Tatiane de Britto há seis anos peregrina por unidades de saúde carregando pelas mãos “um milagrinho de Deus”. Esta semana, ela entrou pela primeira vez em uma casa legislativa onde, com a voz embargada, revelou a secreta esperança que começou a alimentar.
“Minha filha vive espalhando amor. Ela é nosso milagrinho diário. Espero que juntos possamos construir um mundo onde as Maria Cecília não passem por isso. Um mundo onde a saúde seja acessível e de qualidade”.
A história da pequena Maria Cecília, de 6 anos, que tem uma doença rara autoinflamatória não diagnosticada, foi contada pela mãe nesta terça-feira (12/12), na Escola do Legislativo do Estado do Rio de Janeiro (Elerj), durante audiência pública sobre Triagem Neonatal no Estado, organizada pela Frente Parlamentar em Atenção às Doenças Raras da Assembleia Legislativa (Alerj).
Tatiane mostrou a realidade de milhares de bebês raros que não têm acesso a um diagnóstico e por isso crescem com sequelas irreversíveis. Ela contou, ainda, que a filha faz uso contínuo de três medicações e uma alimentação especial, cujo fornecimento foi suspenso pelo SUS: “Com isso, ela teve sequelas como baixa estatura, baixo peso e outras implicações”.
Adriana Santiago, vice-presidente da Associação Brasileira Addisoniana, contou que a filha tem hiperplasia adrenal congênita e a medicação hidrocortisona custa apenas 31 centavos. “Mas o poder público não fornece e não produz, então tenho de levar minha filha constantemente a São Paulo para tratamento. É o preço de uma vida? 31 centavos?”.
Ainda durante a audiência, Simone Arede, presidente da Associação Mães Metabólicas, mostrou uma foto de dois irmãos raros, evidenciando-se a enorme diferença de desenvolvimento entre os dois: um teve o diagnóstico cedo e o outro não.
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Na audiência, os principais entraves a serem vencidos foram citados: falta de preparo dos profissionais de saúde, inexistência de um cadastro de doenças raras, insuficiência de laboratórios habilitados e falta de uma rede ampla para acompanhamento médico e assistencial das crianças diagnosticadas após o Teste do Pezinho.
Fernanda Batista, fisioterapeuta da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras Casa Hunter, citou uma estatística que revela que crianças sem diagnóstico passam, em média, por 12 especialistas antes de completarem 5 anos e 30% morrem sem ter o diagnóstico.
“Até os cinco anos, uma criança passa por cerca de 12 especialistas até obter o laudo de uma doença rara, e muitos vêm a óbito antes disso. O diagnóstico precoce, além de garantir a qualidade de vida dessas pessoas, também viabiliza a participação social efetiva, e diminui o custo de manutenção de leitos hospitalares”, ressaltou.
Juan Llerena, coordenador do Serviço de Referência de Doenças Raras do Instituto Fernandes Figueira, enfatizou a necessidade de instruir funcionários da saúde, principalmente médicos, e a população e organizar o sistema para essa ampliação do teste: “90% dos bebês que nascem no Brasil fazem o teste do pezinho. O problema é o tempo que se leva para obter o diagnóstico de uma doença rara. E o raro não tem tempo”.
Armando Fonseca, secretário da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo, foi além: “A confirmação rápida e a entrada imediata de toda uma cadeia de tratamento são essenciais para salvarmos vidas. A maioria dessas doenças lesa o cérebro. Então, se você perde tempo, você perde cérebro”.
Grupo de trabalho vai cobrar agilidade na ampliação do Teste do Pezinho
Ao final da audiência, foi anunciada a criação de um Grupo de Trabalho (GT/Raras RJ) para atuar junto ao Governo do Rio de Janeiro, para aprimorar a ampliação do Teste do Pezinho, iniciada em junho no estado. O grupo quer garantir o pleno monitoramento dos centros de testagem e das necessidades de crianças raras e suas famílias em relação ao exame, que faz parte dos cuidados neonatais.
“Legislativo, Executivo, Judiciário, universidades, associações, institutos, familiares e raros vão atuar juntos para o Rio ser referência nacional na Triagem Neonatal. É no Teste Ampliado e exames subsequentes que o diagnóstico é feito e vidas são salvas”, explicou o deputado Munir Neto (PSD), coordenador da Frente.
O Rio de Janeiro foi o primeiro estado do Brasil a aumentar o número de patologias detectáveis pelo teste de sete para 53, conforme anunciado pelo Governo do Estado, em junho deste ano. No entanto, apenas a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae-Rio) está autorizada a efetuar os testes que provêm do Sistema Único de Saúde (SUS). O laboratório do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ) está em processo de licenciamento.
Estado busca laboratório da UFRJ para realização de triagem neonatal
A subsecretária de Saúde, Fernanda Fialho, revelou que o Estado está em conversa com a UFRJ para que a triagem neonatal do Rio tenha mais um laboratório habilitado, além da Apae, o que vai agilizar a realização dos exames de diagnóstico. Ela ainda destacou a importância de centralizar as informações sobre a testagem e da quantidade de crianças portadoras de doenças raras no estado.
“Precisamos aumentar a eficácia da triagem e, para isso, devemos agilizar o trabalho logístico desses exames. Após o Teste do Pezinho, o bebê detectado deve realizar um exame confirmatório o quanto antes, e não podemos atrasar esse processo pela falta de laboratórios capacitados”, explicou.
Teste do Pezinho: maternidades e hospitais têm que informar lista de doenças detectadas a pais
Maternidades e hospitais serão obrigados a informar aos pais e responsáveis por recém-nascidos quais doenças são detectadas pelo teste do pezinho. A determinação é da Lei 10.205/23, de autoria do deputado Dr. Deodalto (PL), que foi sancionada pelo governador Cláudio Castro e publicada no Diário Oficial na última sexta-feira (8/12).
Além das doenças detectadas, os pais deverão ser informados sobre aquelas que não são identificáveis. O objetivo é possibilitar aos pais a opção de realizar os exames complementares para poder detectar doenças raras.
“É sabido que o teste do pezinho não consegue detectar todas as doenças que podem ameaçar a saúde da criança. Segundo relatos, fundamentados em estudos científicos, uma enorme quantidade de doenças, sobretudo doenças raras, não são detectadas pelo teste. Ou seja, a ausência da detecção de doenças dos testes atualmente disponíveis não pode ser acompanhada pela falta de informação aos pais”, declarou Dr. Deodalto.
As informações deverão ser oferecidas em material impresso ou virtual, independentemente do pedido dos pais, e no site do estabelecimento de saúde. Nos hospitais, deverá ser fixado um cartaz com o seguinte texto: “Teste do pezinho: é direito dos pais receberem informação sobre quais as doenças que são detectáveis e quais não são detectáveis pelo teste”.
Em caso de descumprimento, os estabelecimentos privados estarão sujeitos à multa de R$ 8.665,80 (2 mil UFIR-RJ). Para os estabelecimentos públicos, a sanção prevista é uma advertência na pasta funcional do diretor ou responsável pela unidade, impedindo-o de qualquer promoção durante dois anos.
Com informações da Alerj