Ela é, senão a pior, talvez a mais cruel doença que um ser humano é capaz de experimentar – quando consegue sair vivo dela. E para quem convive de perto, chega a corroer a alma diante da impotência de nada poder fazer para curar ou controlar esse mal. Eu convivi durante mais de sete anos com o sofrimento da minha mãe, vítima desta terrível doença. E é para alertar tantas outras pessoas e famílias que esse Dia Mundial do AVC (29 de outubro) não pode passar em branco.
Uma em cada três pessoas em todo o mundo vai ter AVC. Conhecido popularmente como derrame, o acidente vascular cerebral é uma das principais causas de morte e de sequelas no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, já representa a primeira causa de morte e incapacidade da população, com grandes consequências sociais e econômicas para os indivíduos e a sociedade.
“O AVC leva uma vida a cada seis segundos, então é de extrema importância que as pessoas conheçam os sintomas e saibam a urgência de buscar socorro imediato”, alerta Sheila Martins, fundadora da Rede Brasil AVC e representante da World Stroke Organization (WSO) para a América Latina. “A identificação precoce dos sinais, o tratamento médico de emergência em unidade especializada e o acesso a profissionais capacitados podem reduzir consideravelmente os riscos de sequelas”.
Cada vez mais jovem
Um fato preocupante é que, de acordo com o Ministério da Saúde, está aumentando a incidência em pessoas com até 40 anos – antes, era considerada uma doença mais frequente em idosos, a partir dos 60 anos. “O AVC está diretamente relacionado com o estilo de vida. O estresse é um dos grandes responsáveis, assim como os maus hábitos (fumo, álcool, sedentarismo), e outros fatores de risco: a hipertensão, diabetes e o colesterol”, alerta Guilherme Abraão, médico neurorradiologista intervencionista do Hospital Quinta D’Or.
De acordo com Vanessa Muller, neurologista e diretora médica da VTM Neurodiagnóstico (RJ), o AVC não é mais um mal exclusivo de idosos. O número de vítimas entre os jovens tem crescido em decorrência das mudanças nos hábitos de vida. Tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, colesterol alto, obesidade, sedentarismo e estresse estão entre os principais fatores de risco que fazem com que os jovens sofram da doença.
“O estresse afeta o controle da pressão e do açúcar no sangue. Nesta condição, a pessoa tende a fumar mais e a fazer menos exercícios físicos, tornando-se sedentário e até obeso. Hoje em dia, os jovens estão mais expostos ao estresse e, consequentemente, aos demais fatores de risco”, explica a neurologista Vanessa Müller, diretora médica da VTM Neurodiagnóstico.
A especialista lembra, ainda, que as comodidades da vida moderna – como carro, controle remoto, fast food e escada rolante – fazem com que as pessoas se movimentem cada vez menos. Também por isso, o número de jovens que sofrem AVC vem aumentando e, não à toa, a doença é uma das que mais matam no mundo, superando a soma de óbitos em decorrência de AIDS, tuberculose e malária.
Exame da carótida pode detectar problema
Todo mundo conhece (ou deveria conhecer) as graves sequelas que o AVC pode causar, quando não mata. Mas o que poucas pessoas sabem é que o problema poderia ser evitado se a presença de obstruções nessas artérias fossem diagnosticadas e tratadas precocemente. De acordo com o Ministério da Saúde, mais de 100 mil brasileiros morrem todo ano em decorrência do problema, sendo que 90% dos casos podem ser prevenidos através de hábitos saudáveis e de um exame simples, disponível na rede pública, o exame da carótida.
Aproximadamente 40% a 50% das vezes dos casos de AVC têm sua causa associada ao entupimento da carótida, artérias que são as principais responsáveis por levar o sangue do coração a toda região da cabeça. De acordo com Carlos Peixoto, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular do Rio de Janeiro (SBACV-RJ), o exame de imagem das carótidas em pacientes de alto risco ou a partir dos 60 anos é capaz de identificar e evitar até 90% dos casos de AVC.
É possível identificar se a carótida está comprometida quando sintomas de ataque isquêmico transitório (AIT) aparecem. Dentre eles sensação de fraqueza, formigamento em um lado do corpo, incapacidade de controlar o movimento de um braço ou uma perna, perda temporária ou “embaralhamento” da visão em um olho e incapacidade de falar claramente. “Se a obstrução da carótida for identificada, é possível indicar o melhor tratamento para o paciente”, afirma Carlos Peixoto.
O médico explica que uma cirurgia chamada endarterectomia consegue retirar o ateroma (placa de gordura) das carótidas. Já a angioplastia com colocação de stent, é um método menos invasivo, caracterizado pela inserção de um cateter com stent e um balão dentro da carótida, que “compacta” a placa. Em ambos os casos, o fluxo de sangue é restabelecido e as chances de AVC reduzidas.
A primeira etapa do diagnóstico é feita com base em perguntas sobre a saúde do paciente, como seu histórico médico, hábitos de vida, e presença de sintomas. Além disso, pode ser realizado um exame físico para detectar sons indicativos de um fluxo sanguíneo turbulento nas artérias carótidas, procedimento conhecido como ausculta de sopro carotídeo, ao exame clínico com estetoscópio.
Com base no resultado desta etapa, poderá ser indicado o eco-Doppler, também conhecido como Duplex-scan, exame mais utilizado no Brasil para identificar a presença de obstruções nas artérias carótidas. Ele é capaz de avaliar, com muita precisão, o grau de estreitamento da artéria, um dos critérios que o cirurgião vascular utiliza para medir o risco de AVC, e definir o melhor tratamento para cada paciente.
Guia completo sobre o AVC – como evitar, diagnosticar e tratar
A partir de informações de diversos especialistas, o Blog Vida & Ação elaborou um guia com as principais informações acerca da doença, repassadas por importantes fontes e instituições especializadas.
1 – O que é o AVC
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) pode ser definido como um déficit neurológico causado por interrupção do fluxo sanguíneo a uma determinada região do cérebro. Quando esse fluxo é interrompido nas artérias coronárias, ocorre o infarto de miocárdio. Existem dois tipos de AVC. O isquêmico é aquele em que há obstrução de uma das artérias que irrigam o cérebro. É o mais comum, ocorre em até 87% dos casos e, se tratado corretamente e no tempo hábil, tem um menor risco de danos ou sequelas.
Já quando há o rompimento de um vaso ou artéria, levando a uma grave hemorragia cerebral, caracteriza-se o AVC hemorrágico, que representa os outros 13% dos casos. É o tipo mais perigoso e requer tratamento cirúrgico imediato. sendo decorrente da obstrução de uma ou mais artérias de irrigação cerebral devido ao acúmulo de substâncias (colesterol, cálcio e tecido fibroso) em seu interior, formando o que os médicos chamam de ateroma.
2 – Diagnóstico
Os sintomas mais comuns do AVC são fraqueza ou dormência numa parte do corpo; dificuldade em falar, compreender, ler ou escrever; perda súbita e temporária da visão e do controle dos músculos faciais e dificuldade para falar são alguns dos principais sintomas do problema. Também podem ocorrer dor de cabeça fora do comum; vômitos; visão dupla; desequilíbrio; vertigem e tontura; convulsão; desmaio; sonolência e rigidez na nuca. Ao identificá-los, não perca tempo. Leve imediatamente o paciente ao posto de saúde mais próximo e busque ajuda médica especializada!
3 – Tratamento
Um AVC isquêmico pode ser revertido e não deixar sequelas em 80% do casos, desde que o paciente receba o atendimento e cuidado necessários em até 3 horas. O sucesso no tratamento depende da educação das possíveis vítimas, do reconhecimento precoce dos sinais e sintomas, do transporte rápido ao hospital, da existência de setores especializados no tratamento dessa doença nos hospitais de referência e do acesso a exames especializados e medicações especiais.
Entre as opções de tratamento estão medicamentos capazes de dissolver o coágulo e o procedimento endovascular – técnica minimamente invasiva para extração do trombo causador da obstrução –, que aumentam entre 30% e 50% as chances de um bom resultado clínico e diminuem as possibilidades de sequelas graves.
4 – Fatores de risco
As chances de desenvolver a doença aumentam com a idade, uma vez que o estreitamento após os 75 anos é mais comum. No entanto, há relato de pessoas com até menos de 60 anos diagnosticadas com a doença. Existem ainda outros fatores de risco como hipertensão arterial, diabetes, altas taxas de colesterol e triglicérides, tabagismo, sedentarismo e doenças cardíacas. “A predisposição genética também é importante, ou seja, se algum parente de primeiro grau teve AVC, suas chances são maiores”, acrescenta Peixoto.
Atingindo com mais frequência pessoas hipertensas, diabéticas, fumantes, sedentárias e que sofrem de doenças cardíacas, principalmente a arritmia – fibrilação atrial, o derrame pode ocorrer a qualquer hora, durante qualquer atividade e até mesmo durante o sono, com o tipo Isquêmico – mais comum e caracterizado pelo bloqueio da irrigação de um vaso sanguíneo no cérebro, ou o Hemorrágico – geralmente mais grave, causado por uma ruptura de um vaso sanguíneo dentro ou ao redor do cérebro.
5 – Principais sequelas
Dentre as sequelas do AVC, estão disfunções da fala (incluindo afasia, que é a incapacidade de linguagem), deglutição e movimentos, que devem ser tratados com equipe multidisciplinar (fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, psicólogos) que é possível encontrar em diversas instituições públicas e privadas no país.
Embora todas as sequelas interfiram na qualidade de vida da vítima do AVC, do ponto de vista motor, a espasticidade (rigidez muscular excessiva dos membros afetados) foi apontada como a mais incapacitante e impactante para 42% de 810 pacientes, segundo pesquisa realizada em 31 países. A espasticidade leva a postura anormal, dor ou interfere no sono, condições estas que mais incomodam para 34,5% dos pacientes e às limitações nas atividades da vida diária geradas para tomar banho, vestir-se, comer ou cortar as unhas, referida por 23,5% dos pacientes pesquisados.
6 – Reabilitação precoce
Quanto antes o indivíduo for direcionado à reabilitação, melhores resultados terá, sendo muito importante o trabalho de reabilitação funcional para que o paciente seja o mais independente possível dentro da incapacidade funcional que ele apresenta, através da recuperação da atividade motora afetada pela espasticidade, com programa multidisciplinar e aplicação de toxina botulínica A, que além de somar para o relaxamento do músculo espástico ainda atua na diminuição da dor.
“Este tratamento é muito importante para que o paciente possa voltar a realizar atividades simples do dia a dia, como escovar os dentes, pentear o cabelo ou segurar um copo”, relata Carla Moro, neurologista e vice-presidente da ABAVC, que complementa que a maioria das pessoas acometidas por um AVC e tem a oportunidade de acesso a um plano de reabilitação adequado conseguem uma recuperação parcial ou total”, relata a neurologista.
Importante atentar também para as alterações cognitivas como memória, organização do pensamento para que o processo de reabilitação seja mais efetivo. Não podemos deixar de salientar que ao redor de 50% dos indivíduos acometidos por AVC tendem a desenvolver quadros depressivos em algum momento, devendo este diagnóstico e tratamento para esta entidade serem realizados precocemente.
7 – Socorro em até 4h30
Segundo a WSO, a parte mais importante do trabalho de conscientização é ampliar o conhecimento dos sintomas, já que quanto mais rápido for o atendimento emergencial, maiores serão as chances de recuperação. Quando a pessoa sofre um AVC, a janela de tratamento é de apenas 4,5 horas, antes que a chance de ocorrerem sequelas graves seja maior. O tratamento apropriado de um AVC nas primeiras quatro horas e meia é crucial para garantir a sobrevivência e diminuir a chance de sequelas. Para facilitar a lembrança dos principais sintomas, a Rede Brasil AVC criou a sigla SAMU:
Sorriso: peça para a pessoa dar um sorriso e observe se um dos lados está do rosto está “caído” ou assimétrico Abraço: peça-lhe para elevar os braços. Um dos braços apresenta perda de força e não se sustenta? Música: peça a ela para repetir uma frase ou cantar uma música. A pessoa consegue falar? A fala está embaralhada ou confusa? Urgente: aja rápido e busque imediatamente atendimento médico de emergência. Ligue urgente 192 e chame o SAMU. A rapidez no atendimento pode salvar vidas.
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8 – Como evitar um AVC
Até 90% dos fatores de risco para um AVC podem ser prevenidos. Basta incorporar algumas atitudes simples na rotina e prevenir-se:
– Parar de fumar;
– Fazer exercícios;
– Controlar o peso e seguir uma dieta balanceada;
– Diminuir o consumo de bebidas alcoólicas;
– Fazer check-ups regulares com o médico.
Campanhas de combate ao AVC
A Rede Brasil AVC, representante brasileira da World Stroke Organization (WSO), lança no país a campanha global “ Campanha Nacional de Combate ao AVC, que acontece entre os dias 22 e 30 de outubro, com o tema “AVC tem tratamento”. O objetivo é aumentar a conscientização sobre a doença, principalmente seus sintomas e grupos de risco, incluindo as opções de tratamento, o processo de reabilitação e a possibilidade de reincidência (um em quatro sobreviventes terão um novo episódio de AVC). A campanha atenta para o fato de que muitos brasileiros ainda não conhecem detalhes preciosos do AVC, que podem salvar vidas, como a predominância da doença em mulheres.
– Aplicativo – Um dos destaques da campanha deste ano é o lançamento do aplicativo para smartphones “AVC Brasil”, disponível para as plataformas iOS e Android. Para suprir a falta de informações e oferecer apoio para a população na hora de um episódio da doença, o aplicativo traz informações sobre os principais sinais e sintomas e auxilia no atendimento às vítimas. Com poucos toques, é possível encontrar a relação de hospitais mais próximos que estejam preparados para receber um paciente com provável episódio de AVC e cria atalhos para que o usuário possa cadastrar e contatar familiares e/ou realizar chamadas de emergências para números pré-definidos, como o Serviço Móvel de Urgência (SAMU).
Mutirões e palestras – Em apoio à campanha da WSO, a Boehringer Ingelheim, uma das principais farmacêuticas no mundo, tem realizado diversas ações como mutirões e ações de conscientização no Rio de Janeiro até novembro. As ações começaram no dia 23 e neste sábado(29), é a vez do auditório do Hospital Municipal Souza Aguiar, das 8h30 às 11h40. Os mutirões voltados para a população contam com mensuração da pressão arterial, glicemia e colesterol e informar sobre os sintomas de um AVC e a necessidade de atendimento rápido.
Programa Angels – A Boehringer Ingelheim também criou o Programa Angels, que tem como missão oferecer ferramentas como vídeos de treinamento aos profissionais da saúde, diretrizes de atenção ao paciente sobre a importância do reconhecimento dos sinais do AVC, modelos de protocolos e diretrizes internacionais e nacionais para implementação dentro das instituições de saúde, que auxiliam na organização e melhoria da rede de atendimento ao paciente com AVC no país.
Manual – Outras iniciativas da Rede Brasil AVC incluem a implementação do novo manual global de orientações de serviços da WSO, The Roadmap to Delivering Quality Stroke Care (O roteiro para oferecer cuidados de qualidade em AVC, em tradução livre), e de programas educacionais clínicos como a World Stroke Academy (Academia Mundial do AVC, em tradução livre) e diversos cursos sobre acidente vascular cerebral.
Números e dados alarmantes
– Segundos dados da WSO, 17 milhões de pessoas no mundo sofrem um AVC anualmente, sendo que 6,5 milhões, o equivalente a mais de um terço, não sobrevivem.
– Com mais de 26 milhões de pessoas permanentemente incapacitadas pelo AVC em todo o mundo, a doença é considerada um problema de saúde pública, já que afeta não só o paciente, mas familiares, amigos e comunidade.
– Ainda de acordo com a WSO, 80% dos casos acontecem em países de baixa e média renda por falta de consciência de prevenção, cuidados e sistema de saúde deficiente
– O AVC mata 6,2 milhões de pessoas no mundo a cada ano, o que representa 30% das mortes globais, segundo a OMS.
– De acordo com a Associação Brasil AVC (ABAVC) a cada seis segundos uma pessoa morre no mundo por causa do derrame.
– A doença é considerada a principal causa de morte em pessoas acima de 60 anos e a quinta em pessoas com idades entre 15 e 59 anos.
– Cerca de 10% dos casos de AVC ocorre em pessoas com idade abaixo dos 40 anos.
– Em 2015, de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrado 183,9 mil internações decorrentes de um AVC.
– Decorrente da insuficiência no fluxo sanguíneo em uma determinada área do cérebro, o AVC Isquêmico é o tipo mais comum representando mais de 80% dos casos da doença, sendo a terceira causa de morte no Brasil. Eles são causados por um coágulo de sangue que obstrui uma artéria do cérebro e, geralmente, não causam dor.
– De acordo com levantamento realizado em 2014 pela APCO Insight, patrocinado pela Medtronic, a principal parceira mundial da WSO, apenas 18% dos brasileiros sabem que 1 em 6 pessoas sofrerão um AVC em suas vidas, enquanto 13% compreendem que mulheres estão mais propensas à doença que homens.
– Apesar do conhecimento sobre a alta incidência da doença (1 em 3 pessoas conhece três ou mais pessoas que tiveram um AVC), o entendimento sobre os fatores de risco é baixo. Apenas 1 em 5 pessoas sabe que tabagismo, hábitos alimentares ruins e hipertensão colocam as pessoas em risco de sofrer um AVC.
– Conhecimentos sobre sinais e sintomas também são baixos: 1 em 4 adultos sabe que dores de cabeça e tontura são sinais de risco e sintomas, mas apenas 1 em 10 está ciente de que a fala arrastada e as alterações no rosto (dormência, paralisação ou “caimento”) podem sinalizar um AVC.
– Do lado positivo, 9 de cada 10 respondentes sabem que devem ligar para um serviço de emergência e levar um paciente com suspeita de AVC para o hospital imediatamente.
Nesta videorreportagem, a neurologista e vice-presidente da ABAVC, Carla Moro, esclarece as causas, sintomas, tratamentos e a importância da reabilitação dos acometidos pela doença
Fontes: World Stroke Organization (WSO), Rede Brasil AVC, Hospital Quinta D’Or, Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular do Rio de Janeiro (SBACV-RJ)