O coração é o órgão que mais frequentemente apresenta algum “defeito de fabricação”. Um em cada 100 recém-nascidos tem algum tipo problema, que varia de lesões simples, sem maiores consequências, até problemas graves, que podem ameaçar a vida, se não tratados.

Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 30 mil crianças nascem com o problema no Brasil e aproximadamente 40% vão necessitar de cirurgia ainda no primeiro ano de vida, o que representa 12 mil pacientes. A doença é a terceira maior causa de mortalidade neonatal no país.

cardiopatia congênita é uma doença que consiste na anormalidade na estrutura ou função do coração e uma das principais causas de morte neonatal no País. Segundo dados do Ministério da Saúde, um a cada 100 nascidos vivos no Brasil tem alguma cardiopatia: aproximadamente 21 mil bebês precisarão de algum tipo de intervenção cirúrgica para sobreviver e 6% morrem antes de completar um ano de vida.

Existe uma área dentro da Cardiologia dedicada a cuidar de quem já nasce com algum problema no coração. É a Cardiologia Pediátrica, ou, melhor dizendo, a especialidade de Cardiopatias Congênitas, pois abrange desde o feto até adultos portadores de alterações na formação do coração.

Para alertar sobre a enfermidade durante o período gestacional e os meios de diagnosticá-la precocemente, 12 de junho é marcado como o Dia Nacional de Conscientização da Cardiopatia Congênita.

Causas e sintomas

Na maioria das cardiopatias congênitas a causa não é identificada, pois podem incluir vários fatores: genéticos, uso de medicamentos e drogas, doenças maternas – diabetes e lúpus -, e infecções virais. Também são considerados mais susceptíveis às cardiopatias congênitas os bebês que têm diagnóstico de  doenças cromossômicas, como a síndrome de Down.

Essas enfermidades podem interferir no momento da formação do coração fetal, que ocorre nas primeiras oito semanas de gravidez. Entre as malformações mais comuns estão as comunicações interatriais e as comunicações interventriculares, além de defeitos mais complexos como a tetralogia de Fallot e a transposição das grandes artérias.

Os principais sintomas são falta de ar, cansaço, ponta dos dedos e lábios azulados, modificações no formato do tórax, sudorese e, no caso dos bebês, cansaço entre as mamadas, sudorese e queda do teor de oxigênio na circulação.

“Essas malformações ocorrem devido a falhas no desenvolvimento embrionário de uma estrutura cardíaca normal. Com isso, o desenvolvimento estrutural e funcional do restante do sistema circulatório pode ficar comprometido. Por isso, é fundamental acompanhar a saúde do bebê antes mesmo dele nascer”, afirma José Cícero Stocco Guilhen, especialista em cirurgia cardiovascular do Hospital e Maternidade Santa Joana.

Ecocardiograma fetal identifica problema ainda na gestação

O diagnóstico precoce de alguns casos de cardiopatias congênitas pode ser feito ainda na vida fetal. Os exames de ultrassom morfológico realizados rotineiramente nos primeiro e segundo trimestres gestacionais fazem o rastreamento da malformação no coração do bebê.

Se existir suspeita de alguma anormalidade, o segundo passo será realizar um ecocardiograma do coração do feto. No entanto, o exame mais indicado, já que detecta de 70% a 90% dos casos, é o ecocardiograma fetal, que deve ser realizado preferencialmente entre a 24ª e 28ª semana de gestação.

“Mas se houver algum fator de risco mais importante, como anomalia cromossômica já detectada, pode ser realizado antes, por exemplo, com 16 semanas”, destaca Marina M Zamith, cardiologista pediátrica responsável pelo setor de Ecocardiografia Fetal e Neonatal do Hospital e Maternidade Santa Joana.

Hoje em dia, a grande maioria das cardiopatias congênitas já pode ser diagnosticada antes do nascimento com ajuda do ecocardiograma fetal, e em alguns casos o tratamento pode começar ainda na fase intrauterina. Estatísticas mundiais apontam que menos de 50% dos casos cirúrgicos são descobertos no pré-natal, o que é muito importante para reduzir a mortalidade e melhorar o desfecho clínico.

Mesmo quando não é possível oferecer um tratamento pré-natal, o reconhecimento precoce da cardiopatia congênita é importante para programar o que pode ser feito desde o primeiro dia de vida, e assim evitar agravos pelo atraso no diagnóstico, dificuldade de vaga e de transferência para serviços especializados.

Teste do coraçãozinho deve ser feito entre 24 e 48h após o nascimento

Depois que o bebê nasce, o ‘teste do coraçãozinho’, exame não-invasivo feito entre 24 a 48 horas de vida, é eficiente para indicar a anomalia em 75% dos casos das cardiopatias graves (dependentes do canal arterial) que precisam de cirurgia imediata.

O teste é simples: realiza-se a medição do nível de oxigênio no sangue utilizando um oxímetro de pulso, em todo recém-nascido aparentemente saudável, com idade gestacional acima de 34 semanas, antes da alta hospitalar.

Feito esse diagnóstico, elas devem ser encaminhadas para tratamento especializado, em centros de referência em cardiologia pediátrica, aptos a tratar desde cardiopatias mais simples até as mais complexas.

Atendimento de excelência pelo SUS em São Paulo

No InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP), o principal desses centros no país, são realizados cerca de 450 ecocardiogramas ao mês, no grupo de congênitos. Em 2022 foram realizadas 504 cirurgias para correção de cardiopatias congênitas em pacientes vindos de todo o Brasil, em sua grande maioria beneficiadas pelo SUS.

O InCor oferece toda a linha de cuidado no tratamento das cardiopatias congênitas, desde o diagnóstico e intervenção fetal até as cirurgias e procedimentos mais complexos em pacientes de todas as idades, contando com um time de especialistas em todas as áreas envolvidas, além da infra- estrutura de equipamentos de ponta e moderna tecnologia, sendo referência nacional e classificado como um dos melhores hospitais cardiológicos do mundo.

Também em São Paulo, o Hospital e Maternidade Santa Joana é especializado no atendimento às gestantes, neonatos e saúde da mulher há mais de 75 anos, sendo uma referência no País em cuidados de malformações cardíacas. Desde 2012, mais de 550 procedimentos foram realizados em recém-nascidos. “Temos obtido sucesso em mais de 90% das cirurgias para correção de cardiopatias congênitas no período neonatal”, afirma Dr. Guillen.

No Rio, crianças com cardiopatia congênita correm risco

Já no Rio de Janeiro crianças que nascem com problemas cardíacos enfrentam dificuldades de atendimento e correm risco de vida. No ano de 2018, mais de 300 crianças aguardavam, com prejuízo à sua saúde e à própria vida, a realização de cirurgias cardíacas pediátricas. Na época, a Defensoria Pública do Estado do Rio e a Defensoria Pública da União ingressaram com uma ação coletiva denunciando o descaso.

Somente em março deste ano, cinco anos depois, a Justiça Federal do Rio de Janeiro acolheu parcialmente o pedido. De acordo com a decisão, a União, o Estado e o Município do Rio foram condenados a apresentarem um plano de reestruturação e organização da Rede Estadual de Alta Complexidade Cardiovascular Pediátrica no Estado do Rio de Janeiro em até 90 dias, sob pena de multa diária de R$ 5 mil.

A ação coletiva denuncia a desorganização da rede, dos fluxos e protocolos de regulação e assistenciais e dos mecanismos de referência e contra-referência das crianças com cardiopatia congênita. Caso seja constatada a necessidade de novas unidades, a habilitação e o credenciamento deverão ser providenciados no prazo de 180 dias.

Defensoria aponta ‘grave desestruturação a rede estadual’

Na época da ação proposta pela DPRJ e pela DPU, além da fila oficial de 109 crianças aguardando o procedimento cardíaco, informada pela Central Estadual de Regulação, o Instituto Nacional de Cardiologia (INC) possuía uma fila interna de 200 crianças aguardando a realização das cirurgias.

Além da redução da oferta nas cirurgias pelo Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IEAC), pelo hospital Perinatal, e pelo próprio INC, havia em 2018 inoperância de outras unidades, como o Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) e Hospital Geral de Bonsucesso (HGB).

Com a ação, a DPRJ e a DPU buscam zerar a fila para esses pacientes. Segundo Thaísa Guerreiro, coordenadora de Saúde da DPRJ, a sentença é de fundamental importância, mesmo com a redução da fila de espera após a propositura da ação, em 2018.

“Ficou demonstrado, ao longo da ação, que há, ainda, grave desestruturação da Rede Estadual de Alta Complexidade Cardiovascular Pediátrica no Estado do Rio de Janeiro, com problemas na realização do diagnóstico, nos fluxos e protocolos de regulação, desde a atenção básica, e nos mecanismos de referência e contra referência que, ainda hoje, inviabilizam o acesso oportuno, célere, e adequado de crianças com cardiopatia congênita, contribuindo para o agravo à sua saúde e até mesmo óbitos evitáveis e desnecessários”, diz a defensora.

A defensora pública federal Shelley Maia destaca a relevância da decisão para promover o acesso efetivo aos serviços de saúde. “No curso da ação, buscamos ouvir as mães de crianças com cardiopatia e levar os seus relatos ao processo. Essa escuta ativa é sempre fundamental na atuação da Defensoria Pública”, completa Maia.

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Plano para organizar e estruturar oferta de atendimento

O Poder Judiciário determinou, ainda, que o plano contenha reavaliação da cobertura assistencial, dos quantitativos e da distribuição geográfica das unidades de assistência de alta complexidade já habilitadas, indicando se novas unidades são necessárias, de acordo com os seguintes critérios:

população a ser atendida;

necessidade de cobertura assistencial;

mecanismos de acesso,

capacidade técnica e operacional dos serviços,

série histórica de atendimentos realizados,

necessidade de integração com a rede de referência hospitalar em atendimento emergencial,

serviços de atendimento pré-hospitalar,

central de regulação competente e demais serviços assistenciais disponíveis no estado.

O plano deverá conter, também, o estabelecimento dos fluxos assistenciais, dos mecanismos de referência e contra referência dos pacientes, e todas as providências necessárias para que haja a articulação assistencial entre todas as unidades de saúde, com a definição, reorganização, capacitação e qualificação técnica das unidades, inclusive das que serão responsáveis pelos atendimentos de baixa e média complexidade cardiovascular pediátrica, capacitando-as para o tratamento das complicações clínicas e preparação das crianças e adolescentes que necessitarão ser encaminhados para as unidades e centros de referência em alta complexidade cardiovascular pediátrica.

Também deverão ser definidas as rotinas e condutas das unidades e centros de referência habilitados em alta complexidade cardiovascular pediátrica, de acordo com os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas publicados pelo Ministério da Saúde, sendo que, em caso destes não estarem disponíveis, deverão ser estabelecidos os protocolos e condutas baseados em Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS).

Com Assessorias

 

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