Com a proposta sedutora de propor resultados instantâneos, o PMMA (polimetilmetacrilato), uma das opções mais baratas quando o assunto é preenchimento, fez mais uma vítima. Desta vez foi a bancária Lilian Calixto, de 46 anos, que morreu na madrugada de domingo (15), seis horas depois de se submeter a um preenchimento dos glúteos na residência do médico Denis Cesar Barros Furtado, de 45 anos, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Nas redes sociais, o médico era conhecido como “Doutor Bumbum” e tinha três perfis, reunindo mais de 2 milhões de seguidores.

Lilian havia saído de Cuiabá (MT), onde morava, para realizar o procedimento no Rio de Janeiro. O médico responsável e sua mãe, maria de Fatíma, foram presos na tarde desta quinta-feira (19), acusados de homicídio qualificado e associação criminosa. A namorada de Denis, que trabalhava como sua assistente, Renata Fernandes Cirne, de 19, foi presa na terça (17). A hipótese inicial para a morte é de que a bancária tenha sofrido uma embolia pulmonar, devido à aplicação do produto.

O PMMA ou metacril ganhou fama como bioplastia – a plástica sem bisturi – e é conhecido por seus efeitos de preenchimento, modelagem facial e corporal, sendo muito aplicado no rosto, nos glúteos e na panturrilha. Segundo especialistas, a técnica que atrai mulheres em busca do corpo ideal pode provocar danos à saúde de imediato ou a longo prazo se aplicado de maneira indevida.

Em 2009, a ex-modelo Andressa Urach quase morreu após uso da substância, junto com o chamado hidrogel. Ela aplicou o produto para aumentar o volume das coxas e uma infecção a deixou em estado grave, anos depois, quando ela foi retirá-lo. Após dias na UTI, a infecção foi controlada, mas o procedimento deixou sequelas.

O PMMA é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso em preenchimento corporal, mas a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) não o recomenda com fins estéticos, e em quantidades elevadas. Apenas pode ser usado para preenchimentos de partes do corpo que tenham se deformado por causa de traumas ou deformações causadas por doenças.

17 mil brasileiros tiveram complicações em 2016

Entre 2015 e 2016, o PMMA provocou deformidades e complicações em cerca de 17 mil pacientes de todo o país, segundo pesquisa feita pela SBPC-SP. Esta é a estimativa do número de pacientes que precisaram recorrer a cirurgiões plásticos a fim de corrigir sequelas deixadas pelo produto no período de um ano. Apesar disso, cresce cada vez mais o número de pessoas que aplicam o produto no corpo indiscriminadamente. Entretanto, o produto oferece uma série de complicações a médio e longo prazo.

“Existem muitos casos de pacientes que chegam até a gente por problemas causados pelo PMMA. São pessoas que foram consertar um defeitinho que as incomodava e saíram praticamente deformadas do consultório”, explica Bárbara Machado, professora assistente dos cursos de Pós-Graduação Médica pela PUC-Rio e chefe da equipe médica da Clinica Ivo Pitanguy por 15 anos. “Muitos pacientes não sabem nem o que estão colocando no rosto, os médicos apenas falam que são preenchedores, e não explicam o procedimento”, afirma.

Segundo pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps, na sigla em inglês), em 2015, o Brasil realizou 1,22 milhão de procedimentos. Houve também um aumento por procedimentos menos invasivos e duradouros, como preenchimentos labiais.  “Muitas mulheres chegam a clinica sem saber o que colocaram no rosto, a maioria dos preenchimentos tem vida útil e, se injetados corretamente, não causam nenhum dano, mas o PMMA não deve ser tratado com tanta leveza”, explica Bárbara.

Os preenchimentos são muito usados para suavizar ruguinhas, sulcos na face, e dar mais volume aos lábios, e acabam sendo alternativas menos invasivas do que cirurgias. “Na hora de escolher pelo tratamento sempre fica aquela dúvida, afinal, um errinho pode acabar com a imagem! Existem várias marcas, com tecnologias novas, com e sem anestésico, e duração que variam de 6 meses a 1 ano”, comenta a especialista.

SBD critica oferta exagerada de procedimentos estéticos

Em nota divulgada nesta quarta-feira (18), a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) alerta que “os procedimentos estéticos invasivos envolvem algo muito sério, a saúde, e não podem estar separados de um atendimento médico responsável”. Do ponto de vista da saúde pública, ressalta que a prática da medicina e realização de tratamentos devem ser feitos em estabelecimentos de saúde, como consultórios médicos, clínicas e hospitais, locais onde é possível observar os quesitos de biossegurança dos procedimentos.

“A oferta exagerada de procedimentos estéticos invasivos por profissionais que não tenham a devida habilitação e autorização legal para sua execução tem sido sistematicamente publicada em veículos de comunicação e mídias sociais como procedimentos simples e sem riscos à saúde da população. Ao realizar qualquer procedimento estético invasivo, é preciso certificar-se se o profissional escolhido é médico, habilitado e com situação regular no Conselho Regional de Medicina (CRM), evitando situações de risco decorrentes de possível atendimento por pessoas sem a devida qualificação e sem competência legal para tanto”, alerta o vice-presidente da SBD, Sergio Palma.

De acordo com a entidade, o polimetilmetacrilato, utilizado na “bioplastia”, é um material de enchimento bifásico composto por microesferas suspensas em solução de colágeno bovino, carboximetilcelulose ou hidroxietilcelulose. É utilizado como preenchimento em diferentes áreas do corpo e na face, sendo seu uso extremamente limitado. “Importante alertar que quando utilizado o preenchimento com a substância PMMA, a recomendação é que o procedimento seja feito por médicos, em pequenas doses e com restrições, pois o uso em grandes doses não é seguro, podendo produzir resultados imprevisíveis e indesejáveis, incluindo reações incuráveis e definitivas”, explica o Dr. Sergio Palma.

Ainda segundo ele, “o uso dessa substância pode causar edemas locais, processos inflamatórios, reações alérgicas e formação de granuloma, entre outras. Essas reações podem ser imediatas, em curto prazo, após o procedimento ou tardias”.

Especialista explica como funciona o PMMA

Originalmente empregado na fabricação de próteses ortopédicas e ortodônticas, o PMMA é um produto composto por microesferas de um material muito parecido com um plástico acrílico e que se espalha pelo tecido da região após sua aplicação. “Este tipo de preenchimento não é recomendado principalmente porque o polimetilmetacrilato não é absorvido pelo corpo e automaticamente endurece dentro da região aplicada como um cimento, causando complicações pela rejeição do organismo”, alerta o cirurgião plástico Giancarlo Dall´Olio, membro da SBCP.

O produto é aplicado por meio de um microcânula, com anestesia local. Após a aplicação, o PMMA se molda, “endurece” e não é mais absorvido pelo corpo. Segundo o especialista, o PMMA só pode ser utilizado em casos específicos e em pequenas quantidades. “Devido à baixa qualidade do produto existente no mercado nacional, a Anvisa proibiu o uso de diversas marcas dessa substância, mas há algumas que atendem as recomendações da agência nacional e são permitidas”, afirma.

O procedimento geralmente é utilizado na região da face, mas em raríssimos casos. “Hoje em dia há outras técnicas mais seguras como ácido hialurônico, por exemplo. O PMMA nunca pode ser utilizado como um substituto do silicone, como é o caso de pacientes que buscam a técnica para aplicação nos glúteos, coxas e panturrilhas, principalmente porque a dose utilizada é muito maior do que de um simples preenchimento”, esclarece.

Uso em pacientes de HIV para preencher rosto

A SBCP recomenda o PMMA apenas em plásticas reparadoras, como em pacientes com HIV, que podem sofrer deformidades no corpo e no rosto por causa da doença e da medicação. A lipoatrofia facial, muito comum em pessoas que vivem com Aids, causa a perda da gordura do rosto. De qualquer forma o médico especialista deve ter bom senso na quantidade aplicada. É importante ressaltar que antes de qualquer procedimento o paciente deve ser avaliado clinicamente e o profissional escolhido, no caso de cirurgiões plásticos, seja membro da SBCP.

Um outro estudo feito pela Universidade de Brasília (UnB) alerta para os perigos do uso dessa substância. Pesquisadores aplicaram o PMMA na orelha de ratos de laboratório. Um tempo depois, rejeitada pelo organismo, a substância entrou na corrente sangüínea e atingiu outras partes do corpo. Entre os problemas mais comuns estão a absorção do PMMA pelo organismo, a inflamação do tecido no local da aplicação, a formação de grânulos em volta do material aplicado ou a necrose (morte do tecido).

Paciente sofreu quatro paradas cardiorrespiratórias

A diretora do Barra D’or, Martha Maria Soares Savedra, disse à Polícia Civil que Lilian deu entrada no setor de emergência da unidade no sábado, às 22h59. Ela estava acompanhada de um casal, sendo um deles, segundo Martha, o médico Denis Furtado. Martha contou que Lilian estava lúcida e disse que estava vindo do consultório do médico, onde havia sido submetida ao implante de cerca de 300ml de silicone nos glúteos. Segundo Martha, Lilian apresentava taquicardia, dispneia, cianose, sudorese intensa e hipotensão.

Após dar entrada no hospital, o quadro clínico de Lilian piorou. Ela passou por quatro paradas cardiorrespiratórias, sendo que na última não respondeu às manobras de ressuscitações. A morte da bancária foi constatada por volta de 1h12 do domingo. Ainda segundo o depoimento, no mesmo dia da internação, o médico recolheu os pertences da paciente (roupas e acessórios) e se retirou do hospital.

Veja mais sobre a nota da SBD

“É dever do médico guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre, em qualquer circunstância, em benefício do paciente; agindo com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. Nesse sentido, o médico deve envidar o máximo esforço na busca da redução de riscos na assistência aos seus pacientes. Para a execução de procedimentos clínico-cirúrgicos, as normas mínimas para o funcionamento de consultórios médicos e dos complexos cirúrgicos para procedimentos com internação de curta permanência devem ser rigorosamente observadas, atendendo as exigências do Conselho Federal de Medicina (CFM).

O conhecimento e domínio das técnicas de aplicação, da anatomia local e fisiopatologia, das indicações e das contraindicações com base no estudo amplo das doenças que envolvem a pele, são fundamentais para alcançar melhores resultados, bem-estar e segurança do paciente. Também é de extrema importância que o profissional médico executor do procedimento estético esteja preparado para prontamente reconhecer, avaliar e conduzir possíveis efeitos adversos, bem como de realizar diagnóstico prévio de doença impeditiva do ato e da terapêutica.

É valido lembrar ainda que os procedimentos invasivos das áreas dermatológica/cosmiátrica devem ter indicação e execução feita por médicos, de acordo com a Lei 12842/2013. É o que esclarece também o parecer do CFM n. 35/2016.

A SBD reforça a importância de a população certificar-se sobre a capacitação do profissional escolhido para realizar um procedimento estético. Também alerta sobre o cuidado com os sites de compras coletivas e anúncios na internet, que oferecem pacotes baratos e promoções. Deve haver desconfiança dos locais que se dispõem a cobrar preços muito baixos, frequentemente com muita rotatividade de profissionais e, nem sempre, regularizados como estabelecimento de saúde.  A SBD é a única instituição reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Médica Brasileira (AMB), como representante dos dermatologistas no Brasil. Para mais informações acesse: www.sbd.org.br.’

Fonte: UOL, com Redação e Assessorias (Atualizado em 19/07/18)

 

 

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