“A amizade, nem mesmo a força do tempo irá destruir. Quero chorar o teu choro, Quero sorrir seu sorriso. Valeu por você existir, amigo”. A letra do samba  ‘A Amizade’, do grupo Fundo de Quintal, resume bem a força desse sentimento que pode ser capaz de romper inúmeras barreiras. E não há prova de amizade maior que doar a vida a um amigo. 
Pois foi isso que fizeram duas mulheres que não hesitaram em doar o próprio rim a seus amigos, pacientes renais crônicos, que tinham no transplante do órgão a única chance para sobreviver com alguma qualidade de vida. Para celebrar o Dia do Amigo, comemorado em 20 de julho, vamos conhecer duas histórias em que a doação de órgãos selou uma grande amizade.
Adélia Maria Mariano Siquera, de 36 anos, doou um rim ao amigo Sidney dos Santos Gomes, de 56 anos, que sofria, há quase três anos, com Doença Renal Crônica (DRC), com risco de evoluir para o estágio de falência renal funcional.
Por quase três anos, sofri com esse distúrbio, que me privou de muitas atividades e me levou a fazer hemodiálise para viver. Mas, hoje, depois do transplante, que pude realizar por intermédio da generosidade de minha amiga (Adélia) de mais de 10 anos, tenho qualidade de vida, estou muitíssimo bem. Graças a Deus, hoje sou outra pessoa”, comemora Sidney.
Érika Justino, 35 anos, também doou um rim para a amiga Michele Silva de Oliveira, 45 anos, que convivia há cinco anos com síndrome nefrótica e tinha apenas 30% da capacidade renal.
Considero o que ela (Érika) fez por mim um ato de amor mesmo. Às vezes, as pessoas colocam tantos empecilhos para qualquer gesto de generosidade, pensando que doação é só algo material, mas, na verdade, não é. Você pode doar sangue, órgãos, e isso tudo é amor”, declara, feliz, Michele.

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Enfermeira doa rim para a irmã no hospital onde trabalha

Rosângela, de 40 anos, recebeu um rim doado pela irmã, que é enfermeira Daniela, no hospital onde ela trabalha, em Curitiba (Foto: Divulgação)

 

Esse ato de amor não ocorre apenas entre amigos. Muitas vezes, familiares optam por doar um órgão para salvar a vida de um ente querido. Foi o que ocorreu com a enfermeira Daniela Ribas, de 31 anos. Movida pelo amor à irmã mais velha, ela doou um rim à irmã Rosângela Fernandes no momento em que a saúde dela mais precisava.

A ligação entre as irmãs se tornou ainda mais forte, a partir do transplante renal realizado em 29 de agosto de 2022, no Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba (PR), onde Daniela trabalha. A doação em vida apenas foi possível porque a doadora apresentava compatibilidade com a paciente e boas condições de saúde.

Ver minha irmã sofrendo com a doença renal crônica e dependendo da hemodiálise me fez não ter dúvidas de que precisava ajudá-la. Sem que ela soubesse, solicitei o exame de histocompatibilidade para o nefrologista responsável e, dias depois, chorei de emoção ao descobrir que poderia ser a doadora”, revela Daniela.

De mãos dadas no pré-operatório, a união das irmãs foi selada para toda a vida. Após mais de 12 meses de espera por um rim, Rosângela pôde voltar a aproveitar os momentos em família e fazer novos planos.

Ter a Daniela como minha doadora traz uma emoção que vai além do que conseguiria expressar em palavras. Nunca vou deixá-la esquecer que, se estou aqui hoje, é porque ela tomou uma decisão grandiosa e salvou a minha vida. Para ela, toda a minha gratidão e amor”, reconhece a transplantada renal, de 40 anos, que convive com a diabetes tipo 1 desde jovem.

Sobrevida do receptor é maior em 5 anos com doador vivo

 

Adélia doou um rim ao amigo Sidney (Foto: Álbum de Família)
Esse ato entre amigos ou familiares é chamado doação entre vivos de pessoas não aparentadas, ou seja, que não possuem laços consanguíneos. Por lei, pessoas de uma mesma família podem fazer esse tipo de doação – parentes até quarto grau ou cônjuges. Já as pessoas sem parentesco precisam da expedição de um alvará de autorização judicial.
Alan Castro, nefrologista e médico transplantador do Complexo Hospital de Niterói (CHN), da Dasa, hospital onde Adélia e Sidney realizaram o transplante, explica que, segundo o Registro Brasileiro de Transplantes da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, a sobrevida do receptor é maior em cinco anos quando o transplante é realizado com doador vivo em vez de doador falecido. 
Essa diferença se deve à melhor qualidade do órgão a ser implantado. Entretanto, apesar do benefício, a taxa de transplantes por milhão de população (pmp) de doador vivo é bem baixa quando comparada com a do doador falecido. Em 2023, por exemplo, as taxas no Brasil foram de 18,65 pmp para doador falecido enquanto, para doador vivo, foram de 4,78 pmp”, enfatiza Castro.

‘Irmãos de rim’: doação de órgãos cria laços entre transplantados para toda a vida 

Mas não é apenas com a doação de rim em vida entre amigos ou parentes que renais crônicos se tornam gratos para a vida inteira. Em agosto de 2023, a doação de órgãos mudou a vida de dois paranaenses para sempre. A notícia de que um rim esperava por cada um deles, veio seguida de uma surpresa.

Após receberem o órgão do mesmo doador, os pacientes Rômulo Messa Cardoso e Cleverson Meiras de Souza entraram no Hospital Universitário Cajuru, sem se conhecerem e saíram de lá unidos por um laço de irmandade.

Recebi uma nova chance de viver e, ao mesmo tempo, alguém com quem compartilhar essa jornada de recuperação. Um irmão de rim que logo se tornou um amigo para conversar, dar risadas e fazer planos”, conta Rômulo, de 33 anos, que começou a apresentar refluxo urinário na infância.

Mais do que irmãos de rim, os pacientes também se tornaram vizinhos. Natural de Foz do Iguaçu, interior do Paraná, Cleverson precisou encontrar uma casa para morar próximo da capital paranaense durante os três meses após a cirurgia. Foi no hospital que ele descobriu que seu novo endereço seria ao lado de Rômulo, em Araucária.

Ele não poupou esforços para me ajudar e, por meio dessa constante troca de informações e experiências diárias, está se consolidando uma amizade verdadeira que sei que vou carregar comigo para sempre”, afirma Cleverson, de 32 anos, que estava há mais de três anos aguardando por um rim.

Para Rômulo, Cleverson e Rosângela, a resposta afirmativa foi o ponto de partida para um novo começo após o transplante renal. “Dizer sim para a doação de órgãos é respeitar a decisão do ente querido que faleceu e dar uma nova chance para quem aguarda na lista de espera”, defende Rômulo. Da mesma forma, Cleverson faz um pedido: “É o momento de as pessoas conversarem com seus familiares e declararem o desejo de serem doadores”. 

Transplante de rim pode ser a última chance de doente renal crônico

O transplante de rim é a única opção quando o órgão não funciona nem se recupera com tratamentos convencionais, como a hemodiálise. Causada principalmente pela pressão arterial alta e diabetes, a doença renal crônica afeta a capacidade dos rins de filtrar os resíduos metabólicos do sangue e implica na necessidade de hemodiálise para realizar essa função. Quando o prejuízo é irreversível e grave, a saída é o transplante,um procedimento de alta complexidade, que exige muita competência médica, estrutura hospitalar e solidariedade humana.

Segundo Pedro Tulio Rocha, nefrologista e coordenador de Transplante Renal do Hospital São Lucas Copacabana, também da Dasa, onde aconteceu a cirurgia para retirada dos rins de Michele e Érika, o transplante renal é a melhor alternativa de tratamento para casos graves, sendo capaz de devolver a qualidade de vida ao paciente. “A doença renal crônica evolui progressivamente, levando à falência dos rins, e só mesmo a substituição dos órgãos seria capaz de solucionar a questão”, explica o médico.

Toda uma equipe multidisciplinar se envolve para que pacientes deixem a condição de dependência de uma máquina para enfim serem reinseridos na sociedade. São médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos e tantos outros profissionais que gerenciam a lista, avaliam pacientes, preparam e fazem o acompanhamento pós-cirúrgico”, explica o nefrologista e coordenador do serviço de transplante renal no Hospital Cajuru, Alexandre Tortoza Bignelli.

Da insuficiência renal até o transplante de rim

Com mais de 4,2 mil transplantes de órgãos no primeiro semestre, Brasil desponta como líder mundial

O Brasil desponta como um dos líderes mundiais em transplante e retoma os índices pré-pandemia. Segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), foram quase 26 mil transplantes de órgãos, tecidos e medula óssea em 2022 e, apenas no período de janeiro e junho de 2023, foram realizadas cerca de 14,1 mil cirurgias, sendo mais de 2,8 mil delas relacionadas ao rim.

Para que a vida continue, uma única conversa declarando-se doador pode mudar tudo. No Brasil, o número de doações tem aumentado e batido recorde ao alcançar uma média de 19,2 doadores por milhão de habitantes no primeiro semestre deste ano. Neste cenário, o Paraná é o estado com maior número de doações efetivas de órgãos para transplantes em 2023, com a marca de 42,5 doadores por milhão de população.

Dentro dessa operação, o Hospital Universitário Cajuru, que atende exclusivamente pelo SUS, é considerado referência da Central de Transplantes do Paraná e já realizou 36 transplantes renais nos primeiros oito meses de 2023.  Para que transplantes como o de Rômulo e Cleverson deem certo, são muitos os profissionais que correm contra o tempo nos bastidores do processo de doação de órgãos.

“A excelência da equipe de transplante torna possível que, entre 95% e 98% dos casos, haja sobrevida do enxerto e do paciente ao longo do primeiro ano”, afirma Bignelli. São parte fundamental equipes como a do laboratório de imunogenética do hospital, ao atender um total de 20 equipes transplantadoras de rim, pâncreas, coração, pulmão e medula óssea.

Com a mais avançada tecnologia disponível no mercado, realizamos exames de compatibilidade e fazemos a avaliação imunológica do paciente nas fases pré e pós-transplantes. É a partir do cruzamento desses dados e de diversos critérios, como gravidade, compatibilidade e tipagem sanguínea, que se define e seleciona a lista dos pacientes”, explica a imunogenicista e diretora do laboratório, Cristina Von Glehn.

Com Assessorias
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