Colapso na saúde: hospitais reclamam da falta de remédios do ‘kit-intubação’

Há medicações suficientes para apenas 4 dias. Em meio à crise de abastecimento, governo deve autorizar maior alta de remédios desde 2016

Procedimento de intubação orotraqueal (Foto meramente ilustrativa - Deposit Photos)
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“A situação é crítica e, se medidas urgentes não forem tomadas em âmbito nacional, mais pacientes morrerão”. O alerta é da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), em carta aberta à população, divulgada neste sábado (20/3), sobre o risco iminente de falta de medicamentos para pacientes com Covid-19.

A maioria preocupação da entidade é com a “escassez de medicamentos essenciais para o tratamento de pacientes acometidos pela Covid-19, especialmente os sedativos necessários para intubação”. Segundo a Anahp, há remédios que são suficientes para apenas quatro dias. Pelo menos 18 estados têm estoques no limite, de acordo com ofício enviado nesta semana pelo Fórum de Governadores do Nordeste ao Ministério da Saúde.

Na quinta-feira (18), o Conselho Federal de Farmácia (CFF) também emitiu nota sobre a preocupação com “a falta de medicamentos essenciais à qualidade da assistência e a manutenção da vida de pacientes em estado grave, com Covid-19 e outras patologias”. O CFF reiterou ainda que a sociedade “respeite às medidas como o uso de máscaras e o distanciamento social, visando à redução da sobrecarga dos serviços de saúde”.

Aumento nos preços chega a 900%

Em meio à crise de abastecimento, hospitais denunciam o aumento exagerado nos preços dos medicamentos. Levantamento do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (SindHosp) mostrou que alguns medicamentos usados na UTI tiveram aumento de até 900%, como é o caso do rocurônio, um relaxante muscular usado facilitar a intubação e a respiração artificial.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) alerta que, além de impactar as grandes compras públicas e privadas, o aumento oficial no preço dos medicamentos – estimado em mais de 6%, o maior desde 2016 – pode ter um efeito nefasto no orçamento das famílias – já pressionadas pela crise econômica e por outros gastos de saúde. A publicação oficial do índice de reajuste pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) deve ocorrer no dia 15 de abril.

Para o Idec, é muito provável, inclusive, que os aumentos sentidos pelos consumidores sejam percentualmente mais altos que o valor a ser anunciado, já que há uma distância entre os preços estipulados pelo órgão e os valores praticados na farmácia. 

A tabela da Cmed é uma ficção porque o preço estabelecido logo na chegada de um novo produto farmacêutico ao país é, na maior parte das vezes, artificialmente alto. Na prática, isso significa que o preço que pagamos na farmácia depende dos supostos descontos aplicados pelas empresas – e isso faz com que os valores possam variar duas, três ou quatro vezes e, ainda assim, estar dentro dos limites da regulação”, explica Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Idec. 

Reajuste em medicamentos pode ser o maior desde 2016

O anúncio do novo índice de reajuste do Cmed este ano chamou atenção não só pelo valor, mas por ocorrer em meio à crise de abastecimento de medicamentos usados para o enfrentamento à Covid-19.  Isso fez aumentar a pressão para uma nova regulação do mercado farmacêutico. No início de março, o Idec lançou a campanha Remédio a Preço Justo para apoiar a aprovação da proposta (para saber mais, acesse o site da campanha).

O Senado também analisa um projeto de lei que pode alterar as regras para a definição dos preços de medicamentos no Brasil. O PL 5591/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), prevê entre outras coisas a possibilidade de reajustar os valores para baixo e coloca novos requisitos de transparência para a indústria farmacêutica com o objetivo de garantir preços-teto mais justos.

Para Ana Carolina Navarrete, cada reajuste anual anunciado pela Cmed coloca em evidência a urgência de aperfeiçoar a regulação atual. Além das falhas na atribuição dos preços-teto, outro problema apontado pelo Instituto é a proibição aos reajustes negativos – o que significa que, mesmo que o mercado esteja desacelerado ou o país atravesse uma crise sanitária, como é o caso atualmente, os preços sempre vão subir. 

O que vemos é que as distorções que começam com a definição dos preços de entrada apenas aumentam com o passar dos anos, colocando os consumidores – e principalmente aqueles que dependem de tratamentos contínuos – em uma situação muito desfavorável”, completa Navarrete. 

Anvisa autoriza importação de medicamentos

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a importação direta de diversos medicamentos e dispositivos médicos não regularizados no país, por órgãos e entidades públicas e privadas, bem como serviços de saúde. De acordo com a Anvisa, a medida tem caráter excepcional e temporário para produtos identificados como prioritários para o combate à pandemia de covid-19, em especial aqueles utilizados na sedação e anestesia.

A resolução foi publicada ontem (19) em edição extra do Diário Oficial da União de forma ad referendum, ou seja, será submetida oportunamente à aprovação da Diretoria Colegiada da Anvisa. De acordo com a agência, a norma estabelece que os medicamentos a serem importados devem ser pré-qualificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ou possuir regularização válida em país cuja autoridade regulatória seja membro do Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos de Produtos Farmacêuticos de Uso Humano (ICH).

No caso de dispositivos médicos, o produto deve ser pré-qualificado pela OMS ou regularizado em país com autoridade regulatória membro do International Medical Devices Regulators Forum (IMDRF). “Em todos os casos, deve-se apresentar o comprovante de cumprimento de Boas Práticas de Fabricação, ou documento equivalente, do país”, explicou a Anvisa.

Essa é uma das medidas adotadas pela agência para evitar o desabastecimento de medicamentos, oxigênio e dispositivos médicos necessários para o combate à pandemia de Covid-19 no país. Os medicamentos usados para a intubação de pacientes também obedecerão temporariamente a regras mais simples de fabricação e de venda. A distribuição desses produtos também foi facilitada.

Entenda os reajustes nos preços de medicamentos

A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) publicou na última segunda (15) o valor do Fator Y, um dos componentes da equação que determina o índice de reajuste anual dos preços de medicamentos. Segundo o Idec, essa variável traduz aspectos econômicos externos ao mercado farmacêutico, como custo dos insumos no mercado em geral (energia elétrica, por exemplo) e variação cambial. Ou seja, quanto maior o Fator Y, maior o percentual repassado aos consumidores.

Neste ano, de acordo com a resolução da Cmed, a variável será de 4,88%. Mas, segundo o Idec, é provável que o valor máximo dos reajustes fique acima de 6% – o maior desde 2016. Isso porque soma-se o Fator Y ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado entre março de 2020 e fevereiro de 2021, ainda a ser confirmado pelo Ministério da Economia.

Desse total, é subtraído o Fator X, que traduz o ganho de produtividade da indústria e foi fixado em 3,29% para o ano de 2021. Desde que a fórmula foi criada, em 2002, o Fator Y foi de 0% em quase todos os anos, com apenas duas exceções. Clique aqui para entender a fórmula. 

CONFIRA AS NOTAS OFICIAIS

Nota da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp)

Há um ano, o Brasil tem se mobilizado para o enfrentamento ao novo coronavírus (Covid-19). A saúde, sem dúvida, é um dos setores mais afetados pela pandemia, e tem se deparado com vários desafios importantes. Um dos mais graves, neste momento, é a iminente escassez de medicamentos necessários para atendimento aos pacientes graves acometidos pela Covid-19, bem como a requisição desses medicamentos pelas secretarias municipais de saúde e pelo Ministério da Saúde.

Em levantamento realizado pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), junto aos seus associados, no dia 18 de março de 2021, ficou clara a escassez de medicamentos essenciais para o tratamento de pacientes acometidos pela Covid-19, especialmente os sedativos necessários para intubação. Alguns destes medicamentos têm estoque médio de apenas quatro dias, como é o caso do propofol e cisatracurio.

Estoque atual:
•Propofol – 4 dias
•Cisatracurio – 4 dias
•Atracúrio – 4 dias
•Rocuronio – 9 dias
•Midazolam – 14 dias
•Fenatanila – 19 dias

Entendemos a preocupação do governo em garantir os insumos necessários para a atenção aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), mas a situação do setor privado também é bastante preocupante e, certamente, atingirá o seu ápice nos próximos dias. Caso essas instituições fiquem sem as medicações necessárias para os procedimentos exigidos em pacientes acometidos pela Covid-19, a alta demanda dos hospitais privados sobrecarregará ainda mais o setor público- agravando a situação do sistema de saúde brasileiro.

Nos últimos dois dias, houve várias requisições, desorganizando a cadeia de suprimentos e privando hospitais dos recursos necessários já contratados para atender à crescente demanda de pacientes com a Covid-19. Assim sendo, solicitamos ao Ministério da Saúde e demais órgãos competentes atenção urgente em relação à esta questão crítica que a saúde está vivendo, colocando em risco a vida dos pacientes.

Nota do Conselho Federal de Farmácia (CFF)

O Conselho Federal de Farmácia (CFF) vê com extrema preocupação a falta de medicamentos essenciais à qualidade da assistência e a manutenção da vida de pacientes em estado grave, com Covid-19 e outras patologias, como as doenças autoimunes, tratadas com alguns desses fármacos, escassos ou indisponíveis por conta da pandemia.

Informações de farmacêuticos que atuam em hospitais e outros serviços de saúde de diversos pontos do país, bem como manifestação púbica dos secretários estaduais e municipais da saúde e da própria indústria farmacêutica, evidenciam o desabastecimento de bloqueadores neuromusculares, sedativos e outros medicamentos utilizados em terapia intensiva, como o midazolan, essenciais a uma intubação humanizada e segura; imunoglobulina, essencial à manutenção da vida de pacientes com doenças como a Síndrome de Guillain-Barré; tocilizumab, indicado para amenizar os sinais e sintomas da artrite reumatoide. Nestes dois últimos casos, particularmente, preocupa o uso desses medicamentos sem base científica de eficácia até o momento.

O CFF reitera à sociedade que respeite às medidas como o uso de máscaras e o distanciamento social, visando à redução da sobrecarga dos serviços de saúde; reivindica das autoridades que todas as medidas possíveis sejam adotadas no sentido de garantir a imunização da população, o mais rápido possível; e apela pelo uso racional dos medicamentos, para que a pandemia não faça vítimas também entre pessoas que sequer contraíram o coronavírus, mas têm outras doenças tão graves quanto a Covid-19.

Com Assessorias

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