Ministro da Saúde ‘mistura saúde com política’, diz especialista

Diretor da APM critica decisão do ministro da Saúde de suspender emergência sanitária, mesmo após OMS evitar decretar o fim da pandemia

Vacinação de crianças e adolescentes contra a Covid-19 é uma ferramenta fundamental para o controle da pandemia de Covid-19 (Reprodução de internet)
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Na contramão da Organização Mundial da Saúde (OMS), que declarou que a covid-19 “representa um risco contínuo de propagação internacional”, o Brasil decidiu declarar o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin). Às vésperas do Carnaval fora de época em duas das maiores cidades brasileiras – Rio de Janeiro e São Paulo – e em meio à corrida eleitoral, a decisão foi anunciada na noite de domingo (17), em pronunciamento oficial em rádio e TV pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e confirmada em entrevista coletiva nesta segunda (18).

Na prática, a declaração do fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) flexibiliza um conjunto de medidas não farmacológicas, como uso de máscaras, tomadas para a prevenção da covid-19. Segundo o ministro, o anúncio foi possível por causa da melhora do cenário epidemiológico, da ampla cobertura vacinal e da capacidade de assistência do Sistema Único de Saúde (SUS).

O pronunciamento e a entrevista do ministro da Saúde geraram várias críticas nas últimas horas de diferentes porta-vozes da sociedade médica e científica brasileira. Marun David Cury, diretor de Defesa Profissional (DP) da Associação Paulista de Medicina (APM) e consultor de DP da Associação Médica Brasileira (AMB), foi bastante enfático em sua avaliação sobre a medida.

“A revogação do Espin pelo ministro da Saúde é uma atitude absolutamente burocrática e muito provavelmente obedecendo ordens presidenciais para, mais uma vez, fazer disso um factoide político. Não havia necessidade disso, ainda não se está normatizado o que vai acontecer e mais uma vez, a Ciência não foi ouvida. Achei desnecessária a medida. Lamentavelmente, se mistura saúde com política”, disparou.

Na sua opinião, o ministro da Saúde deve ter tomado essa decisão se baseando em dados fornecidos por seu grupo técnico, sem ouvir a Organização Mundial de Saúde. “(Esta decisão) está na contramão da ordem mundial porque a OMS não se manifestou ainda para o término da pandemia porque ainda existem em alguns países focos residuais com altas taxas de mortalidade”, comentou.

O ideal, na sua opinião, é que o Ministério da Saúde tivesse o aval da OMS para declarar o fim da  pandemia no Brasil. “Grande parte das críticas que o ministro vem recebendo é justamente em função dessa não  falta de consulta à OMS, ou pelo menos até o momento ele não manifestou que a tenha consultado”, acrescentou.

Ainda segundo Cury, apesar de a pandemia estar em patamares menores no Brasil, não é o momento de de descuidar de medidas sanitárias importantes. “Ainda não pode baixar a guarda, mesmo com a pandemia caminhando para o fim. A Covid, a partir de logo, passará a ser uma endemia e teremos que tomar cuidado sempre e anualmente (via imunização)”, destacou.

OMS recomenda dose de reforço e uso de máscara

Apesar da queda do número de contágios e óbitos pelo coronavírus – com o menor número de mortes no mundo desde o início da pandemia na semana passada -, o Comitê de Emergência da OMS declarou que a covid-19 “representa um risco contínuo de propagação internacional e requer uma resposta internacional coordenada”.

A OMS manteve a emergência internacional sob o argumento de que muitos países ainda não atingiram uma taxa de vacinação segura. “A melhor maneira para se proteger é se vacinando e tomando a dose de reforço quando recomendada. Continue usando máscara – especialmente em aglomerações em ambientes fechados”, disse na semana passada Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS.

Em nota divulgada na quarta-feira (13), a OMS destacou que o “comportamento imprevisível do SARS-CoV-2 e as respostas nacionais insuficientes contribuem com a continuidade do contexto de pandemia global”.

Ainda segundo o documento, “o comitê concordou por unanimidade que a pandemia de covid-19 ainda constitui um evento extraordinário que continua a afetar negativamente a saúde das populações em todo o mundo, representa um risco contínuo de disseminação interferência no tráfego internacional e requer uma resposta internacional coordenada”.

Para a entidade, a redução de casos e mortes não significam um “risco menor” do vírus, que continua a evoluir e a sofrer mutações.

Maior campanha vacinal da História do Brasil

Em entrevista coletiva nesta segunda-feira (18), o ministro, entretanto, disse que a medida não significa o fim da pandemia. “A Covid não acabou e não vai acabar, e nós precisamos conviver com essa doença e com esse vírus. Felizmente, parece que o vírus tem perdido a força, tem perdido a letalidade, e cada dia nós vislumbramos um período pós-pandêmico mais próximo de todo mundo”, disse.

Queiroga garantiu que haverá um período de transição, e que mesmo com o fim da emergência sanitária “nenhuma política de saúde será interrompida”. Ainda segundo o ministro, nos próximos dias uma portaria com os argumentos que fundamentam a medida será publicada no Diário Oficial da União.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, durante coletiva de imprensa para explicar o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN).

Um deles é a queda expressiva dos casos e dos óbitos provocados pela covid-19 nos últimos 15 dias. Segundo último balanço, divulgado pelo Ministério da Saúde neste domingo, o Brasil registrou, desde o início da pandemia, 30.252.618 casos de covid-19 e 661.960 mortes em decorrência da doença. Há 29.227.051 pessoas que se recuperaram da doença, o que representa 96,6% dos infectados. Há ainda 363.607 casos em acompanhamento.

No pronunciamento de domingo e na coletiva de segunda, o ministro falou que o país realizou “a maior campanha de vacinação de sua história”, com a distribuição de mais de 476 milhões de doses de vacina. Ressaltou que mais de 73% dos brasileiros já completaram o esquema vacinal contra a covid-19 (em duas doses ou dose única) e mais de 77 milhões de pessoas – 39% da população – já receberam a dose de reforço contra o coronavírus.

Outro aspecto considerado para o fim da emergência sanitária é a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS) de atender não só os casos de covid-19, mas também as doenças prevalentes que, segundo o ministro, “foram negligenciadas durante os períodos de picos da covid”. Na lista de justificativas do ministro da Saúde há ainda a capacidade de vigilância epidemiológica e genômica brasileiras.

No pronunciamento de domingo, Queiroga também destacou os investimentos federais em dois anos de pandemia e disse que o Ministério da Saúde “permanece vigilante e preparado para adotar todas as ações necessárias para garantir a saúde dos brasileiros, em total respeito à Constituição Federal”.

“O Ministério da Saúde fortaleceu o SUS, com a expansão da capacidade de vigilância, ampliação na atenção primária e especializada à saúde. Foram mais de R$ 100 bilhões destinados exclusivamente para o combate à pandemia, além dos mais de R$ 492 bilhões para o financiamento regular da saúde desde 2020”, disse Queiroga.

Insumos para Coronavac serão mantidos por um ano

A portaria diminuiu a burocracia para enfrentar a doença e permitiu, entre outras coisas, que a Secretaria de Vigilância em Saúde fizesse a contratação temporária de profissionais para a atuar na linha de frente de combate à covid-19, aquisição de bens e contratação de serviços. A partir da publicação da portaria, também serão alterados critérios que facilitam a compra de insumos médicos sem licitação.

Autoridades do Ministério da Saúde esclareceram, no entanto, que a pasta já pediu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que mantenha por até 365 dias a autorização de uso emergencial de insumos usados no enfrentamento à covid, como a vacina CoronaVac.

O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Rodrigo Cruz, lembrou que normas editadas durante a pandemia tiveram sua validade vinculada à duração da Espin. “Todas as flexibilizações de contratação, agilidade para fazer compra de vacina, não decorrem de poderes especificamente da Espin, mas de leis editadas que tiveram posteriormente sua validade vinculada à vigência da Espin”, disse.

O número dois da Saúde acrescentou que a declaração do fim da Espin tem dois pilares: a transição para adaptação de normas e leis à nova realidade, e a continuidade do monitoramento da situação epidemiológica, em conjunto com entes da federação.

No Brasil, o estado de emergência foi decretado pelo governo federal em fevereiro de 2020, antes da confirmação do primeiro caso de covid-19 no país, enquanto a Europa já registrava centenas de casos de covid-19. No dia 3 de fevereiro de 2020, o ministério declarou a covid-19 como emergência de saúde pública de importância nacional. A declaração de transmissão comunitária no país veio em março, quando foi registrada a primeira morte pela doença.

Com Agências 

 

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