Os exoesqueletos – estruturas “vestíveis” desenvolvidas nos Estados Unidos que ajudam no suporte e movimento do corpo humano – em breve serão uma realidade no Sistema Único de Saúde (SUS) para atender pessoas com deficiência e doenças motoras. Pelo menos em São Paulo, que recebe em agosto três equipamentos como o modelo que pudemos assistir Flávia Cintra, que é tetraplégica, experimentar no Fantástico deste domingo (2).
“Foi a primeira vez que eu andei em mais de 32 anos”, contou, emocionada, a jornalista, que tem 50 anos e perdeu os movimentos dos membros após um acidente, aos 18. Flávia teve que se preparar durante um mês com uma intensa rotina de atividades físicas para encarar o desafio de ficar de pé com apoio do exoesqueleto.
As máquinas permitem a prática do caminhar em pessoas que perderam movimentos do corpo ou que precisam aprimorá-los em consequência, por exemplo, de sequelas de AVC (acidente vascular cerebral), lesão medular, Parkinson, esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, traumatismo cranioencefálico, entre outros. O tipo de exoesqueleto que deverá vir para o Brasil já foi usado para tratar mais de 330 pessoas no ano passado.
No Brasil, a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e a Rede Lucy Montoro – centro público de referência na reabilitação de pessoas com deficiência e doenças incapacitantes -, firmaram parceria com a startup francesa Wandercraft, fundada em 2012 por três estudantes de engenharia que criaram o equipamento, para a compra de dois exoesqueletos Atalante X.
A ideia é que os equipamentos sejam disponibilizados nas unidades da Rede Lucy Montoro na cidade de São Paulo e em Fernandópolis, região metropolitana de São José do Rio Preto. Há ainda a expectativa de que mais um exoesqueleto seja instalado no Centro Paralímpico Brasileiro.
O Atalante X é o mesmo modelo usado e testado pela senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), em abril deste ano. Em meados de junho, ela voltou aos EUA para testar o aprimoramento da nova tecnologia que será implantada em centros de reabilitação do SUS em São Paulo.
Como Mara é tetraplégica e possui poucos movimentos de braço, este foi o primeiro exoesqueleto que se ajustasse a essa condição. A experiência foi registrada pela TV Globo e exibida no programa Fantástico no último domingo, 2.
Sobre o futuro de como seria o acesso de todos os brasileiros ao Atalante, a senadora aposta na ideia de criar “walk centers”, locais que funcionariam como centros de condicionamento físico ou de ginástica voltados às pessoas com e sem deficiência.
“Esses centros seriam vinculados às universidades públicas, que já possuem estrutura tanto de reabilitação quanto para a prática esportiva”, afirmou Mara, de 55 anos, que ficou tetraplégica aos 26, após um acidente de carro.
‘Não sou a mesma pessoa depois de testar esse equipamento’, diz senadora tetraplégica
A senadora fez muitos anos de fisioterapia e exercícios físicos diários para conseguir, 21 anos depois, a recuperação parcial dos movimentos nos braços. O resultado desta dedicação é a habilidade de pilotar a própria cadeira de rodas sem a necessidade de alguém que a empurre. Entusiasta das possibilidades advindas da tecnologia assistiva, Mara Gabrilli esteve durante três dias nos Estados Unidos para conhecer a revolucionária tecnologia voltada para reabilitação de pessoas com deficiência.
“Não sou a mesma pessoa depois de testar esse equipamento. São 28 anos desafiando a inércia e a gravidade desde que quebrei o pescoço. Sempre trabalhei para resgatar movimentos. Chegar ao momento de andar com o auxílio de uma tecnologia que usa a força do meu próprio corpo é a prova de que todo esforço valeu a pena. É um universo de possibilidades que se abre”, afirmou a senadora, que é relatora e autora do texto final da LBI – Lei Brasileira de Inclusão.
Mara Gabrilli fundou um Instituto que leva seu nome em 1997, alguns anos após o acidente de carro que a deixou tetraplégica. À época, o objetivo inicial do Instituto já era o fomento a pesquisas para a cura de paralisias e apoio ao paradesporto. A organização ampliou sua atuação e hoje é referência em projetos sociais voltados para o resgate da autonomia de pessoas com deficiência.
‘Uma revolução na saúde dos brasileiros’, avalia médica
O primeiro contato de Mara com o exoesqueleto foi acompanhado pela médica Linamara Rizzo Battistella, presidente do conselho diretor do Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, e coordenadora da Rede Lucy Montoro de Reabilitação.
Linamara também coordenou junto à Organização Mundial da Saúde (OMS) a publicação “Diretrizes para o Fortalecimento da Reabilitação nos Sistemas de Saúde”, documento parâmetro para os países membros da OMS para garantir a saúde e melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência, que no mundo somam 1 bilhão.
De acordo com Linamara, que acompanhou os testes a convite de Mara, a possibilidade de trazer o Atalante para o Brasil significaria uma revolução na saúde dos brasileiros, além de inspiração para cientistas, que poderão desenvolver tecnologias de reabilitação genuinamente nacional.
“É uma referência importante para criarmos equipamentos que atendam hoje quem não tem acesso a serviços de saúde e reabilitação, pensando num conceito muito mais amplo, que é o de longevidade e qualidade de vida”, afirmou a médica. A partir de então, com grandes esforços, o potencial de uso da máquina foi decisivo para que o equipamento viesse para o país.
Exoesqueletos são aliados na recuperação física e emocional
Batizado de Atalante, o exoesqueleto funciona como um suporte para que pessoas com algum tipo de paralisia possam ficar de pé, eretas, e se moverem de maneira multidirecional e com braços livres. O equipamento que Mara experimentou e caminhou com ele possibilita a locomoção de pessoas que perderam movimentos do corpo e que precisam aprimorá-los.
A ideia é dar a possibilidade de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida terem uma tecnologia que possibilite movimentos em múltiplas direções. O objetivo é que futuramente, usando o exoesqueleto, os usuários também possam realizar tarefas do dia a dia, como atividades domésticas, permitindo assim mais autonomia e longevidade.
A principal inovação do Atalante é que ele dispensa o uso de andadores. O paciente “veste” o exoesqueleto e uma vez que o robô contém um sistema de controle de equilíbrio, permite maior estabilidade. Isto é, mesmo que o paciente se incline e faça movimentos com o tronco, o robô mantém o equilíbrio sem cair.
O equipamento funciona com uma programação de acordo com o objetivo do paciente. Ele pode se inclinar, sentar e levantar, andar de frente, de costas e de lado, além de subir degraus. Essa condição é crucial para que o Atalante seja usado por pessoas com diferentes tipos de comprometimento de mobilidade.
Durante anos, a senadora conta que buscou um equipamento que pudesse atender o maior número de pessoas com diferentes tipos de lesões e paralisias. Segundo Mara, os exoesqueletos são vistos por especialistas como aliados na recuperação física e emocional.
A máquina foi projetada para que pessoas com lesões medulares similares possam também usufruir do equipamento. Dentre as funções, destaca-se a possibilidade dos usuários se moverem de forma multidirecional e independente, mesmo sem movimento de braços.
“Imagine a transformação na saúde de uma pessoa com deficiência que passa a maior parte do tempo sentado ou deitado. São ganhos imensuráveis: melhoramos a função circulatória, digestiva, respiratória. Melhoramos a qualidade de vida em todos os aspectos. Sem contar o upgrade na autoestima, colaborando para combater doenças como a depressão e a ansiedade”, relata a senadora.
Equipamento pode ser adaptado para diferentes perfis
Outra vantagem do modelo Atalante X em relação a outros exoesqueletos já existentes no mercado é a capacidade de ser adaptado para diferentes perfis de pessoas. O equipamento funciona com uma programação de acordo com o objetivo do paciente. Ele pode se inclinar, sentar e levantar, andar de frente, de costas e de lado, além de subir degraus e rampas.
O paciente “veste” o exoesqueleto e uma vez que o robô contém um sistema de controle de equilíbrio, permite maior estabilidade. Isto é, mesmo que o paciente se incline e faça movimentos com o tronco, o robô mantém o equilíbrio sem cair. Essa condição é crucial para que o Atalante X seja usado por pessoas com diferentes tipos de comprometimento.
Outra vantagem é o peso do equipamento. Ele é feito de material mais leve e se adapta a diferentes alturas e corpos. Os modelos mais comuns no Brasil não são modulares e por isso não podem ser ajustados para todos os tipos de pacientes.
De acordo com a OMS, há 1 bilhão de pessoas com alguma forma de deficiência no mundo. Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 8,4% da população brasileira acima de 2 anos – o que representa 17,3 milhões de pessoas – têm algum tipo de deficiência. Desse contingente, 7,8 milhões, ou 3,8% da população acima de dois anos, apresentam deficiência física.
“Duas mulheres que ficaram tetraplégicas, mas que nunca pararam de se mexer”
Na última experiência com o exoesqueleto, a senadora estava acompanha da jornalista e amiga Flávia Cintra, também tetraplégica. Juntas, num dos momentos mais emocionantes da viagem, caminharam com o equipamento. Sobre a experiência, veja o que Mara relatou:
““A experiência extremamente inspiradora e grandiosa que eu tive o privilégio de viver merece ser compartilhada com o maior número de pessoas que pudermos. Trazer essa qualidade de vida para os brasileiros com diferentes tipos de déficit de mobilidade virou objetivo de vida, um projeto maior para compartilhar bem-estar e saúde com os brasileiros.
Flávia e eu temos uma longa história de luta e militância. Ela foi a primeira mulher tetraplégica que eu conheci após o meu acidente. Em 2006, o Brasil estava entre os países que aprovaram a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e, incentivada por ela, nós duas estávamos lá. E juntas, com a sociedade civil, participamos dessa construção que se tornou um marco na nossa luta por inclusão, respeito e liberdade.
Estar novamente na sede da ONU, 17 anos depois, vendo a Flávia caminhar com o exoesqueleto, é extremamente emocionante e gratificante. Passa um filme na minha cabeça, um filme de duas mulheres que ficaram tetraplégicas, mas que nunca pararam de se mexer. Duas mulheres que nunca deixaram de acreditar na vida, nas possibilidades de realizar e produzir.
Duas mulheres cadeirantes que puderam reviver a experiência de caminhar. É muita emoção! Marca, literalmente, nossa linda caminhada até aqui. Agora, nossa alegria maior é saber que em breve outros brasileiros terão a mesma oportunidade que Flávia e eu tivemos. É a vida da pessoa com deficiência acontecendo como a gente sempre acreditou: com movimento!”.
Com Assessoria da senadora e G1