Segundo o Banco Mundial, existem cerca de 4 milhões de pessoas transgêneras ou não binárias no Brasil, sendo que parte dessa população se identifica como mulher e enfrenta inúmeros desafios em decorrência da sua identidade de gênero não corresponder àquela designada ao nascimento. O processo de afirmação de gênero nas mulheres trans pode envolver tanto a hormonização (terapia hormonal) quanto a neovaginoplastia, que é a cirurgia para a formação do canal vaginal, clitóris e grandes lábios. Mas a decisão cabe unicamente a ela.

“Algumas dessas mulheres podem estar satisfeitas com sua genitália e apenas demandar a prescrição de hormônios, enquanto outras podem desejar a transição hormonal e cirúrgica”, explica a médica Lucia Lara, presidente da Comissão Nacional Especializada de Sexologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Mas o que acontece com o corpo e a mente da mulher trans após o processo de transição de gênero? Como fica o prazer sexual após a terapia hormonal ou neovaginoplastia? Antes de mais nada, ressalta a médica, é preciso deixar claro que a satisfação sexual é uma medida individual e independe da identidade de gênero de cada pessoa, seja ela trans, cis, binária ou não binária.

  1. “A forma como uma mulher trans vivencia sua sexualidade depende de sua situação individual, ou seja, algumas delas desejam a cirurgia de afirmação de gênero para ter uma neovagina, enquanto outras não desejam a transição cirúrgica e podem ter uma resposta sexual adequada com a presença do pênis”, completa.

Ela acrescenta ainda que, para aquelas que desejam a cirurgia e não conseguem realizá-la, isso pode gerar constrangimento durante as relações sexuais e até mesmo levar à insatisfação sexual e evitação de atividades sexuais.

“A saúde da mulher trans está intrinsecamente relacionada à sua sexualidade e bem-estar geral. Em primeiro lugar, é preciso definir que a sexualidade é uma condição ampla que envolve aspectos biológicos, psicológicos, relacionais, ambientais e emocionais das relações do ser humano”, esclarece a médica.

Hormonização pode reduzir o desejo sexual

A especialista alerta que o uso de hormônios em altas doses pode levar a uma redução abrupta da testosterona na mulher trans, um hormônio significativo para o desejo sexual tanto em mulheres cis quanto trans e pode ser reduzido pela hormonização.

“Apesar dessa redução do desejo sexual, muitas mulheres trans ficam felizes com as mudanças que ocorrem em seus corpos durante o processo de afirmação de gênero, como o aparecimento de características femininas, a exemplo do desenvolvimento das mamas e a redução dos pelos”, exemplifica a Dra. Lúcia.

Para a médica, a satisfação com a autoimagem ao ver surgirem suas características femininas, pode contrabalançar a redução da testosterona e resultar em resgate do desejo sexual. Isto mostra a importância de cuidar para que estas mulheres tenham acesso aos serviços de saúde.

Quando a mulher trans realiza a neovaginoplastia, por exemplo, os estudos mostram que a maioria delas mantém sua capacidade de ter orgasmos e, na verdade, muitas melhoram seu funcionamento sexual após a transição hormonal e cirúrgica.

“Isso porque seu corpo está em conformidade com sua identidade de gênero, o que pode aumentar a satisfação sexual e o bem-estar emocional. Entretanto, é essencial lembrar que cada pessoa é única e pode ter experiências diferentes”, ressalta a médica.

Aumento das mamas pode levar de 3 a 5 anos

Todas as mulheres, sejam cis ou trans, valorizam muito o volume mamário e a terapia hormonal de afirmação de gênero pode proporcionar um aumento das mamas que chega ao seu estágio definitivo de 3 a 5 anos após o início da terapia com estrogênio.

“Esse órgão é extremamente relevante para elas, está relacionado à sedução e é uma das coisas mais importantes para elas em termos de aparência”, destaca.

Acesso à saúde para além da terapia hormonal

O acesso à saúde da população trans engloba serviços que vão além da terapia hormonal. A assistência adequada e completa às mulheres transgêneras e travestis abrange a garantia de acolhimento e respeito à sua identidade de gênero em todos os equipamentos de saúde. Desde a atenção primária, nas unidades básicas, é fundamental que haja atendimento qualificado para garantir a efetivação dos direitos dessas pessoas.

Lucia Lara, presidente da Comissão Nacional Especializada de Sexologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), elucida que, para garantir a adequada prescrição da terapia hormonal de afirmação de gênero, é importante que essa população receba cuidados específicos de ginecologistas treinados.

Contudo, ela diz, mulheres em terapia de afirmação de gênero e/ou aquelas que já se submeteram a cirurgias do processo podem ser acompanhadas na ginecologia geral para os exames de rastreamento de câncer de mama e outras condições clinicas, que são oferecidos pela rede pública de saúde para mulheres cisgêneras (cis), segundo os protocolos do Ministério da Saúde. 

‘Identidade trans não é doença e nem opção’

A médica esclarece ainda que, infelizmente, a condição trans ainda é julgada de forma não-científica pela sociedade, sendo muitas vezes vista como um comportamento social e não uma variação biológica existente.

“Esse preconceito pode gerar grande sofrimento para as pessoas trans, que muitas vezes se sentem isoladas e excluídas da sociedade. No entanto, convém salientar que a identidade trans não é uma doença e nem uma “opção”, mas sim uma variação natural da condição humana”, destaca.

Conscientizar as pessoas quanto à discriminação e violação dos direitos dos indivíduos LGBTQIAP+ em todo o mundo e aumentar o conhecimento sobre os eventos internacionais que destacam a luta pela igualdade de direitos, além de procurar promover a conscientização sobre os direitos dessa população.

“Estamos empenhados em lutar para que a sociedade em geral compreenda e reconheça a importância da identidade trans. Infelizmente, a condição trans ainda é questionada por muitos, que acreditam ser uma escolha pessoal. Porém, a identidade de gênero é uma condição pré-existente, que ocorre antes do nascimento e não pode ser escolhida pelo indivíduo, assim como a orientação sexual”, destaca.

Embora a percepção e expressão da identidade trans possam ocorrer em diferentes momentos da vida, é uma condição biológica que não pode ser ignorada. Compreender a complexidade da vivência de pessoas trans é apoiar sua luta por visibilidade”, diz especialista.

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