Por Emanoele Freitas*
Desde os 2 anos de idade Eros apresentava um comportamento desafiador fora do normal. Digo isso porque toda criança nessa idade tem o desafio em graus, pois estão mudando e criando sua autonomia, mas a dele fugia a esse requisito, ia além.
Não sabia como lidar no início. Temos uma cultura de que as crianças devem obedecer e pronto. Se isso não ocorre, serão castigadas. Falo sempre isso para as mães, sei que todas em algum momento já bateu, ou foi um pouco mais severa e eu não fugi dessa regra, totalmente sem conhecimento e ouvindo a opinião dos outros que diziam:
“Se fosse meu filho dava logo um jeito”,
“Se fosse meu filho ele não faria isso”,
“Você é muito mole, quando ele crescer vai dar na sua cara”…
E tantas outras falas que me incomodavam.
A vergonha pelo comportamento dele piorava. Isso mesmo, sentia muita vergonha de ele ser assim, e também raiva de mim por não estar sendo a mãe que daria conta dessa situação porque eu realmente não sabia lidar.
E cada vez que batia nele me sentia a pior pessoa do mundo, me sentia ruim, e chorava. Até o dia que meu filho, que fala apenas frases pontuais, depois de eu dar uma chinelada no bumbum, virou pra mim chorando e disse :”Por quê? Por quê?”.
Eu comecei a chorar junto e pedir perdão, disse que não faria mais, não queria ser daquela forma, não era assim que iria funcionar e senti isso nas palavras do meu filho – ele não sabia se controlar e não entendia porque me batia, beliscava etc… algo estava acontecendo com ele e ele não sabia explicar.
Comecei, então, a conversar com médicos e estudar sobre o TOD. Queria entender como conseguiria amenizar pelo menos os quadros de agressividade dele.
Aos 6 anos Eros começou a usar medicação para redução da agressividade e aos 8 anos conheci a terapia cognitiva comportamental. Fui fazer meu primeiro curso em Análise do Comportamento em São Paulo. Ele não falar não me incomodava tanto quanto a agressividade e as crises de oposição no meio da rua e em casa.
Através da terapia comecei a mudar meu jeito de ser e a forma como lidava com ele. Comecei a utilizar as técnicas de antecipação, reforçador positivo e a buscar não fazer tanto reforçador negativo. Foi horrível no início, horrível mesmo. Eram horas de “luta”, horas que machucavam a mim e a ele emocionalmente.
Para mim era devastador, mas sabia que estava fazendo para o bem dele. Teve uma vez que ficamos três horas em uma situação muito complicada, mas mantive na frente dele a pose e os procedimentos, quando finalmente ele cedeu e, entendendo que eu não mudaria, dormiu. Isso foi de 2 horas da madrugada até as 5h da manhã.
Quando finalmente ele dormiu, eu desabei a chorar feliz, frustrada, machucada (arranhada, mordida, agredida a socos)… Era uma mistura de tudo. Fiquei sentada, olhando ele dormir, tão sereno, e tive a certeza: “Agora vamos em frente, eu sou tudo o que você tem, e não vou parar agora”.
‘Meu principal problema era a família’
Meu principal problema era a família – eles não entendiam que o comportamento do Eros não era proposital. E foi muito difícil eles compreenderem como funcionava a “não-punição” física, já que em muitos momentos ele me batia na frente de todos e eles achavam um absurdo eu me retirar com ele para um local onde só estivesse eu e ele e fizesse o procedimento.
Minha filha também era um dos fatores que me preocupavam muito. Ele batia muito nela, e usava isso pra chamar minha atenção. Comecei a ensinar a ela como proceder com ele também, com voz firme e postura, impedindo ele que conseguisse bater nela. Minha filha chorava comigo e dizia: “Eu amo meu irmão, mãe, mas não quero ele perto de mim”.
Os sentimentos dentro de mim eram horríveis: “Ter um filho autista e ainda com TOD? Por que tudo isso conosco?”. Muitas vezes estava tão cansada que não conseguia levar adiante minha palavra e cedia. Mas isso só piorava as coisas, e a ficha caiu como um raio. Ele está crescendo, como vai ser quando ele tiver maior do que eu? Eu não podia ceder, não podia retroceder agora.
‘Já conseguimos um avanço e tanto’
Hoje, aos 12 anos, vejo as pessoas falando: “Nossa como Eros está diferente!”, “Nossa, como ele melhorou!”. E fico feliz, mas ao mesmo tempo penso: “Dá bobeira pra ver?” Não posso fraquejar, fico repetindo isso o tempo todo comigo, o comportamento dele melhorou bastante, mas ele testa muito. E se der uma brecha, ele faz. Ainda tem o hábito de se irritar e perder o controle, mas hoje consigo fazê-lo ver que está passando do limite. Ele entende que está se descontrolando.
Não tenho ilusões de que a medicação será constante, ele nunca vai poder parar, mas já conseguimos um avanço e tanto. Eros não vai à escola atualmente. Ele já não aceita muitas coisas, como sala de aula pra fazer as mesmas coisas. Tenho problemas até para aceitar a terapia comum. Estou agora voltada às habilidades dele como o esporte, a música e a tecnologia.
Ele está crescendo apesar das limitações dele. Não aceita a mesmice. Tenho que pensar agora na habilidade para a vida adulta já que o atendimento pedagógico dele é na associação. Mas o professor da sala de recurso dele é muito dedicado e as reações dele na escola sempre foram boas. Depois de controlado o comportamento, todos conseguem lidar com ele normalmente.
Análise Comportamental
Recebo algumas mães com filhos com TOD, e o maior problema são elas mesmas, principalmente, entenderem que pode ser complicado no início, mas que estão fazendo o melhor para o filho. Quando consigo que elas vejam o que eu passei e o que passo, elas entendem que não estou falando por bobeira e sim por conhecimento de causa.
Muitas mães desistem e aí ficam achando que eu queria “prejudicar” seus filhos. Mas, por experiência nesses cinco anos, quando o comportamento piora e muito alguns meses ou anos, depois elas entendem que tudo era para evitar que isso acontecesse.
Muitos acham que Análise de Comportamento e que a terapia é “maldade”. Já ouvi isso acreditem! Mas é você mostrar, ensinar para alguém que aquele comportamento não é o correto. E quem quer seguir regras? Difícil, não é?
Hoje posso dizer que meu filho está caminhando para uma grande melhora, mas sou muito crítica e sempre quero mais dele, então seguimos com as regrinhas da Análise Comportamental.
* Emanoele Freitas é escritora, pesquisadora, palestrante, mediadora escolar e familiar, além de ser presidente e fundadora da Associação de Apoio à Pessoa Autista (AAPA)