O número de beneficiários de planos privados de assistência à saúde atingiu a marca de 50,2 milhões de pessoas em 2022, que estão distribuídas entre 687 operadoras ativas e mais de 19 mil tipos de planos de saúde. No mesmo ano, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS suspendeu a comercialização de 193 planos de saúde exclusivamente pelo monitoramento. Desses, 81 planos foram reativados e não tornaram a ser suspensos.
A Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab) aponta que a análise das queixas registradas pela ANS em 2022 garantiu a proteção de mais de 2 milhões de beneficiários por meio do ‘Monitoramento da Garantia de Atendimento’. Seguirão com o atendimento apenas os clientes que já fazem parte da base de atendimento, mas a operadora suspensa não poderá comercializar seus produtos para novos beneficiários, com exceção a cônjuges e filhos, e não serão concedidos registros de novos produtos que apresentem características análogas ao do produto suspenso.
Nesta segunda-feira (24/4), a ANS divulgou em seu portal, no Painel Contábil da Saúde Suplementar, os dados econômico-financeiros relativos ao quarto trimestre de 2022. As informações financeiras enviadas pelas operadoras de planos de saúde à agência demonstram que o setor fechou 2022 praticamente no “zero a zero”, registrando lucro líquido de R$ 2,5 milhões. Comparado com a receita efetiva de operações de saúde (principal negócio dessas empresas) de R$ 237,6 bilhões, esse lucro representa apenas 0,001% (para cada R$ 1.000,00 de receita, R$ 0,01 de lucro).
Diante dos resultados, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), representante de grandes grupos de operadoras de saúde do país, considera o cenário crítico e alerta para o impacto nos reajustes dos planos de saúde. A divulgação do índice de reajuste dos planos individuais e familiares deve ocorrer em maio. Segundo a entidade, com prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões, os planos de saúde médico-hospitalares tiveram em 2022 o pior resultado desde o início, em 2001, da série histórica feita pela ANS.
Ressaca pós-Covid, com déficit de 11,5 bilhões
De acordo com a agência reguladora, a tendência dos resultados anuais no momento pós-pandemia, desde 2021, persistiu com a deterioração dos resultados, especialmente em grandes operadoras, após o lucro recorde de R$ 18,7 bilhões em 2020, seguido de lucro de R$ 3,8 bilhões em 2021. Entretanto, o quarto trimestre de 2022 já apresenta sinais de recuperação.
Nos números agregados por segmentos regulados pela ANS, o resultado do setor foi positivo para as administradoras de benefícios (R$ 555,57 milhões). As operadoras exclusivamente odontológicas (OPS OD) e médico-hospitalares (OPS MH) registraram prejuízo anual (R$ 47,3 milhões – 1,29% da receita efetiva de planos de OPS OD; e R$ 505,7 milhões – 0,22% da receita efetiva de planos de OPS MH).
Esse dado negativo é inédito: para as odontológicas significa R$ 1,29 de prejuízo a cada R$ 100,00 de receitas efetivas de seus planos; e para as médico-hospitalares R$ 0,22 centavos de prejuízo para cada R$ 100,00 de receitas efetivas de seus planos. Nessas modalidades, o prejuízo final foi puxado fortemente por grandes operadoras.
Desde 2021, o setor observa queda no desempenho com as operações de assistência à saúde (resultado operacional). Especialmente nas operadoras médico-hospitalares, nota-se uma “ressaca” pós-Covid, com déficit de R$ 11,5 bilhões no resultado operacional – que subtrai das contraprestações (mensalidades) e outras receitas operacionais os custos diretos da operação: eventos indenizáveis, despesas administrativas, despesas de comercialização e outras despesas operacionais.
“Esse prejuízo operacional foi parcialmente compensado pelo expressivo resultado financeiro de R$ 9,4 bilhões no ano, reflexo do aumento das taxas de juros que remuneram as aplicações financeiras das operadoras. Em linhas gerais, resultados podem ser explicados por aumento dos custos, mas, embora menos frequente, também podem ser gerados pela queda ou estagnação das receitas”, avalia a ANS.
Ainda de acordo com a Agência, no caso concreto do mercado de saúde suplementar, em uma avaliação preliminar, as despesas assistenciais não apresentaram crescimento que possa justificar o aumento da sinistralidade. No entanto, as receitas advindas das mensalidades parecem estar estagnadas, especialmente nas grandes operadoras. Essa análise é compatível com o recente histórico do mercado de saúde suplementar: apesar do expressivo aumento de beneficiários desde o início da pandemia, a sinistralidade não foi tão bem controlada.
O Painel Contábil da Saúde Suplementar traz novos dados como: a comparação de receitas de planos e despesas assistenciais (valores nominais e deflacionados), na qual o leitor pode avaliar a evolução real dessas rubricas; a evolução dos indicadores de resultado, de prazos médios de recebimento e pagamento e liquidez do setor como um todo; e uma nova seção na qual é possível comparar esses indicadores setoriais com as operadoras individualmente. Além disso, o painel dinâmico permite a avaliação individual das operadoras, sendo possível apurar as que tiveram os melhores resultados e aquelas que não tiveram o mesmo desempenho.
Fenasaúde: resultados devem impactar índice de reajuste dos planos de saúde
De acordo com a Fenasaúde, entre os fatores que impactam esses resultados estão o crescimento da frequência de uso dos planos de saúde; o fim da limitação de consultas e sessões de terapias ambulatoriais com fonoaudiólogos, psicólogos, entre outros; o aumento do preço de insumos médicos; a obrigatoriedade de oferta de tratamentos cada vez mais caros, com doses a cifras milionárias; a ocorrência de fraudes; e a judicialização.
“A saúde suplementar sofre efeitos diretos do descompasso entre receitas e despesas e do aumento dos custos dos tratamentos de saúde, medicamentos, procedimentos hospitalares e terapias. Essa escalada deve impactar diretamente no índice de reajustes dos planos. Esse cenário coloca em risco o equilíbrio do sistema, o que pode levar à saída de milhares de beneficiários, sobrecarregando ainda mais o SUS”, explica a diretora-executiva da FenaSaúde, Vera Valente.
Apesar de o quarto trimestre ter apresentado prejuízo operacional menor (0,6 bi) em relação aos três anteriores – 1º tri (-1,1bi), 2º tri (-4,4bi) e 3º tri (-5,5 tri) –, o setor já acumula 7 trimestres negativos seguidos. A executiva da FenaSaúde pontua que tal cenário tende a se agravar com a Lei 14.454/2022, promulgada em setembro de 2022, que alterou o caráter taxativo do rol, criando condicionantes frágeis e subjetivas de cobertura.
“Trata-se de alteração crítica, pois interfere diretamente no funcionamento de um setor que opera com base no mutualismo e na adequada precificação dos riscos”, afirma. A relação entre receitas e despesas do setor vive um grande desequilíbrio. Entre 2021 e 2022, as receitas tiveram variação positiva de 5,6%, enquanto as despesas das operadoras aumentaram na ordem de 11,1%.
Outro destaque negativo de 2022 têm relação com o índice de sinistralidade dos planos médico-hospitalares. Um dos principais indicadores do setor, o índice chegou a 89,21% no quarto trimestre. O percentual indica que a cada a cada R$ 100 reais da receita das operadoras de planos saúde no trimestre, R$ 89,21 foram destinados ao pagamento de despesas assistenciais com consultas, exames, internações, cirurgias, entre outros. No terceiro trimestre o índice chegou a 93,2%.
“Precisamos buscar soluções que visem o uso racional dos recursos dos planos de saúde e promovam a eficiência operacional da saúde suplementar. E isso só será possível a partir da soma de esforços de todos os agentes da cadeia de serviços em saúde, como as operadoras, os prestadores de serviço e os fornecedores, com o apoio da própria sociedade, que é a principal beneficiada por um sistema que ajuda a desafogar o sistema público de saúde, oferecendo assistência médica a 50,4 milhões de pessoas”, finaliza a diretora-executiva da FenaSaúde.
Fraudes e desperdício: como reduzir a sinistralidade?
A saúde suplementar no Brasil vem crescendo com um aumento de pessoas contratando planos de saúde. Com 55,2 milhões de beneficiários, o país é atualmente o segundo com maior sistema de saúde privado do mundo, atrás somente dos Estados Unidos. Em 2022, o balanço do 3º trimestre das operadoras de assistência médica de grande porte registrou saldo negativo de R$ 2,5 bilhões.
O IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar) estima que, por conta de fraudes e desperdícios, perde-se anualmente o equivalente a 19% de todo o gasto na saúde privada no país, cerca de R$40 bilhões em valores do ano passado. Somam-se a isso os altos custos operacionais que incluem gestão de uso e pagamentos pelos serviços de saúde, que devem totalizar R$26 bilhões em 2022.
O impacto foi tanto que, ao mesmo tempo que o número de beneficiários aumentou durante o período de pandemia (2020 a 2022), a sinistralidade cresceu junto. De acordo com a agência, até o terceiro trimestre do ano passado, a cada R$ 100 recebidos pelas operadoras, R$ 88 foram destinados ao pagamento de exames, consultas, internações, medicamentos e cirurgias, o valor mais alto desde o primeiro trimestre de 2019.
As despesas assistenciais têm pressionado as contas das operadoras, mas também é fonte de preocupação de outros atores de saúde privada no Brasil. Especialistas encaram este problema como multifatorial e complexo. Entre os fatores, estão elevação da quantidade de cirurgias eletivas, consultas médicas e outros procedimentos represados durante a pandemia, além do aumento expressivo dos custos de medicamentos, insumos e tecnologias — cada vez mais complexas e caras em decorrência do aumento do dólar e quebra nas cadeias produtivas — contribuíram de maneira significativa com esse cenário preocupante.
“O mercado de planos de saúde enfrenta desafios por conta das altas taxas de sinistralidade, elevação de gastos com medicamentos e fraudes (questões que estão preocupando o setor e ligando o alerta para riscos de deterioração dos números nos próximos meses)”, afirmam os fundadores da start up Arvo, Fabrício Valadão e Rafael Tinoco. Eles destacam a importância da tecnologia pautada pela inteligência de dados para atender esses desafios e dificuldades do setor, otimizando a gestão de contas médicas, reembolsos e autorizações e tornando os processos mais ágeis e assertivos sem desperdícios, fraudes e erros.
Não há apenas uma solução que resolva este cenário. Para especialistas, é preciso que haja diálogo entre as principais entidades da saúde suplementar com o novo Governo Federal, o Congresso, a ANS e o Judiciário para que se encontrem caminhos de reorganização financeira, bem como alterações regulatórias e legislativas.
“É preciso repensar a formatação do sistema privado de saúde na prática. Não podemos continuar a priorizar o modelo hospitalocêntrico e a oferta desregulada de serviços de saúde e esperar que a sinistralidade seja reduzida. Repensar o modelo significa educar a população sobre saúde, tratar de forma eficaz, dar o cuidado certo, no local certo, gerar valor para o paciente e garantir que o sistema seja sustentável no longo prazo”, afirma Newton Quadros, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Ambulatorial (SOBRACAM) e especialista em Gestão da Saúde.
Anab cobra soluções para garantir a sustentabilidade do setor
O que representa a suspensão da comercialização de planos de saúde pela ANS? A Associação Nacional das Administradoras de Benefícios (Anab) explica que, a partir do resultado do monitoramento pela ANS, as operadoras reiteradamente com pior resultado são avaliadas e para aquelas que apresentam risco à assistência à saúde são identificados os planos que terão o ingresso de novos beneficiários vedado temporariamente.
Para garantir a aplicação deste monitoramento, um dos critérios utilizados pela Agência é a análise das reclamações recebidas sobre descumprimento dos prazos para realização de consultas, exames e cirurgias e a negativa de cobertura assistencial. Para a Anab, a ANS vem desempenhando um importante papel de manter o equilíbrio do setor ao cumprir seu objetivo de regular e criar orientações e padrões para as atividades que são praticadas no setor da Saúde Suplementar
“O equilíbrio nas relações de consumo, como a Saúde Suplementar, é essencial para manter o regular exercício das atividades da operadora e garantir os direitos da sociedade, os contratantes deste serviço. O trabalho exige que a reguladora encontre soluções que possam assegurar o atendimento do consumidor e a sustentabilidade do setor”, ressalta o presidente da Anab, Alessandro Acayaba de Toledo.
Segundo ele, as agências reguladoras surgiram com objetivo regular setores da economia que envolvessem consumidores ou beneficiários e prestadores de serviços, a fim de orientar e interferir na defesa do interesse público, que são os consumidores. A suspensão da comercialização de planos de saúde acontece quando a ANS identifica as operadoras com pior resultado.
Segundo Toledo, contratar o benefício por meio das Administradoras de Benefícios traz mais segurança ao consumidor. A Anab congrega associadas que são Administradoras de Benefícios, criadas a partir da Lei 9.656/98 e regulamentada por normativa da ANS, com o objetivo de defender os interesses dos beneficiários de planos de saúde coletivos vinculados às empresas ou entidades de classe e viabilizar o acesso à saúde de qualidade.
Agenda Positiva
Fórum debate acesso da população a planos de saúde
A Fenasaúde participa nesta segunda-feira, dia 24, de um fórum que vai debater sobre os principais desafios do sistema de saúde público e privado do Brasil. O diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Paulo Rebello, participará do painel Saúde Suplementar: Importância, Acesso e Cultura, que abordará a relevância do setor no Brasil, a importância do acesso por parte da população e da cultura de saúde privada existente no país. Participam também do debate a diretora-executiva da FenaSaúde, Vera Valente, e o presidente da Seguros Unimed, Helton Freitas.
Além disso, haverá mais duas mesas de debate: “Desafios de Sistema de Saúde no Brasil: o público e o privado”, das 14h às 15h, com Nésio Fernandes de Medeiros Junior, secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde; Rayssa Okoro, médica generalista do SUS; e Gonzalo Vecina, médico, ex-secretário de Saúde de São Paulo, ex-diretor da Anvisa. A mesa ‘Doenças Raras: diagnóstico e tratamento’, das 15h30 às 16h, traz Amira Awada, presidente do Instituto Vidas Raras; e Patrícia Delai, médica dermatologista e membro efetivo do Conselho Clínico Internacional de Fibrodisplasia Ossificante Progressiva.
O Fórum da Saúde tem transmissão ao vivo na rádio e Youtube da Bandnews.
FGV Saúde promove webinar sobre saúde suplementar
O Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde (FGVsaúde) da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP) realizará um debate online e gratuito no dia 25 de abril, a partir das 19h15, que terá como tema “Equilibrando os pratos: como os contratantes podem enfrentar a sinistralidade crescente na saúde suplementar”.
A crescente sinistralidade observada na saúde suplementar tem trazido impactos relevantes para as operadoras de saúde e os contratantes. Muitos fatores contribuem para essas taxas e, em várias situações, não há consenso entre os diferentes stakeholders do sistema.
Nesta edição dos Debates FGVsaúde, serão discutidos fatores como o excesso de demanda, eventuais desperdícios e aumentos recorrentes dos preços praticados pelos prestadores. As palestras serão realizadas por Cesar Lopes, líder da divisão de Consultoria de Benefícios da Lockton Brasil; e Luis Feitoza, empreendedor na Arquitetos da Saúde. A moderação será de Alberto Ogata, professor convidado da FGV EAESP.
Os interessados em participar devem se inscrever neste Link.
Com Anab, ANS e FGV