O Brasil e o mundo enfrentam um grave problema de saúde pública. Silenciosa, mas da maior gravidade, as hepatites virais, em suas variadas formas, continua fazendo milhares de vítimas ao redor do mundo, causando a morte de mais de 1,7 milhão de pessoas, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Conhecida como uma inflamação no fígado de origem infecciosa (vírus), a doença também cresce no Brasil.

Mais de 70 mil brasileiros morreram entre 2000 a 2017 de causas associadas à hepatite. A forma mais grave é a C, responsável por 76% das mortes pela doença, segundo dados do último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde. A pasta estima que mais de 500 mil pessoas convivem com o vírus C da hepatite e ainda não sabem, já que se trata de uma doença que geralmente não apresenta sintomas até que atinja maior gravidade.

A hepatite C é transmitida por sangue contaminado, sexo desprotegido e compartilhamento de objetos cortantes. O maior número de pessoas com Hepatite C se concentra em pessoas acima dos 40 anos. A hepatite C nem sempre apresenta sintomas. O tratamento da doença é ofertado gratuitamente no SUS e cura mais de 95% dos casos.

Em menos de duas décadas, foram confirmados quase 600 mil casos de hepatites virais no país. De 1999 a 2017, foram notificados 587.821 casos. Desse total, 218.257 (37,1%) são referentes aos casos de hepatite B; 200.839 (34,2%) de hepatite C; 164.892 (28%) de hepatite A; e 3.833 (0,7%) de hepatite D.

Os números alertam para a importância do Dia Mundial da Luta contra as Hepatites Virais, que acontece em 28 de julho. O cenário no país causa tanta preocupação que o governo federal instituiu neste ano a celebração do “Julho Amarelo”, mês de conscientização da doença.

Cerca de 390 milhões de pessoas pelo mundo têm infecção crônica pelo vírus das hepatites B e C, responsável por 95% das mortes provocadas por hepatites virais. Segundo a organização, 57% dos casos de cirrose hepática e 78% dos casos de câncer hepático estão relacionados a esses dois vírus. Já no caso da hepatite A mais de 1,4 milhão de pessoas são contagiadas com o vírus anualmente.

Julho Amarelo: conscientização sobre a doença

Instituído há nove anos pela OMS em 28 de julho, o Dia Mundial de Luta Contra as Hepatites Virais é voltado à mobilização e sensibilização de toda sociedade quanto à importância da prevenção e tratamento das hepatites A, B, C, D e E.  Às vésperas da data, o Ministério da Saúde divulgou o novo Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais como parte da estratégia de prevenção das atividades do Julho Amarelo, que visa prevenir a doença.

Na ocasião, houve ainda um ato de vacinação contra as hepatites A e B. O cantor Michel Teló, embaixador do Movimento Vacina Brasil, participou da ação e também deixou um recado sobre a importância da vacinação. “Esse mês de julho é o mês amarelo e estamos convidando toda a população para lutar contra a hepatite e se prevenir contra a doença”, alertou.

Ele apelou aos pais para vacinarem seus filhos. “Quero convidar todos os pais do nosso país, a levarem a sério essa questão da vacinação dos seus filhos. A gente precisa às vezes deixar de fazer algo para levar os nossos filhos para se vacinar. Isso é importantíssimo para a saúde deles, para a prevenção de doenças. Eu conto com a participação de todos para o cuidado da carteirinha de vacinação e ao Movimento Vacina Brasil”, disse ele, contando que o pai teve problema de paralisia infantil porque não foi vacinado corretamente contra a pólio.

 

Diagnóstico e tratamento pelo SUS

Anualmente, o Ministério da Saúde envia aos estados cerca de nove milhões de testes rápidos para o diagnóstico desta condição. Desta forma, todos as pessoas diagnosticadas com hepatite C têm a garantia de acesso ao tratamento, independente do dano no fígado, assegurando universalização do acesso previsto desde março de 2018. Essa ação coloca o Brasil como protagonista mundial no combate a hepatite C.

Nos últimos três anos, foram disponibilizados pelo SUS mais 100 mil tratamentos para hepatite C. Neste ano, já foram entregues cerca 24 mil tratamentos para a doença. Até o início de agosto, serão entregues outros 5 mil tratamentos.

Desde janeiro deste ano, foram enviados para todos os estados 24 mil tratamentos completos para hepatite C. A expectativa é que cerca de 50 mil pessoas com infecção pelo vírus C sejam tratadas pelo SUS ainda neste ano.

“O Ministério da Saúde buscou estratégias inovadoras para assegurar a oferta de tratamento à população, incorporando novas tecnologias, como: sofosbuvir/ledipasvir, elbasvir/grazoprevir, sofosbuvir/velpatasvir e glecaprevir/pibrentasvir. A oferta foi possível a partir de um novo formato de aquisição que possibilitou economia de quase R$ 1 bilhão passando de R$ 10.772,16 para R$ 1.232,81 por tratamento”, diz em nota.

A pasta informa que neste ano, foi realizada a maior compra já realizada no Brasil para o tratamento da hepatite C, com um dos menores preços do mundo. “Em 2019, o Ministério da Saúde já adquiriu 42.947 tratamentos sofosbuvir/ledipasvir e sofosbuvir/velpatasvir. Outros sete mil tratamentos estão em processo de aquisição. A medida é mais uma ação em prol da eliminação da hepatite C no Brasil até 2030”, acrescenta.

Leve queda no número de casos e óbitos em 10 anos

Dados do novo Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais 2019, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, apontam que na última década, houve redução de 7% no número de casos de notificados da doença no país. Em 2018, foram registrados 42.383 casos de hepatites virais no Brasil. Em 2008, o número foi de 45.410 casos.

O levantamento também apontou queda de 9% no número de óbitos, saindo de 2.362 em 2007 para 2.156 em 2017. Os números apontam que em 2017, foram registrados no Brasil 2.184 óbitos provocados por hepatites virais, sendo 1.720 mortes relacionadas à hepatite C.  Em decorrência da hepatite A foram notificados 22 óbitos, por hepatite B foram 414 mortes e 28 óbitos em decorrência da hepatite D.

Foram 26.167 casos notificados de hepatite C em 2018, com taxa de detecção de 13 casos por 100 mil habitantes.Em 2018, foram notificados 2.149 casos de hepatite A no Brasil, o que equivale a uma taxa de detecção de 1 caso por 100 mil habitantes. Já com relação à hepatite B, foram registrados 13.992 casos, o que representa 7 casos por 100 mil habitantes. Em 2018 foram registrados 145 casos da hepatite D no país. A infecção ocorre quando o paciente já contraiu o vírus tipo B.

A Região Nordeste concentra a maior proporção das infecções pelo vírus A (30,6%). No Sudeste, as maiores proporções são dos vírus B (35,2%) e C (60,9%). O Norte do país acumula 75% do total de casos de hepatite D (ou Delta).

De 2000 a 2016, foram identificados 66.196 óbitos por causas básicas e associadas às hepatites virais dos tipos A, B, C e D. Sendo que 1,7% foram associados à hepatite viral A, 21,4% à hepatite B, 75,8% à hepatite C e 1,1% à hepatite D.

Vírus varia de acordo com clima e saneamento

Em cada país o tipo de vírus predominante varia de acordo com as condições climáticas, de saneamento básico, entre outras. As hepatites virais mais comuns são as causadas pelos tipos A, B e C. Existem, ainda, o D e o E, sendo o último mais frequente nos continentes africano e asiático.

“No Brasil, as hepatites virais mais comuns são as causadas pelos vírus A, B e C. As hepatites por vírus D (Delta) e E são mais frequentes na África e na Ásia. A hepatite G é uma variante causada por uma mutação do vírus C detectado primariamente na Ásia”, explica o infectologista do Hospital Anchieta, Manuel Palácios. 

É recomendado fazer exames preventivos por se tratar de uma doença assintomática, muitas vezes silenciosa e que pode se agravar rapidamente. Esse fator “silêncio” dificulta o tratamento e pode tornar a patologia crônica, com sequelas graves, como insuficiência hepática, cirrose hepática, câncer de fígado e ainda ser fatal.

Hepatite crônica pode levar a câncer no fígado

A infecção pelo vírus da hepatite B ou C quando se torna crônica está associada ao Hepatocarcinoma, o câncer no fígado. “As hepatites podem acometer o individuo de forma aguda, porém os sorotipos B e C podem cronificar causando repetidas lesões hepáticas pela infecção do vírus e assim provocar cirrose. Isso aumenta os riscos de desenvolvimento do hepatocarcinoma”, explica a oncologista do Hospital do Câncer Anchieta (Hcan), Regina Hercules Vidal.

Com um bom acompanhamento médico e tratamento, é possível se curar e evitar o retorno da doença. “A abordagem multiprofissional é feita com as avaliações do gastroenterologista, oncologista clínico, cirurgião oncológico, radiologista intervencionista. Os tratamentos eficazes são o transplante hepático, tratamento local com radiofrequência, crioabalção, quimioembolização, radioterapia, quimioterapia e utilização de medicações com alvo molecular e imunoterapia. O câncer de fígado não é o mais difícil de ser tratado, mas é necessário cuidado para que não haja retorno”, afirma a especialista.

Quanto às gestantes, o período requer atenção para não haver contágio. “As mulheres já com diagnóstico de hepatite crônica com cirrose, normalmente, já estão fora da fase reprodutiva ou possuem ciclos anovulatórios, ou seja, inférteis. A prevenção da transmissão mãe-feto é muito importante, está relacionada a vários fatores e precisa ser monitorada. Todo paciente com diagnóstico de hepatite viral crônica tem que ser acompanhado por um especialista, com exames complementares. Se prevenir com vacinas, como a da hepatite B, que está disponível gratuitamente no SUS, é fundamental. Prevenção é o melhor tratamento”, conclui a oncologista do Hcan.

UM RAIO X SOBRE AS HEPATITES

Mas, afinal, o que são as hepatites? Em suas variadas formas, elas representam a inflamação do fígado que pode ser causada por vírus, uso de medicamentos, álcool e outras drogas, assim como por doenças autoimunes, metabólicas e genéticas.

“As hepatites podem ter origem infecciosa ou não. Dentre elas, destacam-se as hepatites infecciosas causadas por vírus que acometem preferencialmente o fígado, classificadas em hepatites A, B, C, D e E”, explica Carolina Lázari, infectologista da Clínica Felippe Mattoso.

Transmissão

A transmissão das hepatites A e E é fecal-oral, quando a infecção é adquirida por meio da ingestão de água ou alimentos contaminados com vírus que são eliminados nas fezes das pessoas doentes. Já as Hepatites B, C e D são adquiridas por via parenteral, ou seja, por meio de relação sexual, transfusão de sangue e compartilhamento de instrumentos pérfuro-cortantes contaminados, como agulhas e seringas, instrumentos cirúrgicos, entre outros”, explica a médica.

Hepatite A – Com transmissão fecal-oral, se dá pelo contato entre indivíduos ou pela ingestão de alimento ou água contaminados.

Hepatite B – Com transmissão por meio de relações sexuais desprotegidas, o vírus se hospeda no sangue, no esperma, nas secreções vaginais e no leite materno. Além das relações, a transmissão ainda pode se dar no compartilhamento de material para o uso de drogas, de higiene pessoal, transfusão de sangue contaminado e na amamentação.

Hepatite C – Assim como no tipo B, o vírus se abriga no sangue, sendo o contato com o sangue contaminado a principal forma de transmissão.

Principais sintomas

A doença não gera sintomas muito bem definidos. Por serem tão comuns, milhares de pessoas são portadoras dos tipos B ou C sem saber. Na fase aguda da doença, que ocorre logo após a aquisição da infecção, os sintomas mais comuns, independente da tipagem, são: cansaço, febre, mal-estar, tontura, enjoo, vômitos, dor abdominal, pele e olhos amarelados (icterícia), urina escura e fezes claras.

“Complicações podem ocorrer na fase crônica das hepatites B, C e D, decorrentes da insuficiência da função do fígado, como acúmulo de líquido no abdômen (ascite) e sangramentos. Vale ressaltar que boa parte das hepatites B e C são assintomáticas na fase aguda, podendo apresentar manifestações somente na fase crônica”, alerta a especialista.

Diagnóstico e Tratamento

O diagnóstico é basicamente sorológico por meio de técnicas que pesquisam anticorpos contra os vírus (IgG e IgM) no sangue do paciente. Em algumas situações podem ser necessários testes moleculares (PCR) que pesquisam no sangue o material genético do vírus.

O tratamento é variável, conforme o tipo de hepatite. A hepatite A habitualmente não requer medicamentos específicos, apenas medidas para amenizar os sintomas. Já as hepatites B e C geralmente são tratadas quando se tornam crônicas, com medicamentos antivirais específicos a cada um dos vírus”, explica Dra. Carolina.

VACINAÇÃO

No Brasil, existem vacinas bastante eficazes, disponíveis na rede pública de saúde, apenas para os tipos A e B, por isso a erradicação é difícil. A imunização do tipo B previne também o vírus D e está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) gratuitamente.

Para o tipo A, as vacinas são indicadas para crianças com até dois anos de vida. Para o tipo B, a vacina consta no calendário infantil de imunizações, mas quem ainda não tomou, ainda pode se vacinar.  São três doses, com intervalo mínimo de um mês para cada uma das doses. A imunização só estará completa quando todas as doses forem aplicadas.

Para hepatite C, ainda não há vacina. Mas, é importante ressaltar que algumas medidas simples podem ser postas em prática no nosso dia a dia, como por exemplo, não compartilhar com outras pessoas objetos como seringas e agulhas e usar preservativos nas relações sexuais. E, acima de tudo, vá ao médico regularmente e realize exames de rotina.

Prevenção e risco

As hepatites de transmissão fecal-oral podem ser prevenidas com medidas de higiene e com políticas públicas de tratamentos de água e esgoto. As de transmissão parenteral são prevenidas com uso de preservativos nas relações sexuais, o controle de qualidade nos bancos de sangue, esterilização de instrumental hospitalar e o não compartilhamento de objeto perfuro-cortantes.

“Para as hepatites de transmissão fecal-oral estão expostas, principalmente, as pessoas com menor acesso à água tratada e saneamento básico. Para aquelas de transmissão parenteral, está sujeita qualquer pessoa que tenha relações sexuais desprotegidas ou aquelas que compartilham agulhas, equipamentos de tatuagem, material de manicure ou outros objetos contaminados”, informa a especialista.

Diferenças dos tipos de hepatites e formas de prevenção e tratamento

As hepatites A e E são originárias de uma infecção aguda. Após a cura, o vírus é totalmente eliminado do organismo e, em grande parte, não há necessidade de tratamento, mas isso varia de caso a caso.

O contágio pode acontecer por má higiene pessoal, ingestão de alimentos e água contaminados, sendo mais vulneráveis pessoas que vivem em situação precária de saneamento básico. Para evitar a doença, é importante sempre lavar bem os alimentos crus, lavar as mãos após o uso de sanitários e antes das refeições. O álcool em gel também é um aliado na higienização das mãos.

Já as Hepatites B, C, D (ou Delta) e G se enquadram nas Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) porque se manifestam após um ato sexual desprotegido ou pelo sangue quando utilizados objetos cortantes que podem estar contaminadas, como alicates de unha ou aparelhos para tatuagens. Outra forma de disseminação é da mãe para o filho na gravidez, parto e amamentação.

Por isso, é fundamental usar preservativo durante as relações sexuais e na gestação é imprescindível o acompanhamento médico. O tipo B da doença varia com pouca duração, aguda ou na forma crônica que requer tratamento com antivirais específicos, orais e/ou injetáveis.

Fonte: Agência Saúde, Hospital do Câncer Anchieta (Hcan), Hospital Anchieta e Clínica Felippe Mattoso

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