Um debate sobre a eficiência da Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) nos tratamentos psiquiátricos domina os meios científicos e acadêmicos. Uma pesquisa realizada no Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP descartou o uso de EMT, modalidade theta-burst (TBS), no tratamento de pessoas com depressão mista – um subgrupo da doença com baixa resposta ao tratamento convencional da depressão, os antidepressivos.
O estudo, que durou seis semanas e contou com a participação de 90 voluntários com transtorno bipolar e transtorno depressivo maior (depressão clássica), mostrou ausência de eficácia na resolução dos sintomas neste tipo de depressão, confirmando outros estudos que mostram a resistência desses pacientes a tratamentos convencionais. Um artigo descrevendo o estudo foi publicado dia 30 de junho de 2021 na revista Neuropsychopharmacology – Pubmed, conforme informou o UOL.
Neste Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio e de conscientização sobre a saúde mental, o tema volta à baila. Em artigo enviado ao Portal ViDA & Ação, a neurocirurgiã Juliana Zuiani defende o uso da técnica para tratar a depressão, apontada como a principal causa para ideações suicidas. Entenda:
‘EMT traz resultados bastante eficazes no controle dos sintomas da depressão’
Por Juliana Zuiani*
Estamos em meados do mês e, no papel de neurocirurgiã, eu não podia deixar de fazer uma reflexão sobre o Setembro Amarelo. A luta nacional organizada pela prevenção ao suicídio é motivo de campanha desde 2014, quando a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), passou a evidenciar o tema. Neste ano, o lema é “A vida é a melhor escolha!”
É preciso deixar claro que a vontade de suicidar-se não vem da intenção de acabar com a vida, mas sim de colocar fim ao sofrimento. É necessário ficar atento às pessoas ao redor. O pensamento suicida pode parecer, mas não é, um processo silencioso. Os sinais podem ser sutis, mas estão presentes
Nem sempre alguém que pensa ou tenta o suicídio já passou por várias etapas em que faltou ajuda. Às vezes, mesmo recebendo ajuda adequada, a fatalidade pode acontecer. É fundamental lançar mão de todos os recursos possíveis para evitar que a situação tenha esse desfecho
Os indícios de que essa intenção paira na mente da pessoa variam muito. Porém, um sinal importante costuma ser a perda de interesse nas coisas e nas suas responsabilidades. Os suicidas costumam procurar pessoas próximas e estabelecer um “clima de despedida”. É essencial levar a sério, dar apoio e auxiliar quando se percebe que a pessoa está pedindo ajuda
Quando há a percepção, o primeiro passo é conversar sobre isso com empatia. Existe o mito de que falar sobre o assunto pode estimular a alguém a tirar a própria vida. Não é verdade. É o momento para dizer o quanto ela é amada, de estimular e acompanhá-la em atividades fora de casa, incentivar a procurar ajuda profissional, lembrá-la das responsabilidades e fazer planos junto com ela. Não subestime “gritos” por ajuda
Recebemos para tratamento em nossa clínica pacientes que chegam encaminhados pelo psiquiatra. No entanto, não é raro a procura espontânea; quando a pessoa está “desesperada”
Na clínica aplicamos a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), que é uma maneira indolor, não invasiva, isenta de medicação e não tem efeitos colaterais. Pode ser feita em paralelo a tratamento medicamentoso que esteja em andamento com outro especialista. A EMT traz resultados bastante eficazes no controle dos sintomas da depressão, que é a causa do sofrimento. Menos de 5% da população não responde a essa terapia
Na EMT, uma bobina similar a um capacete é disposta na cabeça do paciente. Esse aparelho emite pulsos magnéticos que atuam sobre o cérebro de forma dirigida, sem necessidade de corte e sem causar dor. Durante a aplicação, o paciente fica acordado e pode voltar para casa assim que a sessão terminar
Nos casos de risco iminente de suicídio, fazemos duas sessões diárias até completar 20 sessões. Depois disso, passamos para sessões diárias até completar 30 a 40 sessões. As sessões têm duração de 20 minutos e é preciso um intervalo de 3 horas entre elas
O campo magnético criado pelo equipamento gera uma corrente elétrica em área específica do cérebro, estimulando o córtex pré-frontal dorsolateral, levando à produção de dopamina. A dopamina é um neurotransmissor que, quando liberado, provoca sensação de prazer e bem-estar, além de aumento da motivação
Aprovada para uso no Brasil em 2012, a técnica ainda é pouco conhecida e com disponibilização restrita. Alguns centros de referência disponibilizam o método pelo SUS, a exemplo do Instituto de Psiquiatria da USP. Apesar de já estar bem validado, não consta no rol dos convênios da ANS (Associação Nacional de Saúde Suplementar). Em Campinas, a terapia é encontrada somente em atendimento privado
Além da depressão, a EMT melhora também em outros problemas, como zumbido, transtornos bipolares, alucinações em pacientes esquizofrênicos, reabilitação de pacientes com sequela de AVC (Acidente Vascular Cerebral), dores crônicas e em crianças autistas
O sucesso da terapia é medido pela redução ou pelo desaparecimento dos sintomas da depressão. Baseado nos resultados, é também possível diminuir ou até mesmo suspender os medicamentos antidepressivos.
Técnica da EMT superficial é reconhecida no Brasil desde 2012
Em 2012, o Conselho Federal de Medicina (CFM) reconheceu a Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) superficial – aplicação de ondas eletromagnéticas no cérebro – como ato médico privativo [que só médico pode realizar], segundo a Agência Brasil.
A técnica passou a ser cientificamente válida para uso nacional, com indicação para depressões uni e bipolar, alucinações auditivas nas esquizofrenias e planejamento de neurocirurgia. Para indicações além das mencionadas, a EMT superficial também deve continuar como procedimento experimental, por falta de dados que comprovem sua validade.
De acordo com resolução do CFM, a prescrição deve ser antecedida de registros no prontuário do paciente e de entrevista contendo identificação, queixas dos principais sintomas, história da doença atual, história pessoal, história familiar, social e ocupacional, exame físico, exame mental, conclusões com diagnóstico e justificativa da prescrição.
A estimulação magnética teve aprovação do órgão governamental americano Food and Drug Administration (FDA) para o tratamento de depressões e para o planejamento de neurocirurgias em 2008. No Brasil, a pesquisa para o reconhecimento da técnica foi realizada pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
A EMT difere de métodos tradicionais, como o eletrochoque, principalmente por não apresentar efeitos colaterais sobre a memória. De acordo com a resolução do CFM, a técnica profunda [cujos pulsos eletromagnéticos ocorrem em alta corrente, por carecer ainda de definição dos limites de seu emprego e de critérios de segurança, deve continuar sendo um ato médico experimental.
Prezada Dra Juliana Zuiani, já houve o reconhecimento do FDA sobre a eficácia do tratamento. Porque o CFM não faz o mesmo reconhecimento? Esse ato ajudaria milhares de pacientes a fazerem o tratamento pelos planos de saúde e pelo SUS. O tratamento particular é absurdamente caro, não sendo acessível para os doentes sem recursos financeiros. É o caso do meu filho de 53 anos, que sofre de depressão refratária e nenhum medicamento surte efeito. É muito sofrimemto dos doentes e familiares. O Brasil precisa fazer uma campanha para esse tratamento entrar no rol da ANS. Contamos com sua ajuda. Att Marília de Almeida Santos