelerado, impulsividade, redução da necessidade de sono, autoestima elevada e envolvimento em atividades que podem provocar riscos, gastos excessivos, que levam a endividamento, aumento da libido, com ou sem episódios psicóticos, sintomas percebidos por pessoas do círculo familiar, social e profissional, que podem afetar muito essas relações. Frequentemente, os primeiros sintomas aparecem entre 15 e 20 anos, na forma de depressão.

Na hipomania, a pessoa pode experimentar um humor persistentemente elevado, eufórico ou irritável, percebido como anormal, especialmente, no círculo mais próximo. Podem surgir, ainda, o aumento de energia e atividade, envolvimento em várias tarefas ao mesmo tempo e em projetos sem levar em conta suas consequências, gastos exagerados e comportamentos sexuais impulsivos.

. Transtorno Bipolar II: Quando o indivíduo passa por episódios depressivos maiores alternados com episódios hipomaníacos, mas quando não há um episódio maníaco completo. Este tipo é mais difícil de diagnosticar do que o anterior, porque a hipomania pode ser confundida com a personalidade da pessoa. E, na maior parte do tempo, o indivíduo se encontra em um estado de humor deprimido, mas com sintomas menos aparentes de uma depressão clássica.

.Transtorno Misto: Ocorre quando uma pessoa experimenta sintomas de mania e depressão ao mesmo tempo, ou em rápida alternância. Por exemplo, alguém pode se sentir deprimido e desanimado, mas ao mesmo tempo ter energia excessiva e pensamentos acelerados.

Segundo o psiquiatra alemão Kraepelin, os estados mistos são uma combinação de sintomas de mania e depressão em três domínios: humor, atividade e pensamento. Esse estado é considerado bastante instável e pode ser muito desafiador para os indivíduos que os experimental, além disso, é um dos mais difíceis de tratar e afeta mais mulheres do que homens.

.Transtorno Ciclotímico: Envolve períodos de sintomas hipomaníacos e períodos de sintomas depressivos que não atendem aos critérios para diagnóstico de episódios maníacos ou depressivos maiores.

. Outros Transtornos Relacionados ao Humor: Esta categoria inclui transtornos como transtorno disfórico pré-menstrual e transtorno afetivo sazonal, além de outros tipos que não se enquadram nos listados acima. Em virtude das variações de graus do transtorno dentro de uma mesma categoria, atualmente, os especialistas o tratam como espectro de transtorno de humor.

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Mesmo sem cura, há tratamento

Como eu mencionei anteriormente, por mais graves que sejam os sintomas e esses transtornos ainda não tenham cura, há tratamento. E quanto mais cedo uma pessoa for diagnosticada, mais facilmente é possível intervir e prevenir males maiores.

Para se ter uma ideia do tamanho da dificuldade em chegar a esse tratamento, em média, o transtorno bipolar do tipo I, demora 10 anos para ser diagnosticado e o do tipo II um pouco mais, 13 anos. Você pode imaginar os estragos que a falta de tratamento ou o tratamento inadequado podem causar.

Como um exemplo deste último, podemos citar o uso de antidepressivos em pacientes com transtorno bipolar, que de forma isolada e inadequada podem levar a um episódio de hipomania e mania.

O manejo de pacientes com transtorno bipolar na psicoterapia requer uma abordagem cuidadosa e adaptativa, singularizada.

Aqui estão algumas questões que precisam ser consideradas:

1. Educar sobre o diagnóstico:

– Fornecer informações detalhadas sobre o transtorno bipolar, seus sintomas e padrões de recorrência.

– Auxiliar o paciente a compreender as características específicas de seus episódios maníacos e depressivos.

2. Monitorar os sintomas:

– Estabelecer um sistema de monitoramento regular dos sintomas para identificar precocemente qualquer alteração no humor.

– Encorajar o paciente a relatar alterações significativas no sono, energia e humor.

3. Desenvolver estratégias de enfrentamento:

– Trabalhar na identificação e implementação de estratégias de enfrentamento eficazes para lidar com episódios maníacos e depressivos.

– Explorar formas saudáveis de lidar com o estresse e prevenir situações estressoras.

4. Regular o sono:

– Padrões regulares de sono são fundamentais no tratamento de transtornos de humor, pois distúrbios no sono podem desencadear episódios maníacos ou depressivos.

– Desenvolver rotinas que promovam uma boa higiene do sono.

5. Incentivar o autocuidado, por meio da psicoeducação:

– O transtorno bipolar tem causas bioquímicas, é um estado pró-inflamatório sistêmico, ou seja, permanente e que favorece a inflamação não apenas do cérebro, mas de todo o sistema humano. Por isso, o tratamento inclui cuidados como atividades para redução de estresse, manutenção do peso corporal, realização de atividades físicas, não fazer uso de bebidas alcóolicas e de drogas, entre outros.

6. Colaborar com o tratamento medicamentoso:

– Trabalhar em estreita colaboração com o psiquiatra para garantir que o paciente esteja em conformidade com o tratamento medicamentoso.

– Monitorar e discutir eventuais efeitos colaterais dos medicamentos.

7. Focar nas relações interpessoais:

– Explorar o impacto dos relacionamentos interpessoais na estabilidade emocional.

– Auxiliar o paciente a desenvolver habilidades sociais e a fortalecer as relações que contribuem para um ambiente saudável e uma rede de apoio.

8. Planejar a segurança:

– Desenvolver planos de segurança para lidar com potenciais crises.

– Educar o paciente sobre sinais de alerta e a importância de procurar ajuda em situações de emergência.

9. Promover a aceitação e autoestima:

– Trabalhar na aceitação da condição e no desenvolvimento de uma autoimagem positiva.

– Incentivar a construção de uma identidade que vá além do transtorno bipolar. O paciente é muito mais do que o seu transtorno, precisa ser incentivado a acreditar nisso e se apropriar de suas forças, não focar apenas nas suas fraquezas e vulnerabilidades.

– A abordagem terapêutica deve ser flexível, adaptando-se às necessidades específicas de cada paciente. A colaboração interdisciplinar com profissionais de saúde, especialmente psiquiatras, é fundamental para garantir um tratamento abrangente e eficaz.

Lidar com transtornos de humor não é tarefa fácil e, por isso, exige muita responsabilidade por parte de profissionais de saúde, como psiquiatras e psicólogos, que precisam estar atentos a dezenas de fatores, como história familiar (como dito antes, os sintomas desses transtornos, muitas vezes, começam na infância), fatores genéticos, que desempenham um papel importante, assim como fatores ambientais e biológicos.

Saber identificar e realizar o diagnóstico diferencial pode evitar muito sofrimento para pacientes e familiares!

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