A vacinação teve papel determinante para que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretasse o fim da emergência de saúde pública de importância internacional da covid-19. Desde o início da vacinação, 13,3 bilhões de doses de vacinas foram aplicadas em todo o mundo, segundo a OMS. No Brasil, mais de 514 milhões de doses foram aplicadas, segundo o Ministério da Saúde, e mais de 166 milhões de pessoas tomaram ao menos duas doses.

Por isso, com o encerramento do período mais crítico provocado pela doença, declarado pela OMS na última sexta-feira (5), a imunização contra a Covid-19 precisa ser mantida e ampliada, chegando a grupos ainda pouco protegidos pelos imunizantes, como as crianças. É como avaliam  especialistas ouvidos pela Agência Brasil.

Pedro Hallal, epidemiologista e professor da Universidade de Illinois Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, disse que a decisão é correta, mas não pode ser mal interpretada.

“O fato de que foi decretado o fim da emergência não significa que foi decretado o fim da covid-19. A doença ainda existe, mas, neste momento, acontece em níveis controlados. O que determina o estado de emergência é quando a doença está descontrolada. Então, pelo fato de se ter conseguido o controle da pandemia, com a vacinação especialmente, faz sentido que ela deixe de ser uma emergência sanitária”, disse.

O pesquisador compara que, assim como outras doenças presentes no cotidiano da população, a covid-19 continuará a ser um problema de saúde pública, apesar de não ser mais uma emergência.

“Diabetes é um problema de saúde pública e não é uma emergência sanitária. Infarto agudo do miocárdio, inatividade física e obesidade são problemas de saúde pública, mas não são emergências sanitárias. A única coisa que não se pode confundir é o fim da pandemia com o fim da covid-19”, alerta.

Circulação de variantes torna doses de reforço indispensáveis

Integrante do comitê estratégico de especialistas em vacinação da OMS, Cristiana Toscano, professora da Universidade Federal de Goiás, acompanhou de perto o desenvolvimento e a utilização das vacinas contra a covid-19. Com o fim da emergência sanitária, a infectologista considera que, além de lembrar que a doença não vai desaparecer, é preciso reforçar que a vacinação continua tendo importância.

“Estamos em uma situação que está mudando para o que chamamos de rotina, mas a gente vai continuar vendo a circulação e a ocorrência da doença. A gente vai continuar precisando manter a vacinação em dia, principalmente nos grupos de maior risco”, afirma ela.

A infectologista, que também é membro da Sociedade Brasileira de Imunizações, destaca que, por conta das vacinas, não se espera mais tantas mudanças do cenário de transmissão do vírus e da doença, o que possibilitou o fim da emergência sanitária. Mesmo assim, a circulação da variante Ômicron e suas subvariantes torna as doses de reforço indispensáveis.

“Com a variante Ômicron e suas subvariantes derivadas, a gente precisa de três doses, pelo menos, para ter a proteção contra a doença grave e morte. E, nos grupos de maior risco, a gente precisa de reforços periódicos, conforme as orientações específicas para cada grupo”, afirma a infectologista.

“É importante a gente aprender o que a gente tem aprendido com essa experiência, e muito importante que a gente avance em relação ao aumento das coberturas vacinais, não só de covid, mas de outras doenças preveníveis por vacinas, e nos preparemos para outras emergências sanitárias de saúde pública no mundo todo”, completa.

Crianças estão desprotegidas por negligência dos pais

Patrícia Boccolini, coordenadora do Observatório de Saúde da Infância, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Faculdade de Medicina de Petrópolis do Centro Arthur de Sá Earp Neto (Unifase),  lembra que, apesar de as vacinas terem possibilitado o fim da emergência sanitária, muitas pessoas foram privadas do acesso a elas em todo o mundo. Entre essa população, estão as crianças que não foram levadas por seus responsáveis para serem vacinadas.

“Dados do próprio Observa Infância que a gente levantou mostram que a cobertura vacinal para crianças de 3 e 4 anos não chegou a 20%. A gente tem uma cobertura muito baixa para esse público. E, segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, em 2022, a gente teve 550 mortes de crianças por covid”, ressalta a especialista.

Patrícia Boccolini destaca ainda que é preciso continuar e intensificar o esforço para que as vacinas cheguem a todos os países e a toda parcela da população dentro de cada país, corrigindo as discrepâncias que existem atualmente.

“A gente tem que ter em mente que a mensagem do comitê é que os países continuem vacinando e continuem combatendo desinformação e fake news sobre vacinas, principalmente focados na covid-19. A gente vai conviver muito com o vírus. Não podemos deixar que as coberturas vacinais caiam e precisamos ampliar as coberturas vacinais das crianças menores de 5 anos”.

Vírus em evolução: alerta permanente

Pesquisador da Fiocruz Amazônia, o virologista Felipe Naveca, responsável pelo sequenciamento da variante Gamma antes do momento mais crítico da pandemia no país, também comemora o fim da emergência sanitária, que causou mais de 700 mil mortes no Brasil. Apesar de a notícia ser “um alento”, ele defende que o trabalho de vigilância genômica deve continuar.

“A gente precisa continuar monitorando pelo menos um percentual desses casos ao longo do tempo para que a gente veja se o vírus vai, em algum momento, evoluir de maneira que se torne uma ameaça. Mas, nesse momento, essa é uma informação muito boa, uma notícia muito boa. A gente continua vendo o vírus evoluir, com diversas linhagens surgindo, às vezes, até com aumento do número de casos. Mas não estamos vendo um avanço significativo no aumento de casos graves”.

 

Orientação sobre dose de reforço é acertada, mas população precisa manter cuidados

Grupos de alto risco ainda devem tomar uma dose de reforço ao menos anualmente, segundo a recomendação tomada a nível mundial

No fim de março, a OMS, por meio do Grupo Consultivo Estratégico de Peritos em Imunização (SAGE), a OMS recomendou que a dose de reforço da vacina contra a covid-19 não precisava mais ser aplicada em intervalos periódicos à população em geral. Os reforços da vacina seguem recomendados para grupos que possuem mais riscos de desenvolver formas graves da doença. A decisão foi muito comentada e trouxe debates em relação a sua eficácia no cenário brasileiro, mas oferece um entendimento que considera todo o contexto da doença a nível global.

“Esse é um grupo da OMS que avalia a eficácia e o custo-efetividade das medidas de saúde pública considerando as evidências científicas e os contextos epidemiológicos ao redor do mundo e que fornece orientações tanto para países com acesso a mais recursos para estratégias de saúde pública quanto para aqueles que têm mais dificuldades”, afirma a médica infectologista Paula Peçanha Pietrobom, do Serviço de Controle e Infecções Hospitalares (SCIH) do Hospital Edmundo Vasconcelos.

Segundo ela, a OMS considerou um contexto em que os países precisam poupar recursos (não é custo efetivo bancar mais doses de reforço para toda a população) e em que a pandemia estava muito mais controlada a nível mundial, com infecções mais leves e avanços em relação à vacinação.

A médica infectologista destaca ainda que a recomendação da OMS diz respeito ao cenário atual e que pode ser mudada a qualquer momento. “Pode haver mudanças se surgir uma nova variante com letalidade maior ou se algum outro fator de risco acontecer. Considerando os baixos índices de mortalidade da Covid-19, o posicionamento da OMS parece o mais correto para o momento”, analisa ela.

População dividida em três grandes grupos

A decisão tomada pela OMS dividiu a população geral em três grupos. No grupo de alta prioridade para vacinação estão idosos acima de 60 anos, adultos e crianças com comorbidades (por exemplo, diabetes e doenças cardíacas) e profissionais da saúde que atuam na linha de frente. Para esses grupos, há a necessidade de tomar uma dose de reforço adicional a cada seis ou 12 meses após a última dose.

Já na média prioridade estão adultos entre 17 e 60 anos, crianças e adolescentes com o sistema imunológico enfraquecido, que devem tomar o esquema básico de três doses sem a necessidade de reforço.

Por fim, o grupo de baixa prioridade inclui crianças e adolescentes saudáveis, para os quais doses primárias e de reforço são seguras e eficazes, porém podem ser orientadas de maneira diferente em cada país ou região, considerando o impacto local da doença e outras prioridades programáticas ou de saúde.

A especialista ressalta que os pacientes de alta prioridade são classificados assim por conta do fato de a vacina neles não ter eficácia tão grande. “Nesses grupos o organismo, por meio do sistema imune, pode não ter uma resposta vacinal tão boa. E é justamente nestes grupos que a Covid-19 ainda pode ser muito grave. Por isso, a necessidade de tomar as doses de reforço, sempre que disponíveis”, destaca.

Cenário brasileiro e cuidados necessários

Paula Pietrobom explica que o calendário de vacinação contra a covid-19 no Brasil prevê o fornecimento da dose de reforço para uma população até mais ampla do que a população de alto risco definida pela OMS.

“Acredito que não seja o caso de mudar qualquer cronograma agora e o próprio governo não sinalizou que mudará. O Brasil é um país que possui um sistema de saúde pública voltado para a imunização muito robusto. Historicamente, conseguimos oferecer o que há de mais avançado em vacina para a população e a expectativa é que continue assim”, reforça.

A especialista ainda afirma que é preciso tomar cuidados para que não haja qualquer piora do cenário. “Em primeiro lugar é essencial que quem não tomou pelo menos três doses da vacina o faça o mais rápido possível. O que a OMS está fazendo não é desvalorizar a vacina ou dizer que ela não funciona, mas é reforçar que, no cenário atual, três doses podem ser suficientes para a população que não é de alto risco, nos locais onde outros reforços não estão disponíveis”, frisou.

Crianças e adolescentes saudáveis devem receber 3 doses

A médica ainda lembra que também é essencial que as crianças com mais de seis meses e crianças e adolescentes saudáveis sejam vacinadas quando possível com as mesmas três doses dos adultos. Para ela, essa medida ainda é importante especialmente por conta do alto número de mortes de crianças pela covid-19, no último ano. Nesse período, houve uma média de uma morte por dia por covid-19 entre crianças de 6 meses e 5 anos entre 1º de janeiro e 11 de outubro de 2022.

“A vacina não está disponível para os bebês com menos de seis meses, mas eles são considerados um grupo de risco. Por isso, a forma de imunizá-los é através da vacinação das mães gestantes que também são um grupo de alto risco”, destaca.

A médica ressalta ainda que outras medidas de controle como a utilização de máscaras em locais fechados e ambientes de saúde, conforme as orientações do Ministério da Saúde, seguem sendo necessárias.

Com informações da Agência Brasil e do Hospital Edmundo Vasconcelos

 

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