O ano era 1991 e ainda pouco se falava e estudava sobre a lipodistrofia, uma doença rara que tem como principal característica a ausência total ou parcial de gordura sob a pele À época, Artur de Medeiros Queiroz vivia com sua família na região de Caicó, cidade na zona central do estado do Rio Grande do Norte, onde alguns dos primeiros casos da síndrome foram registrados. Não muito tempo depois, casos foram identificados também nas proximidades, em cidades como Carnaúba dos Dantas e Currais Novos.
Hoje com 33 anos, Artur foi diagnosticado com Lipodistrofia Congênita Generalizada aos dois meses de idade após apresentar sintomas físicos que sua mãe rapidamente reconheceu. Seu tratamento começou logo após o diagnóstico, que veio cedo graças ao fato de que sua mãe possuía conhecimento sobre outros casos da síndrome na família: um tio e um primo de Artur também haviam sido diagnosticados com lipodistrofia.
Fome excessiva é um dos sintomas da lipodistrofia
Artur teve acompanhamento médico e psicológico durante toda a sua vida. A psicoterapia teve especial importância durante sua infância, auxiliando-o principalmente em sua relação com os colegas de escola, que o apelidavam e caçoavam por conta de sua condição. Ele relata que enfrentou discriminação por conta de seu apetite elevado e fome excessiva, um dos sinais da doença. Como comia mais que as demais crianças, por vezes, deixava de ser convidado para eventos, como festas de aniversário.
Além disso, não era possível se alimentar da mesma forma que seus amigos, não podendo consumir itens como salgadinhos, doces ou refrigerantes. Isso fomentava seu sentimento de exclusão. Ainda na escola, anos mais tarde, no Ensino Médio, ele se sentia excluído por não consumir álcool, o que fazia com que tivessem dele uma imagem de “antissocial”.
Hoje, Artur, que faz uso da metreleptina desde 2016, declara que a lipodistrofia não impacta sua rotina de forma negativa, descrevendo-a como “bem normal”. Sem impedimentos cognitivos ou de locomoção, sua única restrição diz respeito à dieta.
Minha única limitação é alimentar, mas não tenho grandes dificuldades quanto a isso, pois, graças ao uso da leptina, consigo comer quase tudo que quero e ainda assim manter minha glicose controlada”, conta o paciente, que toma medicação para a diabetes desde os 18 anos.
Falta de conhecimento sobre a lipodistrofia
Pessoas com doenças raras costumam levar entre sete a dez anos para receber um diagnóstico correto. Esse longo período é causado por vários fatores, incluindo o difícil acesso a especialistas, o tratamento de comorbidades como se fossem a causa principal e o desconhecimento dos profissionais de saúde sobre essas enfermidades.
Este é o caso da lipodistrofia, que pode levar a diversas alterações metabólicas como o diabetes mal controlado e triglicerídeos elevados. Artur acredita que participar de iniciativas como congressos, palestras e entrevistas é essencial para a disseminação de informações sobre a doença e auxilia no maior entendimento das pessoas sobre o tema.
No Dia Mundial da Lipodistrofia (31 de março), conheça mais sobre essa condição rara, que pode ser congênita ou adquirida ao longo da vida, sendo muitas vezes associada a doenças autoimunes. O diagnóstico é, primeiramente, clínico, feito por avaliação de um especialista, mas também pode ser feito a partir de análise genética.
Entenda os 4 tipos de lipodistrofia
Existem quatro diferentes tipos de lipodistrofia. A lipodistrofia generalizada congênita – caso de Artur – é caracterizada pela perda do tecido adiposo já no nascimento ou na primeira infância, além de ser aparente em todo o corpo. Neste caso, as anormalidades metabólicas acontecem durante os primeiros anos de vida do paciente e costumam ser graves.
Em contrapartida, a lipodistrofia generalizada adquirida pode demorar de semanas a anos a se manifestar. Nesse sentido, a perda do tecido adiposo pode acontecer na infância ou na adolescência apenas. Já as anormalidades metabólicas surgem na infância, mas tendem a ter sua gravidade acentuada com o passar do tempo.
Existem também a lipodistrofia parcial adquirida e a lipodistrofia parcial familiar. Na primeira, a perda de tecido adiposo ocorre na infância ou na adolescência ao longo de meses ou até anos e é mais comum na parte superior do corpo. No que diz respeito às anormalidades metabólicas, elas podem aparecer a qualquer momento e sua gravidade varia.
Já na lipodistrofia parcial familiar (LPF), a perda do tecido adiposo na camada subcutânea ocorre perto da puberdade e costuma acontecer na parte inferior do corpo, quando as anormalidades metabólicas são percebidas na idade adulta e sua gravidade pode variar caso a caso.
Lipodistrofia parcial familiar requer mudança no estilo de vida
Subdiagnosticada, a LPF pode comprometer pâncreas, coração e fígado, além de causar questões psicossociais. Embora não tenha cura, um diagnóstico precoce, juntamente com um monitoramento cuidadoso das comorbidades e um manejo adequado das alterações metabólicas, pode assegurar uma melhor saúde e aumentar a qualidade e a expectativa de vida dos pacientes.
A LPF causa uma alteração muscular, conhecida como miopatia. Essa musculatura mais definida é acompanhada por veias salientes, conferindo um aspecto mais masculino às mulheres, o que pode gerar desconforto e importantes questões psicossociais,” explica a endocrinologista Natália Rossin Guidorizzi.
Segundo a médica, apesar de não ser possível tratar a redistribuição da gordura corporal, é viável prevenir as complicações metabólicas mais graves que podem até ser fatais. Ela destaca a importância de uma alimentação adequada e a prática regular de exercícios físicos.
Pacientes com LPF e alterações metabólicas podem se beneficiar significativamente ao adotar um estilo de vida saudável, incluindo uma dieta nutricionalmente equilibrada, com baixo teor de calorias e carboidratos, associada à atividade física aeróbica por pelo menos 150 minutos por semana”, completa a especialista.
5 curiosidades sobre a LPF, doença rara que dá aspecto musculoso ao corpo
- Falso corpo musculoso: devido à diminuição do tecido adiposo nos membros superiores e inferiores, as pessoas com lipodistrofia parcial familiar (LPF) podem apresentar uma musculatura mais visível comparadas às pessoas sem essa condição, especialmente em alguns tipos;
- Herança autossômica dominante e recessiva: a LPF pode ser transmitida por herança autossômica dominante ou recessiva. Na herança dominante, uma única cópia do gene alterado é suficiente para a doença se manifestar, resultando em 50% de chance de transmissão se um dos pais a tiver. Na herança recessiva, é necessário herdar duas cópias do gene mutado, uma de cada pai, o que resulta em 25% de chance de manifestar a doença se ambos os pais forem portadores;
- Início na adolescência: os primeiros sinais da LPF costumam surgir durante ou após a adolescência. Nesse período, a ação dos hormônios da puberdade resulta em uma distribuição irregular da gordura corporal, especialmente em mulheres, que frequentemente notam uma carência de gordura nos membros e um acúmulo na face, na região cervical (criando um “duplo queixo”), intra-abdominal e acima da clavícula.
- Impacto social: a musculatura mais aparente e veias saltada em algumas pessoas com LPF, promovem um aspecto de corpo mais masculinizado nas mulheres, afetando profundamente a autoestima e o bem-estar psicológico de que convive com a doença;
- Múltiplas comorbidades: as pessoas com LPF além de terem uma perda de tecido adiposo em algumas regiões corporais, também apresentam outras comorbidades, como diabetes, hipertrigliceridemias, síndrome dos ovários policísticos, entre outros. A manifestação desses sintomas pode variar de acordo com a gravidade da doença ou de outros fatores;
Para saber mais sobre lipodistrofia familiar parcial, acesse este link
Com Assessorias