O Inca (Instituto Nacional de Câncer) estima que em 2021 sejam diagnosticados no Brasil 10.810 novos casos de leucemia, um tipo de câncer que afeta os glóbulos brancos do sangue e se inicia nas células-tronco da medula óssea. A doença pode ser curada com o tratamento adequado, mas mesmo assim, a taxa de mortalidade segue alta no país. O último levantamento do Inca revelou 4.795 óbitos no país decorrentes da doença em 2017.
Em tempos de pandemia da Covid-19, especialistas alertam para a importância de se procurar por ajuda médica em caso de suspeita e dos pacientes não interromperem os tratamentos em andamento. Para diminuir o impacto da doença, a campanha Fevereiro Laranja foi criada em 2019 em São Paulo, com objetivo de conscientizar e estimular o diagnóstico precoce e a doação de medula para transplantes.
Como em diversos outros setores, a pandemia por coronavírus também impactou pacientes com diagnóstico de câncer. De acordo com estudo publicado em junho de 2020 pelo Instituto Oncoguia, cerca de 43% dos pacientes com câncer tiveram seus tratamentos impactados pela pandemia, em detrimento de cancelamentos ou adiamentos de procedimentos.
Estudo recente do Grupo Oncoclínicas, publicado no Journal of Clinical Oncology e que acompanhou 198 pacientes oncológicos que tiveram Covid-19 entre março e julho de 2020 revelou uma taxa de mortalidade de 16,7% – seis vezes maior do que o índice global de mortalidade pelo coronavírus, de 2,4%. Entre os pacientes estudados, 84% tinham tumores sólidos e 16% tinham câncer hematológico.
Durante a pandemia, houve mais restrições de doadores, o que levou os hospitais a adotarem novas medidas para a coleta de medula óssea.
O que temos feito é seguir a recomendação da Sociedade Brasileira de Transplante (ABTO) e congelar a medula coletada antes de começar o procedimento no paciente oncológico para evitar o risco de contaminação pela Covid-19″, afirma Philip Bachour, onco-hematologista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Por que doar medula óssea?
O especialista explica que a doação de medula óssea consiste, na verdade, em um compartilhamento de medula, visto que, entre 15 a 30 dias a medula se reconstitui naturalmente. “Na doação de medula você oferece a sua contribuição e não fica sem ela. Na verdade, você só compartilha. É um ato de compartilhamento de vida.”, enfatiza.
O processo de doação não oferece risco à saúde e pode acontecer de duas formas: pela coleta diretamente na medula óssea ou por meio da filtragem do sangue.
Na doação feita diretamente na medula, as células serão coletadas através de punções na região pélvica posterior (osso do quadril). Pode ter um pouco de dor no pós-operatório por conta da manipulação, mas é um procedimento seguro com baixíssimo risco. A outra forma é a indução da produção de células-tronco por medicamento em que, posteriormente, filtramos e separamos as células-tronco do sangue para o transplante”, explica Dr. Bachour.
Dificuldades em encontrar doador compatível
Embora tenhamos hoje no Brasil mais de 5 milhões de doadores cadastrados no Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea), muitas vezes não é possível contatar o doador compatível devido ao cadastro desatualizado, por isso, os doadores já cadastrados devem sempre manter seus dados atualizados.
Para ser um doador, é preciso ter entre 18 e 55 anos de idade, estar em bom estado geral de saúde, não ter doença infecciosa ou incapacitante, e não apresentar doença neoplásica (câncer), hematológica (do sangue) ou do sistema imunológico. O cadastro pode ser feito em todos os hemocentros do país.
Leucemia e Covid-19: cuidados redobrados
A médica hematologista Ana Carolina Moreira de Carvalho Cardoso, especialista em transplante de medula óssea, que integra o OncoCenter Dona Helena, em Joinville (SC), lembra que os estoques dos bancos de sangue tiveram uma queda durante a pandemia.
Estamos sempre lembrando a população de como uma doação pode salvar algumas vidas, pois, principalmente nos primeiros meses do diagnóstico de leucemia, o paciente precisa muito dos hemocomponentes que são preparadas através do sangue total do doador”, observa a médica.
Ela ressalta que, apesar de estarmos atravessando um período difícil causado pela pandemia de Covid-19, as outras doenças não desapareceram. Devemos manter a atenção redobrada. E faz um alerta aos pacientes que fazem quimioterapia ou que estão na fase pós-tratamento.
É preciso aumentar os cuidados habituais, como lavar as mãos frequentemente com água e sabão ou álcool em gel, manter uma boa ingesta hídrica, uso de máscaras ao sair, além de evitar aglomerações e lugares fechados. Qualquer sintoma apresentado pelo paciente deve ser relatado ao seu médico assistente, evitando assim idas desnecessárias às emergências”, frisa.
Tipos de leucemia
A doença se caracteriza pela quebra do equilíbrio da produção dos elementos do sangue, causada pela proliferação descontrolada de células. De acordo com a médica hematologista, as leucemias podem ser classificadas de acordo com a evolução e o tipo de efeito nos glóbulos brancos.
Quanto à evolução, existe a leucemia aguda e a crônica. Na aguda, mais comum da infância, as células malignas se encontram numa fase muito imatura e se multiplicam rapidamente, causando uma enfermidade agressiva. Já nas leucemias crônicas, rara na infância, a transformação maligna ocorre em células-tronco mais maduras. Nesse caso, a doença costuma evoluir lentamente, com complicações que podem levar meses ou anos para ocorrer.
Os primeiros sintomas, de acordo com a profissional, geralmente são inespecíficos e, na maioria das vezes, os pacientes não apresentam fatores de risco identificáveis. Pela redução de glóbulos vermelhos, pode ocorrer a anemia e, com ela, vem o cansaço, aumento dos batimentos cardíacos, entre outros sintomas associados. A redução das plaquetas ocasiona sangramentos, principalmente pela gengiva e pelo nariz (epistaxe), além de equimoses.
Já a redução dos glóbulos brancos aumenta a taxa de infecções. Também pode haver um aumento dos gânglios linfáticos, fígado ou baço, perda de peso, febre e sudorese noturna. “Nas leucemias agudas, a doença progride rapidamente e o tratamento deverá ser iniciado o mais breve possível. Nas crônicas, os sintomas podem ser mais brandos e, por vezes, o paciente poderá ser assintomático”, ressalta a especialista.
A leucemia também é classificada de acordo com o efeito que causa nos glóbulos brancos: a leucemia linfoide, linfocítica ou linfoblástica afeta as células linfoides, sendo mais frequente em crianças; e a leucemia mieloide ou mieloblástica afeta as células mieloides e é mais comum em adultos. Ainda há subtipos que requerem prognóstico e tratamentos diferenciados.
A origem da leucemia aguda ainda é desconhecida, porém, existem alguns fatores de risco que estão comprovadamente associados. “No caso das leucemias agudas mieloides temos alguns fatores, como tabagismo, benzeno, radiação ionizante, alguns quimioterápicos, Síndrome de Down, história familiar e idade. No caso das leucemias agudas linfoides, uso de alguns quimioterápicos, radiação ionizante, entre outras”, esclarece Ana.
Doença tem evolução rápida
Segundo o Dr Bachour, a doença tem evolução rápida na maioria dos pacientes, o que acontece quando as células jovens da medula óssea – tecido líquido que ocupa o interior dos ossos e responsável pela produção das células do sangue e do sistema imunológico -, param de amadurecer e começam a se acumular.
Quando isso acontece, as células competentes param de ser produzidas nesses pacientes e ocasiona a contagem baixa de plaquetas. Entre os primeiros sintomas estão sangramento gengival, manchas nas pernas e hematomas”, explica o especialista.
Embora algumas pessoas associem leucemia e anemia, as doenças não têm relação direta, porém, a anemia pode ser um sinal de alerta da existência do câncer. “A anemia é causada pela parada da produção das hemácias quando a medula óssea está ocultada por essas células doentes da leucemia, o que traz como sintomas o cansaço e a fadiga. Em caso de suspeita, o onco-hematologista compartilha que é possível concluir o diagnóstico provável de leucemia por meio de exame de sangue simples, o hemograma.
Segundo Ana Carolina, portadores de leucemias, principalmente nas formas agudas, em que há necessidade de quimioterapia intensiva, ficam mais propensos a quadros infecciosos. “Deve-se avaliar caso a caso ao diagnóstico para traçar a melhor estratégia para aquele paciente, ainda mais em tempos de pandemia. É importante ressaltar que as leucemias (principalmente as agudas), têm urgência para se iniciar o tratamento, por isso, independente do momento em que estamos vivendo, todos os pacientes com suspeita de leucemia devem ser cuidadosamente avaliados”, ressalta a profissional.
Diagnóstico molecular
A médica, especialista em transplante de medula óssea, frisa a importância da avaliação de um hematologista diante da suspeita de leucemia. Para realizar o diagnóstico, é preciso fazer um exame chamado hemograma e uma análise do sangue periférico. Depois, o paciente realiza o mielograma (exame da medula óssea), para avaliação da citologia, citogenética, avaliação molecular (mutações) e imunofenotipagem (avaliação do fenótipo das células).
No diagnóstico da doença o hemograma estará alterado, mostrando na maioria das vezes um aumento do número de leucócitos, associado ou não à diminuição das hemácias e plaquetas. Outras análises laboratoriais devem ser realizadas, como exames de bioquímica e da coagulação do sangue. Mas a confirmação diagnóstica é feita com o mielograma. Nesse exame, retira-se uma pequena quantidade de sangue proveniente do material esponjoso de dentro do osso para análise da medula óssea.
Os exames que utilizam a biologia molecular fazem parte do padrão ouro na identificação das leucemias, pois oferecem resultamos mais assertivos permitindo definir o percentual de células neoplásicas existentes no organismo de cada indivíduo. Desta forma é possível que as equipes médicas definam o melhor planejamento terapêutico e avaliem a necessidade de transplante para cada caso.
Tratamento da leucemia
O tratamento difere de acordo com o subtipo da leucemia, passando por procedimentos como uso de quimioterápicos, observação do paciente, uso de anticorpos monoclonais e uso de inibidores de tirosino quinase. No caso das leucemias agudas, o transplante alogênico de medula óssea poderá ser indicado nos casos refratários ou de subtipos mais agressivos. “Nas leucemias crônicas o objetivo é que o paciente entre em remissão, porém sabemos que, por ser uma doença crônica, pode ocorrer períodos de surtos e remissões. Já nas leucemias agudas o objetivo é a cura do paciente”, afirma a médica hematologista.
Segundo Dr Bachour, hoje há diversas terapias-alvo que agem diretamente nas alterações moleculares da doença, porém, esses tratamentos são custosos, o que torna o acesso mais restrito. Por apresentar um comportamento de risco que depende da fase da vida, pacientes com mais de 65 anos têm um risco maior ao contrair a doença e quanto maior o risco, maior a chance de precisar de tratamento com radioterapia e transplante de medula óssea.
De acordo com Dr. Bachour, cerca de 70% dos pacientes até 65 anos têm indicação para a terapia com transplante, mas para que o caso seja elegível, uma série de condições clínicas são avaliadas, como idade, morbidades e doenças prévias. No Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, todas as modalidades de transplantes são realizadas, como o transplante não relacionado (a partir de doador não aparentado) e com doador familiar parcialmente compatível.
Os diferentes tipos de leucemia
Segundo a médica hematologista Sara Rigo, do CEONC Hospital do Câncer, a leucemia é um câncer que afeta a produção de células sanguíneas da medula óssea, local onde o sangue é produzido no organismo, gerando, assim, uma produção anormal das células do sangue.
A doença pode ser dividida em aguda e crônica, de acordo com a velocidade de crescimento das células doentes e de acordo com o tipo de células afetadas (mielóides ou linfóides.) Portanto, de forma geral, são 4 tipos primários de leucemias: mielóide aguda (LMA), mielóide crônica (LMC), linfoblástica aguda (LLA) e linfóide crônica (LLC)”, elucida a médica.
Sem formas específicas para a prevenção, a leucemia tem o diagnóstico precoce e o monitoramento frequente da saúde como principais fatores para o sucesso do tratamento. Por isso, de acordo com a hematologista, a campanha Fevereiro Laranja é essencial.
São doenças graves e que devem ter diagnóstico precoce para que haja bons resultados com o tratamento. O cidadão, sabendo da existência da doença e dos seus sintomas, pode auxiliar na identificação dos sinais e procurar atendimento médico de forma rápida”, aponta a hematologista.
Sobre a doença
Segundo a médica, a leucemia se manifesta de maneiras diferentes, de acordo com o seu tipo específico, reforçando ainda mais a importância de se conhecer a doença para compreender seus sinais e sintomas de forma antecipada.
“Na forma aguda, há uma produção excessiva das células da leucemia, conhecidas como blastos, prejudicando a produção de células saudáveis na medula óssea, evoluindo com anemia grave, redução de células de defesa e coagulação, o que gera fraqueza intensa, febre, infecções, hematomas pelo corpo e sangramentos, um quadro clínico mais grave.
Já na forma crônica, a produção das células doentes acaba interferindo menos na produção das saudáveis, portanto, resulta em pouco ou nenhum sintoma em sua forma inicial, gerando sinais a longo prazo como emagrecimento, aumento de nódulos linfáticos, baço. Somente numa fase mais avançada ocorre a redução das células saudáveis e sintomas semelhantes à leucemia aguda”, orienta a especialista.
Alguns fatores de risco podem aumentar a chance de desenvolver algum tipo de leucemia, dentre eles: exposição a produtos químicos como o benzeno; exposição à radiação; tratamentos quimioterápicos prévios e doenças genéticas. Para Sara, no entanto, outros fatores também devem ser levados em consideração.
“A LMA possui maior risco com aumento da idade, sendo mais comum acima dos 60 anos. A LMC apresenta incidência pouco maior em homens do que mulheres. Já a LLA é a leucemia com maior incidência na infância, sendo o câncer mais comum em crianças”, esclarece a doutora Sara Rigo.
Tratamento
Para tratar a doença, técnicas como a quimioterapia são utilizadas, mas os protocolos podem variar de acordo com cada tipo de leucemia e, também, das condições do paciente.
“Nas formas agudas, o tratamento é com quimioterapia em altas doses, o que leva à destruição das células doentes. Nesse sentido, por serem tratamentos com medicamentos tóxicos para o sangue, os protocolos também reduzem as células saudáveis do sangue, gerando a necessidade de internação hospitalar pelo risco de infecções e a necessidade de múltiplas transfusões. Na LMC, o tratamento é ambulatorial e utiliza medicamentos via oral de forma contínua, com baixa toxicidade”, relata a médica.
Outra forma de tratar a leucemia é por meio do transplante de medula óssea, que consiste na substituição de uma medula óssea doente por células normais, reconstituindo-a de forma saudável. “Ele é indicado nas leucemias agudas que tenham maior risco para recaída da doença, como idade do paciente, alterações genéticas de alto risco e resistência ao tratamento inicial. Nas leucemias crônicas, eles têm pouco benefício, sendo raramente indicado em casos selecionados “, acrescenta Sara.
Como doar a medula
Para ser doador de medula é simples: basta comparecer a um hemocentro e realizar seu cadastro de doador, que será finalizado com a coleta de uma amostra de sangue, onde será avaliado a sua tipagem da medula óssea.
O cadastro com tipagem de medula ficará disponível no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (REDOME) e, quando houver algum paciente com medula compatível com a sua, você será chamado ao hemocentro para novos testes de compatibilidade e se compatível, para coleta de medula óssea.
“A compatibilidade de medula não é algo comum, mas se você for compatível, pode salvar uma vida!”, incentiva a médica. Para evitar aglomerações, informações serão disponibilizadas nas redes sociais do CEONC Hospital do Câncer (Facebook e Instagram).
Com Assessorias