Pelo menos 65 pessoas conseguiram registros profissionais de forma fraudulenta para atuar como médicos no Estado do Rio de Janeiro, colocando em risco a vida de pacientes. Alguns, chegaram a exercer a atividade e ser contratados na rede pública de saúde. É o que revelou uma reportagem do Fantástico deste domingo (2) sobre uma investigação da Polícia Federal, que descobriu uma quadrilha que falsificava documentos de faculdades de medicina para obter registros e vendê-los para falsos médicos.
Os 65 registros já identificados foram obtidos junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) com documentos falsos, mas para os investigadores, podem representar apenas a ponta do iceberg. A quadrilha pode ser muito maior e envolver a venda de diplomas falsos em todo o país, o que coloca em xeque o sistema de validação.
De acordo com a reportagem exibida pela TV Globo, os suspeitos criavam os documentos falsos muito parecidos com os originais, usando papel de qualidade e até reproduziam o logotipo de universidades. Na maioria das vezes, os dados eram daUneb – Universidade do Estado da Bahia. Houve relatos de acusados que informaram ter pago R$ 400 mil para obter a certificação falsa.
“A investigação conseguiu apontar que de fato existia uma estrutura empresarial nessa venda de diplomas falsos e históricos escolares falsos”, disse o delegado Francisco Guarani, da Polícia Federal.
No caso da Uneb, a quadrilha usava o e-mail: validacao@portaluneb.gov.br e conseguiu enganar o Cremerj. A Universidade da Bahia disse que todos os documentos recebidos pelo Conselho do Rio não foram emitidos ou assinados pela universidade e são ilegítimos.
O Cremerj, por sua vez, diz que percebeu uma das fraudes quando uma funcionária desconfiou de documentos e avisou a Polícia Federal, que começou uma investigação. O órgão mudou o processo de checagem e anulou todos os 65 registros obtidos com documentação falsa.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) anunciou que pretende criar protocolos de checagem em todo o país. De acordo com seu presidente, José Hiran Gallo, uma equipe vai aos conselhos regionais para levantar dados e entender a fragilidade do sistema para trabalhar numa correção.
Supostos médicos se dizem vítimas de golpe
Um dos investigados no esquema revelado pelo Fantástico é Diego da Silva Jacome de Lima. Ele contou em depoimento à PF que é enfermeiro, nunca foi ao campus da Uneb, mas pagou R$ 45 mil e recebeu em casa toda a documentação falsa.
Marcelo Salgueiro Bruno, dono de uma empresa de ambulância e enfermeiro, também disse em depoimento que pagou R$ 45 mil por documentos para se tornar médico. Ele recebeu uma pasta com selo e logotipo iguais aos da Uneb com histórico escolar, diploma e até monografia.
Preso em flagrante em fevereiro deste ano, Jonny Teixeira Carreiros contou à polícia que estudou Medicina no Paraguai, mas não se formou. Segundo a PF, ele pagou R$ 80 mil pelo esquema. O falso médico foi preso em fevereiro deste ano quando trabalhava como médico e passou 9 dias na cadeia. Os advogados de Jonny disseram que ele foi vítima de um golpe.
No momento da prisão, ele estava acompanhando a transferência de um paciente por ambulância que vinha da Baixada Fluminense para um hospital na Tijuca, na Zona Norte da cidade. A prisão foi conduzida pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da Polícia Civil. Jonny Teixeira Carreiros foi levado para a sede especializada nesse tipo de crime onde foi autuado por exercício ilegal da Medicina.
Também detida pela PF, Cássia Santos de Lima Menezes admitiu em depoimento que chegou a dar plantões. Ela é enfermeira de formação e chegou a gastar R$ 400 mil com os documentos falsos. Em nota ao Fantástico, o advogado disse que ela é inocente e já prestou esclarecimentos às autoridades. A produção do programa não conseguiu contato com a defesa dos outros investigados citados.
Em junho, a PF cumpriu quatro mandados de prisão e três pessoas foram presas: Valdelírio Barroso Lima, Reinaldo Santos Ramos e Francisco Gomes Inocêncio Junior, que é médico. A quarta pessoa, Ana Maria Monteiro Neta, apontada como chefe da quadrilha, está foragida.
Operação Catarse da Polícia Federal contra falsos médicos
A ação faz parte da operação chamada Catarse, que visa desarticular um esquema criminoso especializado em falsificação de diplomas para o curso de medicina, que vem sendo realizada pela Delegacia de Repressão a Crimes Fazendários da Polícia Federal desde o começo do ano passado.
As primeiras prisões por parte da Polícia Federal, que deflagraram nesta operação, ocorreram em abril de 2022, após uma denúncia do Cremerj. O Conselho chamou a pf após perceber indícios de documentação falsa para a inscrição de dois CRMs. Na ocasião, as duas pessoas estavam na sede do Cremerj e foram presas.
Foram emitidos 11 mandados de busca e apreensão, que estão sendo cumpridos nas cidades do Rio de Janeiro, de Belford Roxo, de Teresópolis e de Montes Claros (em Minas Gerais). Já foram apreendidos celulares, carimbos e documentos com indícios de falsificação. De acordo com a Polícia, as investigações vão continuar para identificar se há outros participantes, além de apurar o envolvimento deles na assistência de traficantes.
“Para o Conselho, todas as ações que visem garantir a segurança da população, dos médicos e dos demais profissionais de saúde são fundamentais e prioritárias. O Cremerj vem colaborando ativamente com a Polícia Federal e com a Polícia Civil no intuito de coibir essas práticas criminosas e está à disposição de todas as autoridades nesse sentido, cujo objetivo principal é proteger a população do estado do Rio de Janeiro”.
Medida ajudará a população a identificar os falsos médicos
Em seu site, o Cremerj passou a disponibilizar mais um mecanismo de segurança para evitar falsificações de documentos ou carimbos e resguardar os médicos que exercem a Medicina legalmente em todo o estado. Desde setembro de 2022, ao realizar uma pesquisa através do nome ou número do CRM na seção “Encontre um médico”, que aparece no topo da página inicial do site, a população terá acesso também à foto do médico.
Este sistema de busca é simples e, além de mostrar a foto, informa a situação atual de todos os médicos, inclusive se o registro dele é válido, se foi cassado ou transferido. Com esta medida, o Cremerj espera ajudar na identificação de falsos médicos e também coibir o uso indevido de dados dos médicos por criminosos que exercem ilegalmente a profissão no Rio de Janeiro.
Dos 55 mil médicos registrados em todo o estado, o Cremerj conta com 21 mil fotografias cadastradas no sistema. As imagens estão sendo recolhidas desde o início do processo de recadastramento dos médicos no Estado do Rio. Contudo, os médicos que ainda não tiverem sua imagem no sistema poderão levar uma fotografia à sede, às subsedes ou às seccionais do Cremerj para que ela seja escaneada na hora e incluída no cadastro.
A foto deve ser colorida, em fundo branco, e o médico não poderá utilizar adereços que possam dificultar a sua identificação, tais como chapéu, óculos etc. Aqueles que preferirem podem ser fotografados pelas webcams do Conselho. Através dos seus meios de comunicação, o Cremerj iniciará uma campanha para que todos os médicos que não tiverem a foto no sistema procurem o Conselho para atualizar o cadastro e evitar que seus dados sejam utilizados de forma indevida. Todo o sistema de busca foi desenvolvido com as mais modernas tecnologias de segurança, contando, inclusive, com um processo de validação de usuário, para evitar que os dados sejam capturados em massa.
A sede do Cremerj fica em Botafogo, mas há também seis subsedes na cidade do Rio de Janeiro nos seguintes locais: Barra da Tijuca, Campo Grande, Ilha do Governador, Madureira, Méier e Tijuca. Médicos que moram em outros municípios podem procurar uma das 18 seccionais do Cremerj no estado: Angra dos Reis, Barra do Piraí, Barra Mansa, Cabo Frio, Campos, Itaperuna, Macaé, Niterói, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Petrópolis, Resende, São Gonçalo, Teresópolis, Três Rios, Valença, Vassouras e Volta Redonda. Todos os endereços estão disponíveis no site do Conselho.
Como identificar um falso médico?
- Dá para fazer busca de médico sem saber o CRM
- O número do registro no conselho regional;
- O estado em que o médico atua;
- O ano em que o registro foi feito;
- Uma imagem de rosto do profissional, quando disponível;
- Se o registro está ativo ou inativo;
- A especialidade, caso o profissional tenha optado por exibi-l
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Com informações do G1 e Cremerj, com Redação