A mortalidade materna – que cresceu na pandemia de covid-19 – vem vendo reduzida e chegou a 57 mortes a cada 100 mil nascimentos em 2023. No entanto, ainda se configura como uma questão relevante de saúde pública no Brasil.
A hemorragia pós–parto é uma das principais causas de mortalidade materna e morbidade grave no mundo. Anualmente, cerca de 14 milhões de casos de hemorragia pós–parto, sendo que 140 mil evoluem a óbito. No Brasil, a HPP continua a ser uma a segunda causa de mortes maternas evitáveis, perdendo apenas para a hipertensão arterial.
Esse tipo de hemorragia é caracterizado como a perda sanguínea maior que 500 ml no pós–parto vaginal ou maior que 1000 ml na cesariana que ocorre dentro das primeiras 24 horas após o parto, segundo a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO).
Quando há maior risco de sangramento uterino?
De acordo com a classificação de risco, o sangramento pós-parto tem mais chances de ocorrer em casos de gestação múltipla, pré-eclâmpsia, corioamnionite, episiotomia, cesariana, macrossomia, uso e vácuo extrator ou fórceps e histórico de hemorragia pós-parto. Porém, em 60% dos casos, vítimas não apresentavam risco.
Outra condição é o acretismo placentário, situação associada a graves hemorragias no momento do parto, principalmente se houver esforços para retirar a placenta. O acretismo placentário ocorre quando a placenta adere ao útero de forma incomum, infiltrando em sua musculatura, podendo atingir outros órgãos da pelve feminina.
Referência mundial no assunto e editor-chefe do livro “Anestesia Obstétrica: Princípios e Prática”, David Chestnut enfatiza que o acretismo placentário é um grande desafio e está associada ao aumento de partos por cesárea em todo o mundo.
“Quando comparamos com 30 ou 40 anos atrás, verificamos que a ocorrência desta doença cresceu nos últimos anos. Isso é multifatorial, e o aumento de cesáreas no mundo é um desses fatores”, diz o especialista, que já ocupou a presidência da Society for Obstetric Anesthesia and Perinatology (Soap).
De acordo com a médica obstetra Bruna Pitaluga, com mais de 20 anos de experiência profissional, em um mundo onde a hemorragia pós–parto é uma das causas de mortalidade materna mais comuns, a falta de informações a respeito do acretismo placentário pode significar a diferença entre a vida e a morte de muitas mulheres no país e no mundo.
Entenda os riscos do acretismo placentário
Segundo a médica, a placenta é um órgão de suma importância para a gestação, pois é responsável, entre outras funções, por transportar nutrientes da mãe para o feto, garantindo o seu desenvolvimento de forma saudável. Apesar disso, o processo de placentação pode colocar a vida da gestante e do feto em risco, quando resulta no chamado acretismo placentário.
Nesta situação, a placenta adere ao útero de forma incomum, infiltrando em sua musculatura. Dra. Bruna explica que isso pode ocorrer pela maneira como a placenta se forma a partir dos trofoblastos, células fetais que não fazem parte da formação do embrião, mas são importantíssimas para o seu desenvolvimento.
“Ao se proliferarem nas vilosidades de ancoragem, estas células se fundem formando uma casca que encapsula o saco gestacional e regula o ambiente para que o embrião consiga se desenvolver”, relata.
Mas estas células, sublinha a médica obstetra, ao se comunicarem com o ambiente interno para que possam proliferar, modificam sua estrutura, desenvolvendo características invasoras. “São estas características que permitem a estas células se locomoverem em direção às artérias espiraladas para realizar as modificações necessárias para que o processo de placentação ocorra”, explica.
A invasão do miométrio superficial é decorrência normal da modificação dos trofoblastos ocasionada pelas alterações sinalizações decorrentes da comunicação destas células com o ambiente materno. O acretismo placentário só irá ocorrer, destaca dra. Bruna, quando estes mecanismos estiverem alterados.
“Se o ambiente uterino não for apropriado para que esse processo ocorra, maior será a penetração da placenta no miométrio, o que pode gerar diversos riscos e complicações clínicas”, diz.
Conforme a médica obstetra, um acompanhamento médico próximo e um pré-natal atualizado sendo posto em prática, para tornar o ambiente uterino adequado, são imprescindíveis à mitigação de riscos.
“O obstetra que possui conhecimento e sabe dos dados de acretismo placentário é capaz de reduzir os riscos pelas condutas tomadas”, afirma Bruna Pitaluga.
Atonia uterina: nova tecnologia estimula contrações do útero
Aproximadamente 60% dos casos graves de sangramento pós-parto são causados por atonia uterina, quando as contrações do útero após o nascimento do bebê são insuficientes. Nestes casos, o risco de sangramento aumenta, colocando a vida da mulher em perigo, incluindo anemia, com a necessidade de transfusão sanguínea, retirada do útero (histerectomia), que leva à infertilidade, e até mesmo a morte.
“No processo gestacional o útero concentra uma grande quantidade de sangue. Ao retirar a placenta, a contração do órgão é responsável por “fechar” os vasos sanguíneos e iniciar a coagulação. No entanto, se isso não acontece corretamente pode levar a um sangramento excessivo”, ressalta a ginecologista obstetra Fabiana Ruas.
A prevenção da mortalidade por hemorragia pós-parto é uma realidade possível e acessível hoje em dia. Quando essas situações são identificadas no pré-natal, a mulher pode receber terapia preventiva de sangramento pós-parto. Embora haja fatores de risco conhecidos que aumentem o risco de HPP, esse tipo de hemorragia pode acometer mulheres que não apresentavam esses fatores.
“Por isso é importante uma avaliação individualizada de cada caso, a ser realizada a partir do diálogo entre mulher e médico no pré-natal, para avaliar o uso de terapia preventiva mesmo sem fatores de risco”, comenta Sérgio Teixeira, diretor médico da Ferring no Brasil.
Dispositivo para auxiliar no controle da hemorragia pós–parto
O tratamento da atonia uterina foi significativamente aprimorado com o desenvolvimento de novos medicamentos que estimulam as contrações do útero. O uso de novas tecnologias, técnicas de manejo durante o parto, protocolos de atendimento e capacitação das equipes assistenciais também é fundamental para a prevenção do risco.
Quando o tratamento medicamentoso não está sendo suficiente para o controle do sangramento e busca-se evitar medidas cirúrgicas mais agressivas, como a remoção do útero, uma opção é o uso de um dispositivo intrauterino que induz a contração do útero por meio da criação de vácuo. Isso leva ao controle do sangramento uterino anormal pós–parto ou da hemorragia uterina pós–parto causados por atonia uterina.
“A principal novidade para tratamento da atonia uterina é o Sistema Jada, indicado para casos onde a medicação não surte o efeito desejado. Ele é aplicado facilmente por meio vaginal e conectado a um aspirador a vácuo, responsável por criar pressão negativa dentro do útero, reproduzindo o mecanismo fisiológico de contração e auxiliando no controle do sangramento anormal”, explica Dra. Fabiana Ruas.
Taxa de sucesso de 92,5% para partos vaginais e 83,7% para cesáreas
Já comercializado nos Estados Unidos, o Sistema Jada foi lançado no Brasil pela Organon, empresa global de saúde feminina, durante o Congresso Brasileiro de Ginecologia e Obstetrícia, realizado no Rio de Janeiro, em novembro de 2023. São Luiz Anália Franco foi a primeira maternidade do Brasil a utilizar essa tecnologia para contenção de hemorragia pós-parto, em fevereiro deste ano.
“Foi um sucesso, a paciente apresentou contração uterina efetiva e parou o sangramento em menos de 2 minutos após a inserção. Teve boa recuperação e recebeu alta com seu filho”, lembra a especialista. O dispositivo é fácil de usar e pode ser inserido no útero por um profissional de saúde, desde que devidamente treinado.
Um estudo de vida real, recém-publicado, com 800 gestantes mostrou que o dispositivo apresentou uma taxa de sucesso de tratamento de 92,5% para partos vaginais e 83,7% para cesáreas. Além disso, o controle definitivo do sangramento foi atingido em menos de 5 minutos em 73,8% dos partos vaginais e 62,2% das cesáreas.
Com Assessorias