Por Ricardo França*

A depressão é uma doença mental grave que provoca diversos transtornos, como doenças do sono, síndrome do pânico, bipolaridade e mania de perseguição. O mal atinge cerca de 350 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ela começou a ser estudada de uma forma científica e tecnológica na década de 90, nos EUA, por conta do crescimento exponencial do afastamento de trabalhadores de suas funções.

O efeito sobre a cadeia produtiva e laboral gerou um alto custo para empresas e para o Governo: indenizações, auxílio-doença, aposentadoria precoce… Os EUA, então, criaram uma política de saúde mental com investimentos pesados em pesquisas para entender a doença e seus efeitos. No Brasil, até há pouco tempo, existia a política exclusiva e perversa do hospício (ou manicômio), verdadeiros presídios ou depósitos de gente. Contudo, depressão não é loucura.

A Lei federal 10.216, de 6 de abril de 2001, dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Para mim, que viajei nas vísceras desse mal, a lei deu brecha a um novo sistema pernicioso de tratamento aos depressivos e que, portanto, precisa ser revisto. A reboque da lei surgiu uma deformação: um comércio de clínicas particulares – empresas, em grande parte, de profissionais da área, como psiquiatras –; indústria farmacêutica e planos de saúde.

Nelas, com as devidas exceções, os enfermos de depressão são tratados de forma massiva e comercial. O tratamento não é individualizado, mas coletivo. Em muitas dessas clínicas os depressivos dividem o espaço com dependentes químicos, sejam de drogas ilícitas ou lícitas, como o álcool. A metodologia predominante de tratamento são os ‘12 passos’, criada pelos Alcoólicos Anônimos (AA), em 1935, em Akron, Ohio (EUA), entidade fundada por Bill W., um corretor da Bolsa de Valores de Nova Iorque, e pelo cirurgião Dr. Bob. A rede divulga altas estatísticas de ‘cura’, mas não de ‘recaídas’. E esse vazio é proposital.

Tratamento coletivo nas clínicas de recuperação

No Brasil, o tratamento – coletivo – foi copiado pelas clínicas de recuperação. Todas possuem, sim, equipes multidisciplinares: psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, terapeutas. Mas as sessões, por exemplo, com psicólogos, são feitas em tempo reduzido – cerca de 20 minutos por paciente – uma vez por semana, em média. Para que todos sejam atendidos.

Pacientes com histórias e psicopatias diferentes e em estágios e graus variados participam de uma ‘roda’ mediada, na maioria das vezes, por um ‘técnico’. Nome dado a um ex-adicto (viciado) que alcançou um estado de sobriedade. Não é um profissional especialista. Cada paciente, em sua vez, expõe detalhes de suas vidas destruídas e não escondem, inclusive, ao grupo, atrocidades cometidas e crimes de diversos tipos. Ou o desejo de cometê-los.

Em um ‘roda’ confissional que participei um adicto em cocaína relatou que passara a noite pensando diversas formas de assassinar sua ex-mulher, também viciada em coca, e o atual companheiro dela. Ele descreveu que arquitetou matá-la aos poucos, depois cortá-la em pedaços, salientando que desejava fazer o mesmo com o rival. Seus olhos saltavam e ele suava. Parecia estar em transe. Esse tipo de convivência e interação não é tratamento recomendável para depressivos, que se internam em alto grau de fragilidade emocional. Mas é assim que acontece. A cada reunião eu me sentia pior. E me refugiava no isolamento.

O ‘tratamento’ coletivo é mais barato para as clínicas. Mas seus resultados – pelo menos para mim – são altamente nocivos e não indicados. Chega a ser irresponsável e, na minha visão, uma fórmula cruel e criminosa de lucrar com a saúde precária de pessoas debilitadas. Também não acredito ser correto misturar nas mesmas dependências pacientes com patologias diversas, muitas delas em estágios perigosos. Os remédios ‘tarjas-pretas’ ajudam a regular a temperatura e a convivência. Dopados – não seria exagero comparar – muitos pacientes passam o período da internação como zumbis.

‘O sistema está equivocado’

A bem da verdade há uma área de sombra no tratamento da saúde mental em clínicas particulares especializadas. Existe um comércio que não nos deseja a cura. E a fiscalização do poder público, deixa a desejar. Não seria negligente afirmar que a indústria farmacêutica e o MERCADO psiquiátrico condenam pacientes à escravidão.

Não há como falar de depressão sem avaliar as políticas governamentais. O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), administrado pela prefeitura, carece de infraestrutura. Há muita demanda para poucos profissionais, remédios e instalações. Ao mesmo tempo, o meio ambiente, a crise, a criminalidade, o estresse e fatores diversos produzem, a cada dia, uma população de pessoas vítimas de transtornos mentais ou vítimas das drogas.

Vamos repensar o sistema de saúde mental. O sistema está equivocado. O interesse econômico não pode estar à frente do humanitário. Não estamos gerando curas. Estamos gerando RECAÍDAS!

Espaço terapêutico, clube ou presídio?

As instalações e o ambiente de algumas clínicas de recuperação que surgiram após a nova legislação variam. Mas elas têm muita coisa em comum, que vai do básico ao luxo. Umas publicam em seus sites suas instalações aprazíveis e terapêuticas: quadra de tênis, piscinas semi-olímpicas, salão de jogos, campos de futebol gramados, aparelhos de musculação, quadra de basquete, belos e bem cuidados jardins e ambientes de convivência. Outras mostram apenas suas áreas internas: mesas e cadeiras brancas de plástico. E não muito mais do que isso.

Uma casa terapêutica em que me ‘hospedei’, na zona sul do Rio, que cuida de psicóticos, chegava ao cúmulo de promover reuniões em suas dependências, com consumo de bebidas alcoólicas, de forma massiva e rotineira, ingeridas pelos terapeutas e seus convidados. Nessas reuniões, realizadas na sala, eles estudavam Nietzsche e Freud, enquanto pacientes – jovens e idosos, tentavam dormir em colchonetes, no chão.

E foram em cinco casas com características como essas, que eu tentei tratar a minha depressão. O que mais há em comum nesses ambientes ditos terapêuticos? Em algumas, muros de até quatro metros de altura, permeados de arames farpados, câmeras de segurança e muitos seguranças. Isso é espaço terapêutico ou é presídio?

* Ricardo França é jornalista, 48 anos, com passagens em várias empresas e veículos de comunicação. Assessor da secretaria de Estado de Segurança, França está afastado do trabalho há dois anos, para tratar de uma depressão crônica. Criou recentemente a página Pílulas de Desassossego no Facebook, que aborda o mal da depressão.

Veja o depoimento de Ricardo França ao Vida & Ação revelando seu drama pessoal

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