Eu era adolescente e minha mãe, com apenas 37 anos, passou a sofrer com um mal que não só a atingia drasticamente, tirando sua energia, sua identidade, seu humor, sua força de trabalho, sua vida social e afetiva… mas também afetava profundamente toda a família. Foram longos anos convivendo com essa terrível doença.
Os episódios começaram com surtos psicóticos, incluindo crises de alucinações e delírios, que a levaram a várias internações psiquiátricas. E evoluíram para um forte e letárgico quadro de depressão, que foi se agravando durante longos anos, afetando duramente a sua capacidade produtiva. Mais tarde, ela era diagnosticada como maníaco-depressiva, doença que passou a ganhar o nome mais politicamente correto de Transtorno Bipolar.
A expressão traduz melhor o mal que se caracteriza por fortes alterações de humor, que vão da tristeza profunda, nas fases de depressão, até a mais completa e muitas vezes inconsequente euforia (chamada cientificamente de mania). O problema tem se tornado cada vez mais conhecido e discutido na sociedade. Recentemente, em discurso político nos Estados Unidos, a bela cantora Demi Lovato declarou ser portadora da doença.
“Como milhões de americanos eu vivo com problemas mentais. Mas eu tenho sorte, tenho os recursos e o suporte para o melhor tratamento possível. Infelizmente, muitos americanos não têm essa mesma ajuda, por ignorância ou por falta de dinheiro. A falta de tratamento para doenças mentais pode ter consequências extremas, como suicídio e uso de drogas”, declarou.
Além de Demi Lovato, vários artistas se declararam com a doença. No Brasil, o tema veio à tona, revelando também a face cruel do preconceito contra a pessoa que sofre com o problema, com a personagem vivida por Bárbara Paz, na novela ‘A Regra do Jogo’. A doença já afeta cerca de 4% da população mundial, sendo 6 milhões de pessoas no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB).
“Nos períodos de depressão há predominância de rebaixamento do humor, redução do ânimo e iniciativa, além de ideias recorrentes de
autodesvalorização e ruína pessoal”, explica o psiquiatra Rodrigo Pessanha de Castro, ao destacar que o curso e os sintomas podem variar enormemente entre os pacientes acometidos por essa condição psiquiátrica.
Segundo ele, essa variação individual pode ir de quadros brandos e quase imperceptíveis a graves episódios de depressão, com ideias de suicídio a períodos de grande afastamento do senso de realidade como nos períodos de mania ou psicose. “É preciso ressaltar, desta forma que essa condição é radicalmente diferente daquilo que vivenciamos na vida cotidiana, ou seja, as variações naturais do humor que todos nós podemos ter ao longo de nossas vidas”, esclareceu.
Confira uma entrevista exclusiva com o especialista para o Blog Vida & Ação:
Podemos diferenciar a tristeza comum da depressão principalmente em termos de duração, intensidade e do grau de intensificação que a pessoa tem quando é portadora de depressão. A tristeza, o luto, a melancolia são sentimentos naturais, necessárias até, para o funcionamento do indivíduo, mas quando ela se torna incapacitante, quando dura um período muito além do que é razoável e a sua intensidade é desmedida, aí estamos falando não só de tristeza, mas de um quadro depressivo. Além disso temos que observar se existe algum fator desencadeante, se na existência de um fator desencadeante a reação de tristeza é proporcional ao fato em si. Quando, por exemplo, a pessoa passa por uma situação adversa de vida, como perder o emprego, é natural e compreensível e proporcional que se entristeça, que passe por um período de abatimento moral.
Normalmente a pessoa tem um tempo de resolução desse período de abatimento moral. Não necessariamente vai sofrer algum tipo de prejuízo no funcionamento pessoal e profissional. Quando essa pessoa que perdeu o emprego começa a apresentar dificuldades de cuidados pessoais, de se alimentar, de sair da cama, de raciocinar de forma clara, aí ele não está simplesmente apresentando um quadro reativo da situação adversa. Nesse caso, torna-se desproporcional. Há também depressões endógenas onde não existe um fator desencadeante, onde a pessoa tem uma vida normal, livre de situações adversas e apresenta um quadro depressivo sem que haja nenhum fator desencadeante.
2 – Há outros sintomas associados à tristeza fora do normal?
Além disso, a depressão não se caracteriza apenas e exclusivamente pela tristeza. Quem é deprimido tem insônia, alterações do apetite, do peso corporal, endocrinometabólicas, cardiovasculares. Ele é mais sensível à dor, desconforto físico, alterações de atenção, concentração e memória. A depressão é uma doença mais complexa do que simplesmente um estado de espírito com a tristeza. A diferença de depressão e transtorno bipolar é que no transtorno bipolar temos a existência de períodos de depressão, mas também temos período do que chamamos tecnicamente de mania. A mania é um estado onde a pessoa fica desinibida, o pensamento acelerado, o discurso é acelerado. Tem comprometimento do juízo e da crítica, pode fazer, eventualmente, sintomas psicóticos.
3 – Qual a diferença entre depressão e transtorno bipolar?
Em tese temos o que chamamos de depressão maior e o transtorno bipolar do humor, do tipo 1 e do tipo 2. São doenças diferentes porque a depressão maior se caracteriza pela exclusividade de sintomas depressivos. No Transtorno Bipolar do Humor posso ter tanto sintomas depressivos quanto sintamos maníacos. No Transtorno Bipolar não temos oscilações de humor ao longo de 24h. Temos, na verdade, fases que tem a duração de dias.
Dificilmente temos a possibilidade de prevenir a depressão. No entanto, é possível identificar os sinais precocemente e iniciar o tratamento o mais cedo possível porque além do sofrimento subjetivo que a pessoa vivencia, tem a questão do funcionamento pessoal, profissional e acadêmico estar prejudicado. Existem também as consequências no meio social do indivíduo deprimido, as pessoas que lidam, familiares, amigos, colegas acabam de alguma maneira sofrendo algum impacto também. Além disso, sabemos que temos taxas aumentadas de mortalidade entre pacientes deprimidos. Esses pacientes normalmente negligenciam medidas de prevenção de outras doenças como as cardiovasculares, neurológicas, além do risco aumentado de suicídio entre os pacientes deprimidos.
5 – As mulheres podem sofrer mais da doença? Por que?
Existe, sim, uma prevalência aumentada de depressão no sexo feminino. As pessoas atribuem a isso a questões hormonais mas deve haver outros fatores, incluindo aí predisposição genética, que ainda estão sendo identificados.
Hoje em dia temos mais de 10 classes diferentes de antidepressivos, a ponto de podermos escolher o antidepressivo mais adequado ao paciente
de acordo com as suas características físicas, clínicas e ainda as características do episódio depressivo propriamente dito. Existem depressões que são mais caracterizadas por ansiedade e mal estar e outras que são mais caracterizadas por letargia e redução do que chamamos de psicomotricidade, ou seja, o paciente se movimenta menos.
Alguns antidepressivos são mais estimulantes, outros mais tranquilizantes, outros mais sedativos. Temos outras formas de terapias, como a estimulação magnética transcraniana, eventualmente, quando os casos se mostram graves e quando não tiveram uma resposta satisfatória por meios mais tradicionais de tratamento fazemos o emprego da eletroconvulsoterapia, antigamente chamado de eletrochoque e que ainda hoje é muito utilizado. Ao contrário do que as pessoas imaginam não foi proibido, muito pelo contrário. Hoje é utilizado todo um procedimento de preparação. O paciente faz risco cirúrgico, tem que fazer no âmbito hospitalar, numa unidade semi-intensiva, na presença de um anestesista. sob anestesia geral. O paciente não vê nada do que acontece sobre o procedimento em si. Existe ainda o tratamento de psicoterapia. Eu gosto muito da terapia cognitivo-comportamental. É bastante eficiente no tratamento da depressão.
Colaboração: Lilian Luz