No Dia dos Namorados, a atenção se volta para os casais que celebram a data. Em meio às tradicionais campanhas publicitárias e corações espalhados pelas vitrines, a data promocional deste ano chega em um momento em que especialistas alertam para uma “epidemia de solidão” que atinge milhões de brasileiros. Nunca estivemos tão conectados e, ao mesmo tempo, tão sozinhos.

Conforme o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 81 milhões de solteiros, superando os 63 milhões de casados. No Distrito Federal, até 2021, havia 1,1 milhão de pessoas solteiras.

Uma pesquisa global aponta que mais de 50% dos brasileiros relatam sentir-se solitários frequentemente, especialmente nesta data comemorativa, devido ao bombardeio de imagens e mensagens de amor e romance, que podem intensificar sentimentos de solidão, ansiedade e baixa autoestima.

As motivações para essa escolha variam desde a manutenção de um determinado estilo de vida e a necessidade de superar traumas emocionais, até a busca por um maior autoconhecimento. Ainda assim, o motivo mais citado é a busca por “maior liberdade”. Por outro lado, existe um momento que bate a solidão e as pessoas procuram por alguém com quem compartilhar a rotina.

Preguiça para engatar um novo relacionamento

Não é raro encontrar pessoas que têm centenas de matches em aplicativos, mas não conseguem estabelecer uma conexão real com ninguém. Perdi a conta de quantas vezes ouvi de pacientes que eles têm ‘preguiça’ de percorrer todos os passos para engatar um relacionamento”, comenta o psicanalista, sexólogo e especialista em Inteligência Emocional, Betto Alves.
E mesmo que “a preguiça de conhecer o outro e iniciar uma relação” seja grande, estar sozinho no 12 de Junho traz sofrimento para muita gente. Não à toa, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou a solidão como uma “epidemia global”, reconhecendo que a sensação de estar só está associada a doenças cardiovasculares, metabólicas e à mortalidade precoce.
O corpo somatiza o sofrimento psíquico, transformando a angústia em manifestações orgânicas. “O ser humano não foi projetado para ficar sozinho. E quando isso acontece, datas comemorativas despertam gatilhos que trazem muito sofrimento”, pondera o psicanalista.

“Match”: gratificação imediata

O especialista afirma que o que superficialmente aparece como simples indolência constitui, na verdade, um sofisticado mecanismo de defesa contra a ansiedade que o verdadeiro encontro com o outro provoca. Daí vem a impaciência nas relações. A cultura do “match”, que gera uma gratificação instantânea, tem tornado as pessoas cada vez menos tolerantes aos desafios naturais de qualquer relacionamento.
As pessoas estão tratando relacionamentos como se fossem produtos de consumo. Se não funciona perfeitamente desde o início, descarta-se e parte-se para o próximo. Isso cria um ciclo vicioso onde ninguém desenvolve as habilidades necessárias para construir e manter conexões profundas”, observa Alves.
Para o especialista, é necessário repensar a abordagem sobre relacionamentos. “Precisamos começar a imaginar novas formas de estar junto, novas estruturas que se contraponham a uma cultura que exacerba cada vez mais nosso isolamento. O buraco está cada vez mais fundo”, diz.

Tecnologia: remédio ou veneno?

Ele defende que a tecnologia, muitas vezes apontada como vilã, pode ser parte da solução se usada conscientemente. “O problema não é a tecnologia em si, mas como a utilizamos. Podemos usá-la para criar comunidades significativas e fortalecer laços existentes, em vez de substituí-los.” A tecnologia funciona como um pharmakon — simultaneamente remédio e veneno — podendo tanto facilitar quanto obstruir conexões autênticas.
O psicanalista também questiona a própria concepção tradicional do Dia dos Namorados“Por que celebramos apenas um tipo de amor? Precisamos expandir nossa compreensão de conexão e intimidade para além dos casais românticos tradicionais.” Esta proposta implica um necessário trabalho de luto em relação aos ideais românticos inatingíveis, permitindo a emergência de novos modelos mais realistas e satisfatórios.
Alves sugere que a data seja uma oportunidade para refletir sobre todas as formas de conexão significativa. “Estamos vivendo um tempo único. A tecnologia nos proporciona cada vez mais a conexão, mas nada substitui o calor humano, o olhar nos olhos, a presença física.”  Para quem se sente sozinho neste Dia dos Namorados, ele oferece uma perspectiva diferente: “Use este momento não para lamentar a ausência de um parceiro romântico, mas para refletir sobre como você se conecta com as pessoas ao seu redor. Às vezes, a solução para a solidão não está em encontrar ‘a pessoa certa’, mas em cultivar múltiplas conexões significativas”, afirma.
O psicanalista reforça a necessidade do autoconhecimento e da reflexão. “Enquanto não falarmos profundamente sobre o que nos trouxe até aqui, dificilmente vamos aprender a criar novas formas de estar junto que nos ajudem a sair do lugar onde chegamos. Talvez o verdadeiro presente deste Dia dos Namorados seja começarmos essa conversa”, conclui.

Quando a expectativa por um relacionamento adoece

Será que este ano desencalho? Psiquiatra alerta que expectativas irreais sobre relacionamentos podem gerar problemas de saúde mental

Com o início mês de junho, os corações vermelhos começam a se espalhar pelo comércio. Para muitos solteiros, o Dia dos Namorados é apenas mais uma data comercial que não influencia em nada a rotina do dia 12, mas para outros é uma fonte de angústia – alguns até se recusam a sair de casa nesta noite. Para a psiquiatra Lívia Castelo Branco, da Holiste Psiquiatria, a tristeza está muito mais ligada à cobrança social do que necessariamente à falta de parceiros.

As mulheres, principalmente, sofrem bastante com a proximidade da data. Por mais que exista o movimento atual de fortalecimento e independência feminina, a cobrança que dita que não estar em um relacionamento é um sinal de fracasso aos olhos da sociedade ainda gera muitos questionamentos e angústias. É claro que muitos homens também sofrem, mas a pressão social é menos latente”, aponta a especialista.

A psiquiatra reforça não haver problemas em buscar um relacionamento, a questão é exatamente quando a expectativa pessoal ou de terceiros passa a causar sofrimento emocional, crises de ansiedade, de choro, abuso de substâncias e até pensamentos de morte. Ela destaca que mesmo indivíduos que nunca tenham sido diagnosticados com qualquer transtorno mental podem desencadear episódios assim e não é vergonhoso buscar ajuda porque está se sentindo desestabilizado por causa disso.

O sofrimento nunca é bobo. Quando se trata de relacionamento ou da expectativa de um, estamos falando de gatilhos emocionais. Contudo, indivíduos que já padecem de transtornos de humor, de ansiedade ou de personalidade estão ainda mais vulneráveis a descompensações em momentos específicos, como dia dos namorados, tanto por conta de cobranças pessoais ou familiares e pelo contexto cultural em que está inserido”, detalha a profissional.

Por este motivo, a psiquiatra alerta que o atendimento psicológico para qualquer pessoa que experimente sofrimento associado a um relacionamento ou à falta dele é de extrema importância. Assim, o acompanhamento e, se necessário, as medicações, são uma estratégia para voltar a se sentir melhor com a própria companhia, lidar com a pressão social e voltar a estabelecer relações saudáveis no futuro.

Com Assessorias

 

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