No dia 12 de junho, Christian Eriksen, de 29 anos, comoveu o mundo inteiro que assistia ao vivo ao jogo entre Dinamarca e Finlândia na Eurocopa. O jogador dinamarquês do Inter de Milão sofreu um mal súbito, após receber a bola de uma cobrança de lateral, teve uma convulsão seguida de parada cardíaca e desabou dentro de campo. O atendimento médico imediato foi capaz de reanimar o jogador.

A mesma sorte não teve o produtor musical Cícero Chaves, de 39 anos, filho do humorista Chico Anysio e da ex-frenética Regina Chaves. Cícero, que também atuava no DJ, teria chegado às 2h da manhã em casa no Rio de Janeiro. Pediu comida, por delivery, e desceu para atender o entregador. Estava conversando com o porteiro quando, às 3h, teve um mal súbito, desmaiou e morreu na hora. Ele foi enterrado ainda no domingo, no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro.

O que aconteceu com Cícero não é incomum: estima-se que 4 milhões de pessoas morram no mundo por morte súbita – a causa de 320 mil óbitos por ano no Brasil. Raro mesmo é o jogador Ericksen ter sobrevivido, já que a taxa de sobrevivência de um episódio de morte súbita é de apenas 7,6%, mesmo em países desenvolvidos. Christian Eriksen foi socorrido com ajuda de um desfibrilador e ressuscitado dentro do campo. Após o episódio, ele teve que implantar um cardio-desfibrilador interno(CDI).

Ainda no mês de junho o ator Rafael Cardoso, de 35 anos, também teve que implantar o mesmo dispositivo, um tipo de marca-passo que, caso ocorra uma arritmia com risco de morte súbita, dá um choque direto no coração, revertendo o que seria uma parada cardíaca. O ator possui uma condição chamada Cardiomiopatia Hipertrófica que geralmente se descobre na infância ou adolescência e é uma das doenças que pode ter como resultado uma parada cardíaca (morte súbita) por arritmias malignas.

Mas o que afinal é o mal súbito? E por que pessoas jovens, até mesmo atletas, morrem por conta disso? Dá para prevenir o problema? ViDA & Ação reúne explicações e esclarecimentos de quatro cardiologistas que são especialistas no tema. Confira!

O médico cardiologista Juliano Burckhardt, especialista em Medicina de Urgência e membro da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e da American Heart Association, esclarece que o mal súbito não se trata de uma doença propriamente dita e, sim, uma manifestação que pode indicar que algo no corpo não vai bem.

Chamamos de mal súbito a perda repentina de consciência e ela está ligada a diversos fatores, como estresse e desidratação, e comorbidades como doenças cardíacas, AVC e infarto. A grande e principal recomendação é agir rapidamente, pois o atendimento imediato pode significar a salvação dessa vida”, explica.

O que pode levar a um mal súbito?

A perda repentina da consciência é geralmente seguida de acometimento das funções vitais e consequente parada cardiorrespiratória. Mas, afinal, o que pode levar uma pessoa a um mal súbito? “Em 90% dos casos, a arritmia cardíaca é responsável pelo mal súbito que pode acometer pessoas de qualquer idade”, afirma Ricardo Alonso, cardiologista da Clínica Felippe Mattoso e Labs a+, marcas do Grupo Fleury no Rio.

De acordo com o especialista, existem diversas condições que predispõem à incidência desse quadro. Portadores de doenças cardiovasculares, neurológicas, diabetes, obesidade mórbida, tabagistas, usuários de drogas e pacientes com história familiar de morte súbita estão dentro do grupo de risco.

Desde um simples distúrbio hidroeletrolítico, como uma desidratação, até casos mais graves, como infarto agudo do miocárdio, picos elevados da pressão arterial ou acidente vascular cerebral. Porém, as pessoas aparentemente saudáveis também estão incluídas neste grupo, como no caso de alguns atletas que recentemente apresentaram esse episódio”, explica o especialista.

Ainda segundo o Dr. Alonso, sintomas como palpitação, dor torácica, falta de ar, palidez, tontura ou dor de cabeça são os mais comuns, porém, muitas vezes o paciente não consegue se manifestar sobre os sintomas, evoluindo instantaneamente com perda da consciência.

Nem sempre socorro imediato em campo resolve

De acordo com Dr Juliano, o problema pode atingir homens e mulheres de qualquer idade. A maior prova de que qualquer pessoa é suscetível ao mal súbito é o histórico desse problema em atletas. Em 2014, o brasileiro Éverton teve um mal súbito durante uma partida do Vasco pela Copa do Brasil e foi reanimado dentro da ambulância. O atendimento foi bem-sucedido e o ex-atacante sobreviveu.

É obrigatório que jogos e eventos com aglomeração de pessoas contem com uma ambulância. Mas em 2004, apesar da haver uma ambulância no estádio do Morumbi, em São Paulo, o jogador Serginho, zagueiro do São Caetano, morreu após um mal súbito. A ambulância não estava com desfibrilador. O atleta de 29 anos foi encaminhado ao hospital, mas não resistiu e faleceu.

A maioria das ocorrências é fora do ambiente hospitalar, sendo necessário atendimento rápido para que seja evitada a morte definitiva ou sequelas decorrentes da parada cardíaca. Havendo uma alta incidência entre a população mais idosa, 86% das vezes o mal súbito ocorrem dentro dos lares das vítimas e 14% em locais públicos de grande concentração de pessoas, como shoppings, aeroportos, aeronaves e estádios de futebol.

Conheça o marca-passo que controla o mal súbito

O meio-campista da equipe da Dinamarca já teve alta e voltou para casa, após passar por cirurgia para implante de cardiodesfibrilador interno, assim como fez o ator Rafael Cardoso. O médico cardiologista Silas Escobar, do Hospital Adventista Silvestre, falou do motivo desse procedimento estar sendo tão comum em pessoas jovens.

Várias doenças cardíacas que necessitam desse aparelho costumam afetar pessoas jovens. Outras doenças comuns em pessoas jovens como miocardites, doenças congênitas e arritmias mais raras, como a síndrome do QT longo, também são causas de morte súbita e indicações potenciais de implantes de CDI”, explica o cardiologista, ao explicar como funciona o procedimento.

De acordo com o especialista, o implante de um cardioversor desfibrilador implantável (CDI) é relativamente simples. “O procedimento envolve sedação leve e anestesia local, pequeno corte na região peitoral e punção de uma veia logo abaixo da clavícula para passar dois cabos que entram pela pele e são inseridos no coração e ligados a um aparelho que fica embaixo da pele do paciente que é o cardiodesfibrilador”, destaca.

Esse aparelho pode ser visto e sentido pelo paciente ao toque e funciona basicamente a partir do reconhecimento de arritmias graves através de algoritmos e ao reconhecê-las iniciar estímulos com objetivos de interromper e caso não tenha sucesso realizar uma desfibrilação”, comenta.

Então, dá para voltar a jogar?

Jogador dinamarquês Christian Eriksen sofreu um mal súbito durante a Eurocopa (Foto: Instagram)

O cardiologista, eletrofisiologista e professor José Alencar afirma que os choques emitidos pelo cardiodesfibrilador implantado no corpo dos pacientes são intensos e desconfortáveis. “Quando a frequência cardíaca aumenta e desperta o aparelho são dados choques, com dores fortes e traumáticas para muitos pacientes, não é uma situação confortável”, pontua Alencar. Quando os choques acontecem é necessário procurar imediatamente uma unidade de saúde para fazer exames e acompanhar a situação.

Ainda não há uma definição sobre a volta de Christian Eriksen aos gramados. Mas, como fica a vida de quem passa por isso? É diferente para uma pessoa comum e um atleta? Para José Alencar, que é autor dos Manuais de ECG e de Medicina Baseada em Evidências e professor da Sanar, é preciso ter cautela.

Não dá para dizer que ele voltará a jogar, o aparelho implantado vai observar a frequência cardíaca de Eriksen, e o algoritmo pode ser iniciado com o aumento dos batimentos, o que é muito provável de acontecer em um jogo de futebol”, explica.

Silas Escobar também afirma que em relação a atletas profissionais, a situação é mais delicada, já que o futebol é um esporte de contato e a possibilidade de desmaios em campo por choque deflagrado do aparelho e problemas na parte mecânica do dispositivo em caso de “pancadas” dentro de campo devem ser muito bem analisadas. “Acredito que a decisão mais provável será, infelizmente, a interrupção precoce da carreira do atleta como jogador de futebol”, analisa o cardiologista.

A vida depois do mal súbito para não atletas

E nos casos de pacientes que não são atletas? Para esses, os especialistas explicam que a retomada da rotina é mais fácil, já que não implica necessariamente em situações de alta frequência cardíaca. “Para uma pessoa comum a volta à rotina após um procedimento como esse é mais tranquila; é possível cumprir as tarefas diárias e até fazer exercícios físicos de baixa e média intensidade, como uma caminhada ou corrida”, diz Alencar.

Algumas práticas precisam ser adaptadas, como passar pelas portas das agências bancárias, plataformas de segurança nos aeroportos ou até mesmo fazer um exame de ressonância magnética, já que o aparelho pode ser danificado e prejudicar o paciente. “No mais, é fazer um acompanhamento médico com frequência e seguir orientações para conviver com o aparelho”, alerta Alencar.

Segundo o Dr. Silas Escobar, a pessoa consegue levar uma vida normal, mas pode sofrer algumas restrições. “De forma geral, o indivíduo leva uma vida quase normal. Como possui um dispositivo implantável deve sair de casa com a carteirinha do dispositivo e informar a existência do CDI caso dê entrada em uma emergência por algum motivo, faça uma cirurgia ou tenha que fazer certos exames como ressonância pois alguns pequenos cuidados específicos devem ser tomados”, explica.

O paciente vai precisar, ainda, de acompanhamento periódico com um arritmologista – cardiologista especializado em arritmias. “É necessário procurar uma especialidade da área da Cardiologia, pois é preciso trocar as da bateria do aparelho ao longo da vida. A maioria dos exercícios como corrida e musculação são permitidos, outros como tênis devem ser evitados”, esclarece o médico.

Como socorrer uma vítima de mal súbito?

Além de fazer contato com o serviço de emergência (SAMU), as medidas de socorro prestadas à vítima devem ser feitas, de preferência, por uma pessoa bem treinada que poderá avaliar as vias aéreas, a respiração, a circulação e o nível de consciência do paciente. Se necessário, deve-se utilizar as manobras de ressuscitação cardiorrespiratória, até que o SAMU chegue ao local da ocorrência.

Quando disponível, o uso de um desfibrilador externo automático (DEA) poderá identificar o ritmo cardíaco e realizar automaticamente um choque elétrico no coração, revertendo uma arritmia ou parada cardíaca. “Por isso a importância de cada vez mais termos pessoas leiga s bem informadas e treinadas para um suporte básico de vida, que poderão salvar muitas vidas até que um serviço de atendimento médico de urgência (SAMU) chegue para atender a vítima”, afirma o Dr Ricardo Alonso.

Para Dr Juliano, qualquer um pode ajudar seguindo alguns passos importantes do Treinamento de Emergência Cardiovascular para Leigos da Sociedade Brasileira de Cardiologia. “Primeiramente, é necessário chamar a vítima e tocar nela. Se a pessoa responder ou esteja respirando, o mal súbito não foi provocado por uma parada cardíaca. Nesse caso, o atendimento de sua necessidade, com água e alimentação, pode ajudá-la a se recuperar, mas é importante que ela seja levada a um pronto socorro”, explica.

No caso de a pessoa não responder, pode ser um sinal de parada cardíaca, o que demanda a imediata busca por uma ambulância ligando 192. “É importante deitar o paciente com as costas no chão e iniciar uma massagem cardíaca. Se algum local próximo dispor de um desfibrilador, o uso do equipamento conforme descrito nas instruções é indicado até a chegada da ambulância”, explica.

É possível prevenir o mal súbito?

A arritmia cardíaca é uma das principais causas do mal súbito. Completamente inesperada, essa condição pode ter seu risco minimizado, principalmente quando tem relação com doenças cardiovasculares. “Por meio da realização do check-up cardiológico de uma a duas vezes por ano e seguindo as orientações médicas, com melhora do estilo de vida, é possível reduzir os riscos”, destaca o Dr. Juliano.

Ele também recomenda mudanças de hábitos, para uma vida mais saudável. “Inclua atividade física na rotina, opte por uma alimentação rica em verduras, grãos, proteínas e gorduras de boa qualidade. Além disso, mantenha-se hidratado, controle os níveis de colesterol, hipertensão e diabetes, module o estresse, durma bem e evite o consumo excessivo de alimentos gordurosos, açúcares e sal”, diz.

Como medida de prevenção, as pessoas enquadradas no grupo de risco devem fazer um check-up anual orientado por um médico clínico ou cardiologista, quando serão realizados exames simples como eletrocardiograma, ecocardiograma, teste de esforço, exames de sangue de rotina e específicos de acordo com o perfil de cada pessoa.

Importância do DEA, o Desfibrilador Externo Automático

José Alencar, cardiologista, explica importância do desfribilador (Foto: Divulgação)

Apesar do alto índice de mortalidade nos casos de mal súbito, há muitas chances de se salvar a vida de uma pessoa, desde que ela receba os procedimentos de socorro imediatos e adequados. O ideal é que o socorrista use o desfibrilador, um aparelho que restabelece o ritmo cardíaco do paciente após uma parada cardiorrespiratória.

Para Dr José Alencar, não seria exagero dizer que Eriksen teve um mal súbito em um dos lugares com mais chance de sobrevivência: o campo de uma partida de futebol. Sim, o rápido atendimento especializado e a existência de um Desfibrilador Externo Automático (DEA) no local foram essenciais para salvar o jogador.

É muito difícil sobreviver a um mal súbito sem a reanimação feita pelo DEA, nestes casos a velocidade é o principal aliado da vida. Para se ter uma ideia, 60% das mortes súbitas acontecem em casa, quando as pessoas não têm os equipamentos e atendimento necessário em pouco tempo, precisando se deslocar até uma unidade de saúde”, explica o cardiologista.

São muitas as legislações no Brasil que falam sobre a necessidade da presença do equipamento em locais públicos, seja no âmbito federal, estadual ou municipal. O espírito de todos textos é permitir o acesso de um desfibrilador DEA em locais com aglomeração ou circulação de pessoas como estações rodoviárias, metroviárias, ferroviárias, aeroportos, centros comerciais, shopping centers, estádios e ginásios esportivos e eventos com expectativa relevante de público, como shows, partidas de futebol e outros.

É preciso chamar a atenção das autoridades e da população à importância da presença do aparelho e do treinamento das pessoas para salvar vidas também em outros ambientes, como empresas, condomínios e escolas”, finaliza o especialista.

Com Assessorias

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