O Estado do Rio de Janeiro vive um cenário epidemiológico da Covid-19 em queda, graças ao avanço da vacinação contra a Covid-19 e o consequente relaxamento das medidas de proteção contra o coronavírus – que parece estar próximo de se ser rebaixado para o status de endemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Com isso, a vida vai voltando ao ‘normal’, especialmente para a vida do carioca que ama samba, praia e futebol.
Nas últimas semanas, a cidade do Rio vive o retorno das rodas de samba, das feijoadas regadas a muito samba, shows em quadras de escolas de samba e ensaios técnicos na Sapucaí. O clima esquenta na contagem regressiva para os desfiles no Sambódromo que, de forma inédita, acontecerão no feriadão de Tiradentes, entre 20 e 23 de abril, após um jejum forçado desde fevereiro de 2020.
Para quem, como eu, ama samba e ficou sob o regime de clausura quase absoluta até a tomada da terceira dose da vacina contra a Covid-19, em janeiro deste ano, não há como negar que a vontade é, realmente, de cair no samba para aproveitar tanto tempo perdido. Mas não é só por entretenimento, diversão e lazer e, claro, pela cultura que esta expressão musical genuinamente carioca representa. O samba também tem poder terapêutico e pode ajudar a aliviar o estresse e extravasar aquela energia densa acumulada no dia a dia.
E nem precisa ser carioca e saber sambar: os benefícios do samba vão além das quadras das escolas e das rodas e chegam aos consultórios de Psicologia. Nessa área, há quem garanta que, de fato, o samba cura. Uma psicóloga brasileira que vive há três décadas nos Estados Unidos e todo Carnaval volta ao Brasil para desfilar pela Mangueira, sua escola do coração, tem usado o samba como terapia com sucesso entre seus pacientes.
Ana Carla Laidley defende o uso da dança como parte do processo para uma cura integrativa nos processos ligados à saúde mental e emocional, mostrando que o samba como música e dança proporciona benefícios físicos, mentais e espirituais. Muitos pacientes relatam obter excelentes resultados no combate à depressão, ansiedade, transtorno do estresse pós-traumático, entre outros transtornos
“A aula de cura de samba da Anna não foi nada do que eu esperava! Foi movimento + cura + terapia e realmente me tirou da minha zona de conforto…. Que é um lugar onde a mudança realmente acontece”, afirma Jenn Callaghan.
Para outra paciente, Kristena Hatcher, a aula de samba tornou-se uma experiência incrivelmente poderosa e curativa. “Ela tem uma maneira de não apenas reunir indivíduos para construir uma comunidade, mas também criar um espaço seguro que encoraje um nível de vulnerabilidade e limpeza espiritual em torno de outras pessoas que acabaram de conhecer. Eu realmente apreciei a experiência e me senti mais leve como resultado de fazer a aula dela”, diz ela.
A cientista brasileira JoanaFlor Tavares, que também se trata com ajuda de Ana Carla, também é só elogios: “Os encontros me ajudam a me reconectar com minha felicidade interior, meu espírito guerreiro de resistência que é uma parte tão grande do samba. Eu realmente gostaria de poder estar lá duas vezes por semana regularmente! Amo essa nossa linda família de samba”.
JoanaFlor também aponta o papel social que a ‘sambaterapia’ lhe traz. “Me dá um senso de comunidade, que é tão forte em nosso grupo e, finalmente, me tira da minha cabeça e do meu corpo, permitindo que eu cultive minha personalidade e senso de humanidade de uma maneira muito mais significativa do que outras terapias práticas muitas vezes me permitem fazer”, acrescenta.
Samba possui um poder curativo integrativo
Diversas pesquisas têm enfocado os benefícios da dança ou terapia do movimento, e várias pesquisas antropológicas se concentram nos fenômenos da imigração brasileira. No entanto, existe uma escassez na literatura sobre o poder curativo integrativo e a aplicação da dança do samba e da música na aculturação e reconstrução da identidade étnica dos afro-brasileiros.
O rápido aumento da imigração de brasileiros para os Estados Unidos desde a década de 1980 trouxe consigo o potencial de impacto psicológico do processo de imigração na identidade e aculturação de um indivíduo. Nesta linha, Ana Laidley acredita que o samba pode ser fundamental no processo de cura por meio do engajamento social, um sentimento de pertencer a uma comunidade e a integração de mente, corpo e espírito.
Fundadora da Samba ‘N’ Motion, organização sem fins lucrativos que atua promovendo e difundindo a cultura brasileira no exterior, Ana é oriunda de uma família de sambistas renomados e, por conta de todo o seu conhecimento sobre o ritmo que é símbolo universal da cultura brasileira, passou a usar as técnicas de dança e samba em suas sessões de terapia.
“A psicologia clínica pode se beneficiar da compreensão do impacto psicológico da imigração, aculturação e reconstrução da identidade que utiliza elementos culturais brasileiros. O samba (dança e música) possui um poder curativo integrativo. Para os imigrantes brasileiros, a cultura do samba pode ser uma fonte de reabastecimento emocional”, comenta a profissional.
Para não brasileiros, esse pode ser um caminho de cura pessoal, um processo de autodescoberta onde a dança do samba e a música podem contribuir significativamente para o intercâmbio cultural de imigrantes brasileiros e não brasileiros. Segundo Ana, que é conhecida no mundo do samba como Aninha Malandro, tudo isto envolve um caminho de busca interna.
“A dança e a música do samba constituem o primeiro e mais proeminente fenômeno cultural afro-brasileiro do século 20 e, juntas, são consideradas a identidade nacional do Brasil . O samba é a contribuição negra africana para a formação de marcos culturais civilizadores que dão sentido à identidade psicopolítica e sociocultural do povo brasileiro”, explica. Ela também é a idealizadora do International Samba Congress, evento que reúne, anualmente, profissionais de dança e samba para workshops e troca de experiências cujo objetivo principal é a difusão da cultura brasileira ao redor do mundo.
Com Assessoria