Com a chegada do novo folhetim da Rede Globo, “Mania de Você”, era de esperar que assuntos importantes e polêmicos viessem à tona, e não demorou muito para que o tema “relacionamento tóxico” virasse um dos assuntos mais importantes da trama, após Robson (Eriberto Leão), diminuir e humilhar de todas as formas sua esposa Fátima (Mariana Santos).

Nas redes sociais, mulheres me contam que, através da novela, começaram a entender que estavam em relacionamentos abusivos”, relatou o ator em entrevista ao Fantástico. “Diminuir a capacidade de uma mulher se sentir bonita e interessante é uma violência absurda porque isso anula sua vida”, ressaltou Mariana Santos na mesma entrevista.

Para a terapeuta Wanessa Moreira, homens como Robson “são mais comuns em nosso cotidiano do que as pessoas imaginam”. Segundo ela, o relacionamento tóxico se trata de uma relação que não existe vínculo de respeito, mas em que uma pessoa dita às regras e a outra é subjugada, tornando-se um ciclo de abusos, podendo chegar até a violência física.

O agressor está sempre altamente ansioso e com medo de que algo saia do seu controle ou não funcione como ele determina. Isso faz com que ele fique com a realidade distorcida, ao ponto de não se importar demonstrando descaso e frieza com sua esposa”, comenta Wanessa Moreira.

O personagem vivido pelo ator Eriberto Leão joga holofote em outro tema que precisamos falar – o machismo.

A vítima enxerga bondade no abusador e não consegue perceber o tirano em que o seu companheiro se tornou. No caso do personagem, ele força o tempo todo a esposa a caber no modelo ideal para que ele possa mostrá-la como se fosse um troféu de sua posse – diminuir e oprimir para ela caber na ‘função’ de ser a esposa dele, somente isso”, complementa a terapeuta.

 

Segundo ela, o personagem “só observa o que ela faz de errado e a diminui, porque ele enxerga nela a fraqueza dele, enxerga nela aquele homem desinteressante que ele mesmo era antes de fingir para si próprio que é um homem importante e está sempre inseguro com medo de perder o espaço que conquistou se submetendo a quem tem poder e oprimindo quem depende dele”.

O abuso se torna uma roda viva de dor e sofrimento, que pode durar anos, até que a pessoa se machuque, chegue ao fundo do poço e começa a se reerguer novamente. É fundamental a educação amorosa para as pessoas terem acesso à informação que o amor precisa, deve e serve para curar e unir. Tudo que é ao contrário disso, nem de longe é amor, podemos nomear como quiser – obsessão, posse, medo, rejeição, mas amor não. O amor liberta e transforma”, finaliza Wanessa Moreira.

Comportamento também no trabalho

Além das atitudes grosseiras dentro de casa, a terapeuta analisa o perfil do personagem também no trabalho. “Trata-se de um homem extremamente inseguro e que deseja provar primeiro para ele mesmo que é capaz. O comportamento hostil e exigente com as pessoas é uma extensão da própria rigidez com ele mesmo”.

No resort onde trabalha, Robson tenta de toda forma diminuir os funcionários, tentando ganhar elogios dos clientes e cativar cada vez mais a atenção de seu chefe, Mavi (Chay Suede). Servir as ordens duvidosas do chefe mostra o quanto ele mesmo é submisso e está disposto a tudo para ter o seu valor reconhecido por alguém que está em uma posição superior à dele”, explica.

Ele enxerga as pessoas no trabalho como representantes de sua atuação, como se tudo girasse ao seu redor. Então, exige cada detalhe dos funcionários para garantir que sempre será visto como um excelente gestor para quem reparar nos funcionários que ele comanda”, destaca.

Palavra de Especialista

‘É Assim Que Acaba’: uma análise do ciclo da violência no cinema

Por Mayra Cardozo*

Quando entrou em cartaz nos cinemas brasileiros, o filme ‘É Assim Que Acaba’, baseado no livro homônimo da autora Colleen Hoover, colocou novamente a obra sob os holofotes. No entanto, muitas críticas internet afora enfatizaram que a história de Hoover é um grande sinal de alerta sobre relacionamentos abusivos, em especial a romantização destes e a glamourização da violência doméstica.

Muitas pessoas alegaram que a abordagem de conto de fadas no início, uma escolha narrativa que dá a impressão de ser artificial e distante, dificulta a conexão com a realidade da violência doméstica. Além disso, a roteirista Christy Hall foi criticada por manter a “reviravolta” narrativa escondida por muito tempo, que tirou um pouco do peso da moral da história.

Em meio a recepções mistas, com um lado elogiando a humanidade dos personagens e as lições do filme e o outro sentindo que a adaptação perdeu o carisma do material original e entregou uma abordagem sem rumo e pouco marcante, é importante notar que pontos de vista e experiências são amplamente variáveis. E é justamente sobre isso que quero discorrer neste artigo.

Quando li o livro anos atrás e agora tendo assistido ao filme, tive uma percepção diferente. Para mim, ambos retratam a complexidade da violência doméstica e a dificuldade de perceber o abuso e sair de uma relação abusiva. Colocar o espectador para torcer pelo casal e apresentar o abusador como irresistível e carismático é uma forma de fazer o público vivenciar o ciclo da violência, assim como a vítima.

No início, a violência é sutil, e ficamos em dúvida sobre o que está acontecendo, como a vítima também esteve. Quando o agressor se arrepende e conhecemos sua história, sentimos vontade de perdoá-lo, tal qual a vítima. O filme não glamouriza a violência, mas proporciona uma experiência sensorial do ciclo do abuso.

Filmes que retratam o agressor como um vilão absoluto distanciam a sociedade da empatia pela vítima, que acaba sendo julgada por não sair da relação. Talvez a abordagem tenha incomodado tanto porque, por um momento, você torceu pelo casal, assim como a vítima, que ama, tem uma família e acredita na mudança do parceiro.

Colocar o agressor como um monstro dificulta nossa compreensão e nos afasta da capacidade de ajudar. Entender que você também poderia se envolver em um relacionamento assim nos aproxima da realidade das vítimas e nos faz perceber que ninguém está imune a viver um relacionamento abusivo. Isso nos leva a questionar nossos próprios relacionamentos e a refletir sobre o que já vivemos, identificando se houve, ou há, sinais de abuso.

Nada é preto ou branco; os relacionamentos são complexos, o ciclo da violência é complexo, e a dificuldade da vítima em deixar o agressor também é.

*Mayra Cardozo é mentora de Mulheres e advogada especialista em gênero, sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados. Idealizadora do método alma livre criado para auxiliar mulheres a saírem de relacionamentos tóxicos e abusivos.

Com assessorias

 

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