Para a maioria das pessoas ficar em casa nesse momento de quarentena é sinônimo de proteção. Mas para muitas mulheres, de diversas idades e condições econômicas, que também precisam lidar com o medo de contaminação pelo vírus, a quarentena representa o desafio de permanecer trancada com o agressor em seu próprio lar, 24 horas por dia. Em meio à pandemia, uma dura realidade, mascarada em muitos lares, torna-se, agora, mais visível.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU Mulheres), mesmo antes da disseminação global do coronavírus, um terço das mulheres em todo o mundo já experimentou alguma forma de violência em suas vidas, seja física ou psicológica. O número de casos de violência contra a mulher vem crescendo de forma substancial, no mundo inteiro, nesse período em que diversos países adotaram medidas necessárias de isolamento social para frear o avanço do novo coronavírus.

Na China, por exemplo, ativistas de direitos humanos denunciaram que os casos de agressões à mulher triplicaram durante a quarentena. Na França, desde o começo da crise sanitária, houve um aumento de aproximadamente 30% dos casos de polícia relacionados às agressões contra mulheres.

No Brasil, não é diferente. O plantão judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) aponta um aumento de cerca de 50% na demanda de casos de violência contra a mulher após o início da recomendação de isolamento social no estado, em março.

A própria conjuntura econômica também contribui para agravar as tensões domésticas. A perda de empregos afeta especialmente as mulheres, que se concentram no setor de serviços, o mais afetado pela crise, e ainda representam a maioria da força de trabalho no mercado informal, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Pressão psicológica e subnotificação de casos

A análise é da médica e professora Claudia Leite de Moraes, do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), que desenvolve estudo sobre essa temática, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa (Faperj). A especialista chama atenção para a situação, como a pressão psicológica e subnotificação de casos.

Muitos casos de violência contra a mulher são subnotificados porque há o medo e a resistência da vítima em denunciar, além da dificuldade concreta de contato presencial com as instituições de proteção à mulher no período da pandemia”, afirma Cláudia.

Contemplada pelo programa Cientista do Nosso Estado, ela coordena na Uerj o Programa de Investigação Epidemiológica em Violência Familiar (PIEVF), que completou 20 anos em 2019, e atua no curso de Pós-Graduação em Saúde da Família da Universidade Estácio de Sá. 

Mais estresse e sobrecarga de trabalho

A pressão psicológica, que cresce naturalmente com as notícias sobre o avanço da pandemia, e o aumento do tempo de convívio com o agressor são apenas alguns fatores associados à violência contra a mulher nessa quarentena. O aumento do estresse e a sobrecarga de trabalho em casa para a mulher, que muitas vezes é a principal ou única encarregada dos cuidados com familiares, são alguns fatores que propiciam a ocorrência de violência, em lares onde a principal forma de comunicação já é a violência.

O maior tempo de convívio com os agressores, que passam a ter maior controle e poder sobre a vítima, e a redução do contato com a rede psicossocial de apoio individual e coletivo, como amigos, família, trabalho e escolas, também aumentam o risco de violência”, analisa a professora.

Segundo Cláudia, além das restrições de movimento decorrentes da quarentena, as limitações financeiras e o sentimento de insegurança encorajam os abusadores, dando-lhes poder e controle adicionais. “O abuso de álcool e drogas, mais frequente em situações de crise, também compõe o quadro que pode levar a intensificação e a ocorrência de novos casos de violência”, resumiu.

O papel de familiares, amigos e vizinhos

Diante de situações de violência contra a mulher, Cláudia destaca a importância do papel de familiares, amigos e vizinhos em dar atenção redobrada durante o confinamento. “Os familiares devem estranhar situações como a perda repentina de contato, pelo telefone e redes sociais. É importante que mulheres em situação de violência busquem fazer o isolamento social com outros familiares, e evitem ficar sozinhas com o agressor”, ressalta.

Especialmente nesse período de isolamento social, os vizinhos, amigos e familiares têm que se conscientizar que em briga de marido e mulher é preciso, sim, meter a colher. Muitas vezes, eles são os que têm melhores condições de realizar denúncias de violência, já que não estão diretamente expostos aos agressores. É preciso ter muita atenção às situações suspeitas, como gritos, choros, discussões em voz alta e ameaças. As denúncias anônimas podem evitar situações mais graves e até a morte”, alertou.

Redes de apoio à distância

A pesquisadora destaca que, nesse momento de quarentena, é fundamental a organização de redes institucionais de apoio a distância, com canais para assistência remota à mulher vítima de violência, pela Internet e pelo telefone.

No início da quarentena, as instituições públicas e redes de apoio tiveram que se organizar às pressas para oferecer esse tipo de assistência remota à mulher. Muitas dessas trabalhavam apenas presencialmente, mas agora já é possível notificar as agressões e crimes via Internet, até mesmo por aplicativos, e por telefone, inclusive de forma anônima”, observou Cláudia.

Onde procurar ajuda?

Além dos canais para realização de denúncias via telefone (o Ligue 180, especializado no atendimento à mulher em situação de violência; o Disque 100, para denúncias de violações aos direitos humanos; e o telefone 190, da Polícia Militar) e pela internet (Ministério Público), o Governo Federal disponibilizou no mês de março o aplicativo “Direitos Humanos Brasil” para recebimento de denúncias de violência doméstica.

Recentemente, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) divulgou um material informativo com enfoque na violência contra a mulher neste período. O material tem como objetivo conscientizar mulheres sobre possíveis situações de violência e disponibilizar canais de ajuda nesse momento, e meios de denúncia para vizinhos e familiares diante de casos suspeitos.

A Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro também divulgou uma cartilha, que pode ser acessada aqui. Além destes canais, as delegacias de mulheres e delegacias comuns mantêm o funcionamento 24 horas.

Fonte: Uerj, com Redação

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