De acordo com o Ministério da Saúde,são esperados 704 mil casos novos de câncer no Brasil para cada ano entre 2023 e 2025, com destaque para as regiões Sul e Sudeste, que concentram cerca de 70% da incidência, de acordo com a publicação ‘Estimativa 2023 – Incidência de Câncer no Brasil’. A desigualdade no acesso a prevenção e tratamento da doença – um dos principais entraves que levam muitos pacientes à morte – será combatida com a nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Um marco histórico no cenário da oncologia no Brasil”. Assim a médica mastologista Maira Caleffi, fundadora e presidente voluntária da Femama, que promove a campanha Outubro Rosa, comemorou a nova lei, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cria a Política Nacional do Câncer e também o Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer.
Segundo ela, essa nova lei – publicada no último dia 20 de dezembro, no Diário Oficial da União – vai impactar positivamente a vida de milhares de brasileiros. A nova Política Nacional do Câncer tem como propósito a diminuição da incidência dos diversos tipos da doença e a garantia do acesso dos pacientes ao cuidado integral, além de reduzir a mortalidade e incapacidade das pessoas afetadas.
A lei estabelece que novos tratamentos e medicamentos relacionados à assistência à pessoa com câncer terão prioridade na análise para incorporação ao SUS, sendo que sua disponibilização efetiva deverá ocorrer em até 180 dias após a incorporação.
“Essa lei beneficiará TODOS os brasileiros, não só os pacientes, uma vez que terá ações para prevenção e não só tratamento. É a principal política pública em saúde para conter uma epidemia de câncer no Brasil, prospectada no cenário internacional, e reduzir, expressivamente, as mortes decorrentes de tumores malignos”, comentou Maira Caleffi, especializada em Mastologia pelo Guy’s Hospital em Londres, Reino Unido.
Além disso, segundo ela, a nova política nacional traz inovações relevantes. “Todo o paciente do SUS terá direito ao atendimento psicológico, nutricional, fonoaudiólogo (entre outros), em um entendimento mais holístico do tratamento. E, segundo essa lei, até mesmo a família do paciente terá direito ao apoio psicológico. É uma política inovadora”, comentou.
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95% dos medicamentos oncológicos aprovados pela Anvisa não chegam ao SUS
Segundo dados do Instituto Vencer o Câncer, mais de 95% dos medicamentos oncológicos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no país nos últimos 10 anos não estão disponíveis na rede pública de saúde para ajudar os pacientes a vencer e curar o câncer. Esses desafios se tornam mais problemáticos de acordo com as regiões do país.
“Onde estou, desde 2011, por exemplo, não tivemos um aumento do teto de recursos financeiros para a compra de medicamentos oncológicos. Entre tantas barreiras que o paciente vai enfrentar, como a financeira, a educacional e a cultural, o acesso ao SUS não pode ser mais uma”, disse a médica oncologista clínica Rachel Cossetti, do Hospital do Câncer Aldenora Bello, em São Luís (MA).
Durante o Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica realizado em novembro no Rio de Janeiro, alguns dos maiores especialistas em diagnóstico e tratamento de câncer no SUS avaliaram como muito positivo o então Projeto de Lei (PL) nº 2.925/2022, que instituía a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no SUS, agora transformado em lei federal.
“Muito do que a gente vê nos congressos nacionais e internacionais sobre novas tecnologias para diagnóstico e tratamento de câncer ainda não chegam aos pacientes do SUS”, disse José Bines, médico oncologista clínico do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Faltam recursos para permitir acesso a tratamentos pelo SUS
Durante o encontro, eles discutiram os desafios enfrentados na rede pública de saúde, em diferentes regiões do País, e as implicações políticas da nova lei. Segundo Carlos Gil Ferreira, médico oncologista e presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), há diversos desafios no diagnóstico e no tratamento de câncer:
“O subfinanciamento e a gestão dos recursos públicos é um dos principais gargalos, porque inviabiliza o acesso a novas tecnologias, imprescindíveis ao diagnóstico e tratamento de pessoas com câncer”.
Além do subfinanciamento, a prevenção é um desafio no enfrentamento do câncer no Brasil, não apenas no SUS. Dados do Inca mostram que em média 58% dos pacientes já iniciam o tratamento com quimioterapia e/ou com radioterapia em estágios avançados da doença.
“A prevenção, com a realização de exames médicos periódicos, é um dos focos das ações do Ministério da Saúde, de Estados e municípios, bem como da SBOC, visando reduzir as projeções de incidência do câncer no País nos próximos anos”, alerta o presidente da SBOC.
Por meio da Agência Internacional para a Pesquisa em Câncer (IARC, da sigla em inglês), a Organização Mundial da Saúde (OMS) também promove ações de prevenção do câncer no Brasil e em outros países da América Latina. O órgão publicou em 2023 o Código Latinoamericano e Caribenho contra o Câncer (clique aqui).
“Esse Código foi desenvolvido com pesquisadores latinoamericanos e tem 17 recomendações baseadas na evidência científica, que são ações que os próprios cidadãos podem fazer para prevenir o câncer, como não fumar, manter um peso saudável e praticar atividades físicas”, detalha Elisabete Weiderpass, primeira brasileira a ocupar o cargo de diretora da IARC/OMS.
Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no SUS
Aprovado em caráter de urgência em pela Comissão Especial de Combate ao Câncer no Brasil, da Câmara Federal, e pelo Senado Federal, o PL nº 2.925/2022, que cria a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no SUS, é visto com bons olhos pelos especialistas em Oncologia.
“Pela primeira vez de maneira centralizada, estabelece normativas e define procedimentos para o financiamento, as ações de prevenção, o acesso a novos medicamentos e o tratamento de câncer no País”, disse Carlos Gil Ferreira.
Hoje, no Brasil, existem diversas leis implementadas, como a Lei nº 12.732, de 2012, chamada “lei dos 60 dias” para início do tratamento de câncer pelo SUS, e a Lei nº 13.896, de 2019, chamada “lei dos 30 dias”.
“Embora fundamentais, essas leis trazem direcionamentos específicos, mas que não abrangem outros aspectos relacionados ao financiamento, à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento de câncer no Brasil”, comentou o presidente da SBOC.
Entenda a nova lei
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 14.758, de 19 de dezembro de 2023, em decreto publicado no Diário Oficial da União no dia 20. O decreto também altera a Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.
A diminuição da incidência dos diversos tipos de câncer e a garantia do acesso das pessoas com a doença ao cuidado integral estão entre os objetivos da nova lei, que busca ainda reduzir a mortalidade e incapacidade das pessoas afetadas.
A prevenção, o rastreamento, a detecção precoce, o diagnóstico, tratamento, a reabilitação e os cuidados paliativos do paciente, bem como o apoio psicológico oferecido ao doente e a seus familiares, fazem parte do cuidado integral da política de prevenção e controle da doença no âmbito do SUS, destaca o texto da lei.
Programa de navegação
O Programa Nacional de Navegação da Pessoa com Diagnóstico de Câncer, definido também no decreto, consiste na busca ativa e no acompanhamento individual, diagnóstico e tratamento, na identificação e superação de barreiras que possam prejudicar as medidas de prevenção e controle da doença, de forma a aumentar os índices de diagnóstico precoce e a reduzir a morbimortalidade associada.
“A navegação da pessoa com diagnóstico de câncer deve ser efetivada mediante articulação dos componentes da atenção básica, da atenção domiciliar, da atenção especializada e dos sistemas de apoio, de regulação, logísticos e de governança, nos termos do regulamento”, acrescenta o texto da lei, que entra em vigor 180 dias após sua publicação no Diário Oficial.
Palavra de Especialista
Por mais investimentos públicos contra o câncer no Brasil
Por Carlos Gil Ferreira e Gustavo Fernandes*
Com a estimativa de mais de 2 milhões de novos casos e 700 mil mortes no triênio 2023-2025, o câncer deve se tornar a doença que mais tira vidas no Brasil já em 2027, e tal problema precisa ser tratado de forma central na agenda da saúde pública do país. Atentem: o número de mortes por câncer é próximo aos causados pela covid-19 – a maior pandemia da nossa história recente. Por isso, se faz cada vez mais urgente reduzir o impacto do câncer em nossa sociedade e falarmos a respeito sem rodeios ou delongas.
Em 2022, o investimento em tratamento de câncer pelo Sistema Único de Saúde (SUS) somou apenas 3% dos recursos totais destinados à saúde no país, com valor total investido de R$4 bilhões. Para efeito comparativo, o governo federal investiu, apropriadamente, diga-se, R$38 bilhões somente em vacinas para covid-19, ou seja, cerca de dez vezes o investimento em câncer. O investimento no combate à pandemia é racional, mas é irracional o limitado investimento em políticas de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento do câncer.
Os cânceres de mama, próstata, pulmão e intestino são os mais comuns e lideraram o uso de recursos em tratamento oncológico no SUS no ano passado, representando 54% do total destinado à área. Esses recursos, embora proporcionalmente elevados, são nominalmente insuficientes e não há programas de prevenção ou diagnóstico precoce implantados para nenhum destes tumores.
Além de investimento proporcional ao impacto do câncer na sociedade, é preciso, urgentemente, implantar políticas de prevenção e diagnóstico precoce para os tumores mais comuns em todo o território nacional. Tais ações são nossa “vacina” contra casos avançados e mortes, além de evitarem muito sofrimento nos lares e altos custos ao SUS e à toda a sociedade.
Projetos de lei no Congresso Nacional
Sensibilizado pela necessidade gritante de ações na área, o Congresso Nacional tem buscado alternativas para o enfrentamento do câncer em diferentes Projetos de Lei (PL). De autoria do deputado federal Dr. Frederico, o PL nº 3070/2021 estabelece que a disponibilização dos tratamentos oncológicos deverá ocorrer em até 180 dias após a recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia do SUS (Conitec). Já o PL nº 2952/2022, proposto pelos deputados Weliton Prado e Silvia Cristina, tem como objetivo instituir a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer no âmbito do SUS.
Em maio de 2023, a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) enviou documento ao Ministério da Saúde e à Comissão Intergestores Tipartite (CIT), propondo um mecanismo de acesso efetivo de pacientes a antineoplásicos incorporados ao SUS. A proposta, que foi recentemente incorporada ao documento final da Conferência Nacional de Saúde, sugere a implementação de um algoritmo decisório baseado em informações apresentadas por grupos de trabalho e em discussões públicas. Esta ação da SBOC ressalta a necessidade de uma política efetiva para o cuidado dos pacientes já diagnosticados, a fim de garantir que nenhum deles fique sem acesso ao tratamento adequado e oportuno.
A falta de atualização adequada dos valores de procedimentos tem levado a atrasos na oferta de tratamentos incorporados e à desigualdade no acesso. Estudos revelam a existência de diferentes categorias de hospitais, com alguns oferecendo opções terapêuticas superiores às diretrizes do Ministério da Saúde, enquanto outros não conseguem oferecer os tratamentos previstos. Diante desses problemas, a proposta da SBOC visa aprimorar o modelo de financiamento da atenção oncológica e implementar medidas para garantir o acesso oportuno e igualitário aos antineoplásicos no SUS.
Ao investir de forma estratégica no enfrentamento do câncer, o país não apenas demonstrará seu compromisso com o bem-estar dos cidadãos, mas também proporcionará esperança e alívio a milhões de famílias.
*Carlos Gil Ferreira é médico oncologista clínico e Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). Gustavo Fernandes é médico oncologista clínico e ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Gestão 2015-2017)
Com assessorias e Agência Brasil